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2. A MORTE E SUAS VAIDADES: A VANITAS E AS RELAÇÕES DA MORTE NA ARTE

2.3. A morte como uma representação contemporânea

Na arte contemporânea eco das vanitas e do memento mori ressoa amplamente e seus significados e transformações apresentam-se de distintos modos de representação. Contudo, há caminhos que apontam para a compreensão de como isso ainda se reverbera na História da Arte e ainda se eterniza na arte contemporânea.

O tema da vanitas relaciona-se ao que podemos apresentar por alguns pontos de vista, sendo um deles o conceito de Aby Warburg como a Nachleben, que considerava a ruptura e sobrevivência de tradições clássicas nos diversos períodos históricos27.

Há sobrevivência do tema da morte em muitas das obras de artistas contemporâneos, pois a morte é uma questão da vida, que independente de épocas; é uma certeza e ao mesmo tempo um objeto que permeia nossas reflexões e pensamentos.

Independente do fato de que no século XVII a vanitas tivesse um sentido moralizante, e a partir do século XIX essa perspectiva mude, colocar-se em confronto com os sentidos da vida é um caminho que as artes visuais ainda têm para trilhar.

Nestes elementos que encontramos em obras contemporâneas quanto aos temas da morte, são uma sobrevivência das formas, como a Nachleben aponta; o símbolo da morte através do crânio, por exemplo, é um fator significativo a isso. Assim, podemos “dizer que o presente traz a marca de múltiplos passados é falar, antes de mais nada, da indestrutibilidade de uma marca do tempo – ou dos tempos – nas próprias formas de nossa vida atual” (DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 47).

Nessas relações, há um entendimento cultural do fator da morte, pois a espécie humana é a única que sabe que irá morrer; sabe disso através da experiência, diferente de outras espécies, em que isso se percebe pelo pressentimento da morte, quando esta se aproxima, mas não é necessariamente um saber.

A nossa noção de morte vem de um processo de envelhecimento, no qual nossa vida é sensivelmente alterada a cada etapa que passamos; porém não é a única maneira dessa percepção, pois a morte do outro, a qual assistimos, coloca- nos em consciência direta sobre este fato28. São sintomas que despertam na nossa compreensão humana e se refletem naquilo que representamos socialmente e artisticamente.

27

Georges Didi-Huberman expõe sobre a Nachleben e questões relativas ao universo dos estudos de Aby Warburg sobre a imagem e história da arte no livro A imagem sobrevivente: história da arte e

tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg (2013).

28

LANDSBERG, Paul Ludwig. Ensaio sobre a experiência da morte e outros ensaios. Rio de Janeiro: Contraponto: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2009, p. 13-15.

Didi-Huberman (2013) apresenta uma passagem do etnólogo Edward B. Tylor, em relação a esta passagem do tempo, que ilustra isso:

Progresso, degradação, sobrevivência, revivescência, modificação, tudo isso são formas pelas quais se ligam as partes da complexa rede da civilização. Basta uma olhadela para os detalhes banais da nossa vida cotidiana para nos levar a distinguir em que medida somos criadores e em que medida só fazemos transmitir e modificar a herança dos séculos anteriores. (TYLOR, 1871, apud, DIDI- HUBERMAN, 2013, p. 46).

As construções sociais em torno da morte são também uma concepção cultural, visto que a compreensão do tema tem olhares diferentes ao longo da história; é algo, entretanto, que sempre estará presente.

Em dados momentos históricos, povos primitivos tinham muito mais medo do morto que o medo da morte, pois o indivíduo não está desassociado ao clã, para que possa ser individualizado. Após sua morte, sua posição é tomada por outro indivíduo regenerando seu membro perdido; a morte aqui é uma passagem da alma para um novo indivíduo29.

Assim, essa concepção altera-se com o ganho da singularidade na sociedade, “a consciência da morte também avança junto com a individualização humana, com a constituição de individualidades singulares, obras da pessoa” (LANDSBERG, 2009, p. 17), e que neste advento social, a noção de religiões como a cristã, promete uma vitória sobre a morte, a salvação vinda pela vida na eternidade.

Para Marcel Mauss, citado por Didi-Huberman (2013), isso se encaixaria em uma questão das sobrevivências para o historiador e para o etnólogo:

[...] ele têm um valor sociológico geral, pois nos permitem compreender um momento da evolução social. Porém há mais. Eles também têm alcance na história social. Instituições desse tipo realmente fornecem a transição para nossas formas, nossas formas próprias de direito e de economia. Podem servir para explicar historicamente nossas próprias sociedades. A moral e a prática das trocas usadas pelas sociedades que precederam imediatamente as nossas ainda guardam vestígios mais ou menos importantes de todos os princípios que acabamos de analisar [no quadro das chamadas sociedades “primitivas”]. (MAUSS,1923-1924, apud, DIDI- HUBERMAN, 2013, p. 51).

29

Apresenta-se aqui o fato dessa sobrevivência do antigo que remete aos símbolos e manifestações nas artes visuais ligadas à compreensão da morte nos diversos momentos históricos e sociais. É uma reverberação que a partir do que se descrevem como Nachleben, coloca-nos em questões da imagem numa representação de que “o presente se tece de múltiplos passado” (DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 46).

Neste traçado de como a arte contemporânea absorve-se da vanitas, outra importante reflexão é olhar como a iconografia das obras perpetua-se e interliga-se, e que aqui podemos recorrer aos estudos de Erwin Panofsky (2001).

É importante observar que as simbologias dos memento mori são um ponto de ligação com a tradição da vanitas e que os artistas contemporâneos tomam para si para dialogarem com o tema da morte.

Panofsky (2001, p. 47) apresenta a iconografia como um estudo de temas das obras de arte e sua contraposição a sua forma, por um método com níveis de interpretação para as imagens.

Nessa direção, são apresentados três níveis que servem como análise da obra de arte. O primeiro deles é o Tema primário ou natural subdividido em fatual e

expressional: seria uma análise pré-iconográfica que identifica as formas puras

(como linhas, cores, partes de materiais das obras, como bronze ou pedras), as formas naturais (seres humanos, animais, plantas, casas etc.), as relações mútuas (determinadas por acontecimentos e ações) e, por fim, as expressões como a pose ou gestos e a atmosfera de um ambiente. O conjunto de formas puras constituem, portanto, os motivos artísticos da obra e que enumerados seriam a análise pré- iconográfica (PANOFSKY, 2001, p. 50).

O próximo nível é o Tema secundário ou convencional e que seria a análise iconográfica em si, relacionando “motivos artísticos e as combinações de motivos artísticos (composições) com assuntos e conceito” (PANOFSKY, 2001, p. 50). Deste modo, este nível apresenta os temas ou tópicos das obras e os códigos da imagem, melhor dizendo, os seus símbolos.

Para exemplificar, Panofsky (2001, p. 50-52) relaciona que a representação de um homem segurando uma faca simboliza São Bartolomeu, pois o artista deve ter a intenção consciente de retratá-lo e, consequentemente, para isso essa análise busca os significados e simbologias que foram elencadas no primeiro nível de Panofsky:

A iconografia é, portanto, a descrição e classificação das imagens assim como a etnografia é a descrição e classificação das raças humanas; é um estudo limitado e, como que ancilar, que nos informa quando e onde temas específicos foram visualizados por quais motivo específicos (PANOFSKY, 2001, p. 53).

Já o terceiro nível seria o do Significado intrínseco ou conteúdo, referenta ao campo da iconologia. Aqui se levam em conta as questões contextuais e até Antropológicas da obra, tentando entender por que questões presentes na imagem ocorrem: atitudes básicas de uma nação, qual período inserido da obra, a classe social, crenças religiosas ou filosóficas; basicamente a visão do mundo ao qual o artista está inserido, um método de interpretação representando uma síntese mais que uma análise30.

Deste modo, este método de Panofsky (2001) serve para compreensão dos elementos encontrados nas obras de arte contemporâneas e, como visto anteriormente, reverberam-se nas imagens da história da arte.

A iconografia da vanitas torna-se extensa por assim se dizer, pois, como uma observação básica desta pesquisa, o crânio está presente em diversos trabalhos relacionados à vanitas, tanto os crânios moralizantes das naturezas- mortas da Contrarreforma como em obras de modernistas como Picasso; no entanto, em todas elas, a caveira representa o ícone da morte. E por meio da iconologia, nota-se que os contextos presentes em cada período são importantes no entendimento de como o discutir sobre a morte pode mudar; ele, porém, mantém-se um tema vivo e essencial ao ser humano.

Dito tudo isso, tanto em Warburg quanto em Panofsky (2001) há caminhos que servem para a compreensão de como na arte contemporânea a significação da morte desdobra-se e de como esses símbolos perpetuam-se como um deslocamento nas obras.

Contemporaneamente, os artistas evocam a permanência do interesse pela vanitas na arte, podendo identificar o ressurgimento do século XVII e dos temas da morte através da diversidade de expressões que caracterizam o tema, por meio do retorno do uso dos emblemas que definem a vanitas clássica, como nas referências ao tempo e à morte, definindo seus significados.

30

Do mesmo modo, o crânio continua sendo um símbolo da vanitas na arte contemporânea, todavia como efeito; o envelhecer pode vir a ser um substituto da moral clássica ao espectador contemporâneo31. Marie-Claude Lambotte (2010) em

Les Vanités dans l’art Contemporain destaca que:

A referência teológico-moral essencial para a definição das vanitas do século XVII parece ter deixado nesse ponto não apenas uma, mas uma variedade de referências que, sem abandonar a moral, se referem, em sua maioria, a posições críticas sobre os padrões socioeconômicos que caracterizam nosso estilo de vida. E, neste caso, a vanitas se aproxima de uma figura de escárnio que combina a ironia e a denúncia de uma prisão coletiva que as próprias vítimas muitas vezes contribuem para reforçar. A sociedade de consumo são os avatares, obviamente, o principal exemplo do assunto ofensor que confronta o homem com suas iscas e a vanitas pode então interpretar a ambiguidade de seu significado segundo a qual designa ao mesmo tempo a natureza ilimitada de um poder e uma inanidade das coisas sobre as quais se aplica dentro de uma determinada sociedade (LAMBOTTE, 2010, p. 10, tradução nossa).

Neste sentido, é natural a reflexão do sujeito diante das transformações do mundo atual, com as mudanças da sociedade que nos fazem olhar tanto para o passado e para o futuro, no sentido de avaliar nossa condição humana e de progresso.

Isso se deve a questões globais ligadas as guerras e suas consequências, as polarizações sociais de classe e a destruição ambiental que nos assola. As descobertas de doenças como a AIDS que foi um marco social nas décadas de 1980 e 1990 e que reverberou na compreensão da fragilidade do ser pelas mortes de pessoas doentes ou então da convivência e iminência da perda de alguém próximo por ela; diante de tudo isso, torna-se impossível não vivenciar uma percepção de que conflitos e crises são algo presente na vida contemporânea32.

Esses apontamentos fazem parte de um conhecimento da natureza efêmera da vida em relação às perdas, uma contradição com a preocupação humana em tornar tudo eterno para haver uma salvação, o que reforça como as alegorias das vanitas ainda são fortes e presentes.

31 LAMBOTTE, Marie-Claude. Les vanités dans l’art contemporain: une introduction. In:

CHARBONNEAUX, Anne-Marie. Les vanités dans l'art contemporain. Paris: Flammarion, 2010, p. 9- 10.

32

RAVENAL, John. Vanitas: meditations on life and death in contemporary art. Charlottesville: University of Virginia Press. 2000. p. 13-14.

Julia Kristeva, em um ensaio associando a perda e a arte, questiona se a beleza e a morte fazem parte da mesma experiência ou se são opostos. Ela entende que a “criação e apreciação da beleza brotam de uma sublimação do sofrimento, a beleza representa uma conquista artificial e imaginária da morte que permite que a vida continue” (RAVENAL, 2000, p. 14, tradução nossa), e que a beleza seria uma força vital que contrabalanceia a morte que está sempre presente33.

Por conseguinte, na contemporaneidade, várias obras incorporam os símbolos do tempo, questionando e abordando os conflitos da existência, quais sejam, a presença e ausência, o prazer e o medo, amor e perda, o poder e a instabilidade, a beleza e a morte. São temas presentes em vários destes trabalhos e que ao mesmo tempo superam esses simbolismos. Como Lambotte (2010) descreve:

O paradoxo da fixidez, que explica o inevitável voo do Tempo e da Morte que interrompe seu curso, continua a atuar na pintura ou instalação, bem como no arranjo convencional dos emblemas da

vanitas. De forma mais geral, e ao contrário da vanitas clássica, a

tentativa de resolver esse paradoxo nas vanitas contemporâneas deve, naturalmente, contar com a diversidade dos modos de expressão previstos, no entanto, a mudança de registro que atribui ao objeto contemporâneo um significado quase literal ao invés de simbólico, e independentemente de qualquer contexto espiritual anterior, a vanitas remove o campo de representação para fazer praticamente atuar como aquelas proposições performativas para as quais a afirmação faz um ato (LAMBOTTE, 2010, p.16, tradução nossa).

Nestas relações, Damien Hirst representa talvez o artista mais marcante que apresenta em seu trabalho a temática da morte como um dos principais objetos; muito do fato de sua formação católica e de anos trabalhando em um necrotério para pagar seus estudos34.

Uma de suas obras mais célebres, e também uma das mais caras do mundo, For the Love of God [Figura 16], de 2007, é um crânio de platina moldado a partir de uma caveira humana de origem europeia do século XVIII, cravado com 8.601 diamantes em um total de 106,18 quilates com próteses de dentes humanas originais do próprio crânio utilizado como modelo. Hirst diz que o trabalho mostra

33

RAVENAL, 2000, p. 14. 34

DAYDÉ, Emmanuel. Damien Hirst. In: NITTI, Patrizia. C’est la vie! Vanités de Pompei a Damien

que não vivemos para sempre e aquilo representa um sentimento de vitória sobre a morte; isso vai ao encontro de sua pesquisa que gira em torno da “morte, amor, medo, doença e declínio mental” (ZANCHETTA, 2011, p. 148, tradução nossa) e por sua relação com cadáveres e obra pseudo-filosófica que pode ser considerada um “memento mori inverso: lembre-se de que não irá morrer” (DAYDÉ, 2010, p. 266, tradução nossa).

Figura 16. Damien Hirst, For the Love of God, 2007. Platina, dentes humanos e diamantes. Coleção particular

Além disso, para Hirst, o sagrado e o aspecto da religião funeral aproximam-se com a medicina e produtos farmacêuticos, de modo que ele relaciona a ciência como espécie de uma nova religião a qual colocamos nossa esperança da mesma forma quando nos voltamos para santos e Deus, em razão da medicina poder trazer um prolongamento da vida, renúncia esta que Hirst apresenta na distinção da temporalidade e eternidade35.

O crânio é, igualmente, um dos principais símbolos que Damien Hirst utiliza em seu trabalho e em For the Love of God, o artista questiona o espectador com este memento mori luxuoso de diamantes, pois, indagar-se sobre a morte e a vida, pode significar um dos últimos pontos a serem pensados por quem olha a obra; a vaidade que ela apresenta é também a vaidade da tentação e da corrupção do espírito e do corpo. É de algum modo uma forma de confronto ao pensamento burguês, visto que este não teme a morte e se recusa a falar ou pensar sobre pelo medo que isso lhe causa. Assim, como ressalta Zanchetta (2011):

35

ZANCHETTA, Alberto. Frenologia della Vanitas: il teschio nelle arti visive. Monza: Johan & Levi Editore, 2011, p. 148-149.

A atitude mundana dos burgueses recusa a escatologia religiosa, ignora os símbolos criando um aspirador sensível. Ao ignorar a angústia opressiva da hora da morte (sua própria e não a dos outros), o burguês não mostra interesse na vida no além, a contingência é a sua única realidade; ele afirma o culto do indivíduo, mas não quer ser perturbado pela visão dos mortos ou dos cemitérios (ZANCHETTA, 2011, p. 149, tradução nossa).

Os diamantes formalmente são ornamentos nessa peça escultórica; são eternos e, assim, conferem ao trabalho um status de imortal, alusão esta que causa esse desconforto a respeito da morte que se almeja ser corrompida e vencida36.

Deste modo, Hirst propõe uma obra atemporal e que o sistema artístico contemporâneo transforma em mercadoria em um contexto de luxo para uma burguesia que rejeita e sempre rejeitou a morte ao longo da história; uma vaidade posta por um cinismo social37.

Como desdobramento, o artista produziu uma série de serigrafias cobertas por pó de diamante chamada For the Love of God, Laugh [Figura 17], que reproduzem o crânio de For the Love of God e perpetuam sua ideia em várias versões de uma caveira sorridente e em uma nova interpretação do trabalho original38. São apontamentos que ressoam no trabalho de Damien Hirst desde muito tempo; em 1992 ele diz que "Estou obcecado com a morte, mas acredito que é uma celebração da vida e não algo macabro" (ZANCHETTA, 2011, p. 151, tradução nossa).

36

DAYDÉ, Emmanuel. Damien Hirst. In: NITTI, Patrizia. C’est la vie! Vanités de Pompei a Damien Hirst. Paris: Flammarion, 2010, p. 266.

37 Nicolas Bourriaud, em frase extraída do livro Les vanités dans l'art contemporain: “É no contexto do luxo que a vaidade assumi um significado em tal grau de cinismo social, o artista se torna um filósofo pré-socrático, o único que pode dizer ao imperador ‘tire meu sol’" (CHARBONNEAUX, 2010, p. 190, tradução nossa).

38

Figura 17. Damien Hirst, For the Love of God, Laugh, 2007. Serigrafia, verniz e pó de diamante sobre papel, 112 x 83 cm. Coleção particular

Anterior a Hirst, o artista mexicano Gabriel Orozco reivindica a tradição da cultura mexicana do crânio e dos símbolos funerários sem dramatizar a morte e sim conviver com ela de forma alegre e consciente como algo natural e que faz parte da vida, ou seja, um caminho inseparável da existência. São costumes e vivencias que, na festa do Dia dos Mortos, trazem a herança ao incorporar nas celebrações, figuras de crânios, esqueletos e caixões lembrando parentes falecidos, sem a carga dramática que o contexto da morte carrega na tradição europeia, por exemplo39.

Orozco apresenta a obra Black Kites [Figura 18] de 1997 como uma

vanitas que solicita a identidade mexicana sem apelar para clichês culturais. Nesta

obra o artista utiliza um crânio humano que recebe um desenho tridimensional em grafite com um estudo meticuloso da topografia da caveira, cujas formas

39

ZANCHETTA, Alberto. Frenologia della Vanitas: il teschio nelle arti visive. Monza: Johan & Levi Editore, 2011, p. 145.

geométricas em preto e branco deformam-se nos contornos da cabeça formando “pipas” as quais o título do trabalho apresenta40

.

Figura 18. Gabriel Orozco, Black Kites, 1997. Crânio humano e grafite, 21,6 x 12,7 x 15,9 cm. Philadelphia Museum of Art

O trabalho possui um mapa bidimensional sobre essa figura tridimensional, ao criar um desenho atravessado por diretrizes e bissetrizes levando nosso olhar a percorrer ao longo das diagonais que se formam, e segundo Zanchetta (2011):

O crânio de Black Kites dobra o espaço físico para as necessidades do espaço mental, o enredo torna-se essa medida, cheia e vazia alternada de forma regular, brancas e pretas são misturadas, criando um padrão que permeia a forma humana como se fosse uma segunda pele. Estes são os sinais do tempo e os sinais conceituais ligados à realização do trabalho (ZANCHETTA, 2011, p. 146, tradução nossa).

40

RAVENAL, John. Vanitas: meditations on life and death in contemporary art. Charlottesville: University of Virginia Press, 2000, p. 14-15.

Além disso, Black Kites apresenta em seus padrões os quadrados preto e branco que se assemelham a um tabuleiro de xadrez, um simbolismo do conflito entre dualidades, levando “à reflexão sobre a questão dos opostos e inversos, do positivo e do negativo, da vida e da morte. Como no jogo de xadrez, o xeque-mate é obviamente devido à morte” (ZANCHETTA, 2011, p. 147, tradução nossa).

Nesse esquema gráfico geométrico há também uma relação com as roupas de um arlequim, figura que simbolizada por seu espirito tolo e muitas vezes amoral, rompe com a lei e a ordem, em que os alongamentos das formas ao redor da cabeça associam-se a esta figura quebrando a rigidez do grafismo de partes do crânio41.

Há também um contraponto com estes dois artistas que utilizam o crânio humano real em suas obras, pois muitos artistas contemporâneos não utilizam uma verdadeira caveira em suas obras ou possuem um modelo anatômico para estudo ou mesmo desenvolvimento de seus trabalhos42.

No século XX, essa presença da ossatura não se faz mais nos ateliês dos artistas; a própria relação das pessoas com as obras de arte tornou-se diferente na

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