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Representação da morte na arte contemporânea : um olhar para os retratos como "vanitas"

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

THIAGO FERNANDES RIBEIRO

REPRESENTAÇÃO DA MORTE NA ARTE CONTEMPORÂNEA:

UM OLHAR PARA OS RETRATOS COMO VANITAS

CAMPINAS 2018

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THIAGO FERNANDES RIBEIRO

REPRESENTAÇÃO DA MORTE NA ARTE CONTEMPORÂNEA:

UM OLHAR PARA OS RETRATOS COMO VANITAS

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Artes Visuais

ORIENTADOR: PROF. DR. MAURICIUS MARTINS FARINA

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO THIAGO FERNANDES RIBEIRO, E ORIENTADO PELO PROF. DR. MAURICIUS MARTINS FARINA

CAMPINAS 2018

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BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO

THIAGO FERNANDES RIBEIRO

ORIENTADOR: PROF. DR. MAURICIUS MARTINS FARINA

MEMBROS:

1. PROF. DR. MAURICIUS MARTINS FARINA 2. PROF. DR. SERGIO NICULITCHEFF

3. PROF. DR. LUIZ SÉRGIO DA CRUZ DE OLIVEIRA

Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço em especial a minha mãe, Marly, por todos estes anos, desde a graduação, estar ao meu lado me incentivando, sendo uma referência e alguém que admiro e que me faz seguir em frente.

Ao meu orientador Prof. Mauricius Farina pela confiança nesta trajetória e por acreditar no projeto.

Às pessoas queridas que me apoiaram, me deram força e estiveram de alguma forma envolvidas durante esta empreitada, pelas trocas e tantas conversas: Gabi, Fabio, Thales, João, Ivan, Ricardo, Simone, Luciana, Marcio, Amália e Ana Flávia.

Aos professores que foram importantes em momentos diversos desde antes do mestrado: Profa. Luise Weiss, Profa. Lygia Eluf e Profa. Marta Strambi. Ao Prof. Sergio Niculitcheff, pelo semestre como PED, em que aprendi muito.

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Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas.

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RESUMO

Esta proposta de pesquisa toma por base parte de minha produção visual, buscando tentar compreender as eventuais relações e os respectivos desdobramentos ao verificar as formas de como a morte é, foi e pode ser representada na arte. Seu desenvolvimento se dá a partir da produção de uma série de imagens radiográficas de crânios, além da análise sobre a representação da morte na história da arte, mais especificamente sobre vanitas, verificando-se, assim, as possibilidades de aproximação do tema com a minha poética que permeia o retrato. Na produção contemporânea, as relações existentes entre o retrato – fotográfico ou pictórico – como um memento mori remetem-nos às fragilidades e vulnerabilidades do tempo e da morte. O crânio representa essa ponte de um

memento mori que se encontra em meus trabalhos: retratos que são um símbolo das vanitas, ou mesmo a quase dissecação do rosto, aparente através das radiografias.

Os trabalhos estão divididos em três séries: as radiografias apresentadas em (Des)Figuração, as gravuras da série Impressão Radiográfica e as cianotipias da série Crânio Revelado. Este texto percorre um traçado histórico, desde a tradição da

vanitas até a arte contemporânea e de como este caminho se relaciona com a minha

poética visual, ampliando de forma teórica e prática essas relações, juntamente com seus aspectos formais e simbólicos.

Palavras-chave: vanitas; radiografia; retrato; morte na arte; memento mori, artes visuais

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ABSTRACT

This research proposal will take as a basis part of my visual production, possible relationships and their consequences to understand the ways of how death is, has been and can be represented in art. Its development happens in the form of a production of a series of radiographic images of skulls, in addition to the analysis of the representation of death in the history of art, more specifically about vanitas, as well, the theme’s approximation within my portrait based poetic work. In contemporary production, the existing relations between the – photographic or pictorial portrait – as a memento mori refer us to the weaknesses and vulnerabilities of time and death. The skull represents a bridge that is a memento mori in my works: pictures that are a symbol of vanitas, or even almost face dissections, apparent through the x-rays.

The works are divided into three series: x-rays presented in

(Des)Figuration [(Des)Figuração], the engravings of Radiographic Imprint [Impressão Radiográfica] series, the cyanotype series Skull Revealed [Crânio Revelado]. This

text provides a historical path, going though since the tradition of vanitas to contemporary art and how this relates to my visual poetic, broadening the theoretical and practical form of those relationships, along with their formal and symbolic aspects.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Jacopo de’Barbari, Natureza-Morta com Perdiz, Luvas de Ferro e Flecha

de Arco, 1504. Óleo sobre madeira, 49 x 42 cm. Alte Pinakothek, Munique ... 22

Figura 2. Jan Gossaert, Natureza-Morta com Caveira (Díptico de Carondelet), 1517. Óleo sobre madeira, 43 x 27 cm. Museu do Louvre, Paris ... 24

Figura 3. Barthel Bruyn, o Velho, Vanitas (Vaidade), 1524. Têmpera sobre madeira, 61 x 51 cm. Kröller-Müller Museum, Otterloo ... 25

Figura 4. David Bailly, Autorretrato com Símbolos da Vaidade, 1651. Óleo sobre madeira, 89,5 x 122 cm. Stedelijk Museum De Lakenhal, Leiden ... 28

Figura 5. Paolo Picciati, Triunfo da Morte (detalhe), 1485. Parede externa da Igreja da Disciplina, Clusone, Itália ... 31

Figura 6. Pieter Brueghel, o Velho, Triunfo da Morte, cerca de 1562. Óleo sobre madeira, 117 x 162 cm. Museu do Prado, Madrid ... 31

Figura 7. Michael Wolgemut, Dança da Morte, ilustração para Weltchronik de

Hartman Schedel (Crônica do Mundo), 1493. Nuremberg ... 33

Figura 8. Hans Holbein, o jovem, A morte e o Abade, 1538. Xilogravura, 6,5 x 4,8 cm. Extraído do: Les simulacres & historiees de la mort, Lyon ... 34

Figura 9. O Príncipe do mundo, igreja de St. Sebald, Nuremberg, 1310 ... 35

Figura 10. Andy Warhol, Campbell’s Soup, 1962. Pintura de polímero sintético, 50,8 x 40,6 cm. Museum of Modern Art, New York ... 38

Figura 11. Andy Warhol, Skull, 1976. Serigrafia, 335,3 x 381 cm. Andy Warhol

Museum, Pittsburgh ... 38

Figura 12. Andy Warhol, Skull, 1976. Serigrafia, dimensões variadas. Esquema contendo quatro obras da série Skull ... 39

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Figura 13. Paul Cézanne, Jovem diante da Morte, 1895-96. Óleo sobre tela, 130,2 x 97,3 cm ... 40

Figura 14. Pablo Picasso, Crânio e jarra, 1945. Óleo sobre tela, 71,12 x 91,44 cm . 41

Figura 15. Pieter Claesz, Natureza-morta sobre o Tema da Vaidade (Vanitas), 1630. Óleo sobre painel, 39,5 x 56 cm. Mauritshuis, Haia, Holanda ... 43

Figura 16. Damien Hirst, For the Love of God, 2007. Platina, dentes humanos e diamantes. Coleção particular ... 50

Figura 17. Damien Hirst, For the Love of God, Laugh, 2007. Serigrafia, verniz e pó de diamante sobre papel, 112 x 83 cm. Coleção particular ... 52

Figura 18. Gabriel Orozco, Black Kites, 1997. Crânio humano e grafite, 21,6 x 12,7 x 15,9 cm. Philadelphia Museum of Art ... 53

Figura 19. Gerhard Richter, Schädel mit Kerze, 1983. Óleo sobre tela, 41 x 61,6 cm. Coleção particular ... 55

Figura 20. Thiago Fernandes, Sem título, 2011/2012. Acrílica sobre radiografia, 17,8 x 23,7 cm ... 58

Figura 21. Thiago Fernandes, Sem título, 2011/2012. Acrílica sobre radiografia, 18 x 22 cm ... 58

Figura 22. Thiago Fernandes, Sem título, 2011/2012. Acrílica sobre radiografia, 18 x 22 cm ... 59

Figura 23. Thiago Fernandes, Sem título, 2011/2012. Acrílica sobre radiografia, 18 x 22 cm ... 59

Figura 24. Thiago Fernandes, (Des)Figuração, 2011/2013. Acrílica sobre radiografia. Oito radiografias de 13 x 14 cm ... 60

Figura 25. Francis Bacon, Três Estudos de George Dyer, 1969. Óleo sobre tela, cada tela 35,5 x 30,5 cm. Coll. Madame Lucie Germain, Paris ... 63

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Figura 26. Francis Bacon, Três estudos de Autorretratos III - Tríptico, 1969. Acrílico sobre madeira, cada painel 42 x 30 cm ... 64

Figura 27. Francis Bacon, Figure at a Washbasin, 1976. Óleo sobre tela 198 x 147,5 cm. Coleção Museu de Arte Contemporânea de Caracas ... 65

Figura 28. Frank Auerbach, Head of J.Y.M. No. 1, 1981. Óleo sobre conglomerado, 56 x 50,8 cm. Southampton City Art Gallery ... 67

Figura 29. Massimo Pulini, Fragilità di Cristoforo, 1993. Óleo sobre radiografia, 35 x 43 cm ... 68

Figura 30. Massimo Pulini, Indigofera Decora, 2001. Esmalte, radiografia e técnica mista, 150 x 120 cm ... 70 Figura 31. Claudio Mubarac, sem título, 1999. Fotografia e água-forte, 30 x 30 cm – da suíte Clara... 71

Figura 32. Claudio Mubarac, sem título, 1997/2000. Fotografia e água-forte, 29 x 28 cm – da suíte Sobre as Câmaras ... 72

Figura 33. Esquema de cone de Lacan sobre o olhar (FOSTER, 2014, p.134) ... 76

Figura 34. Cindy Sherman, Untitled nº 272, 1992. Fotografia, 101,6 x 67,3 cm.

Coleção particular ... 77

Figura 35. Pascal Convert, Autoportrait, 2004. Estereoscopia lenticular, 150

imagens, 40 x 50 cm. Galerie Éric Dupont, Paris ... 80

Figura 36. Meret Oppenheim, Röntgenaufnahme des Schädels Meret Oppenheim, 1964. Fotografia preto e branco, 25,5 x 20,5 cm ... 81

Figura 37. Robert Gligorov, XXX Ray (Pistola), 1996. Cibachrome em alumínio, 100 x 120 cm ... 82

Figura 38. Robert Gligorov, Creazione di Adamo, 1996. Cibachrome em alumínio, 60 x 80 cm ... 83

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Figura 39. Ketty La Rocca, Untitled (Craniologia), 1973. Radiografia com fotografia sobreposta. ... 83

Figura 40. Esquema comparativo radiografias/gravuras ... 87

Figura 41. Thiago Fernandes, Impressão Radiográfica I, 2011/2012. Água-tinta, 10,8 x 12,5 cm ... 88

Figura 42. Thiago Fernandes, Impressão Radiográfica II, 2011/2012. Água-tinta, 10,8 x 12,5 cm ... 88

Figura 43. Conhece-te a ti mesmo. Mosaico funerário encontrado na Ápia (San Gregorio), início do século III. Museu Nacional das Termas, Roma ... 91

Figura 44. Thiago Fernandes, Impressão Radiográfica III, 2012/2013. Água-tinta e água-forte, 10,8 x 12,5 cm ... 92

Figura 45. Thiago Fernandes, Impressão Radiográfica IV, 2012/2013. Água-tinta e água-forte, 10,8 x 12,5 cm ... 92

Figura 46. Thiago Fernandes, Impressão Radiográfica VI, 2012/2013. Água-tinta e água-forte, 10,8 x 12,5 cm ... 93

Figura 47. Claudio Mubarac, sem título, 2007-2008. Impressão digital, ponta-seca e buril sobre papel, 38 x 31 cm – da suíte Para Mary Selley: sobre os poetas ... 94

Figura 48. Thiago Fernandes, Impressão Radiográfica V, 2012/2013. Maneira-negra, 10,8 x 12,5 cm ... 95

Figura 49. Otto Dix, Refeição na Trincheira, 1924. Água-forte, 19,6 x 29 cm ... 97

Figura 50. Otto Dix, Mortos diante da posição de defesa perto de Tahure, 1924. Água-forte, 19,7 x 25,8 cm ... 98

Figura 51. Otto Dix, Schädel (The Skull), 1924. Água-tinta, 19,6 x 25,1 cm ... 99

Figuras 52, 53, 54 e 55. Thiago Fernandes, Sem título, 2017. Cianotipia e acrílica sobre papel, 21 x 14,7 cm – da série Crânio Revelado ... 101

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Figuras 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64 e 65. Thiago Fernandes, Sem título, 2017. Cianotipia e acrílica sobre papel, 21 x 14,7 cm – da série Crânio Revelado ... 107

Figura 66. Richard Prince, Untitled (Sunset), 1981. Fotografia, 74 x 115,5 cm ... 109

Figura 67. Francis Bacon, Miss Muriel Belcher, 1959. Óleo sobre tela, 74 x 67,5 cm. Ivor Braka Ltd., Londres ... 110

Figura 68. Francis Bacon, Study for Portrait II, after the life mask of William Blake, 1955. Óleo sobre tela, 61 x 51 cm. Coleção The Tate Gallery, Londres ... 113

Figura 69. Madalena Hashimoto, A Thousand faces – 19-33, 1993-1994. Fotolito e

blueprint, 92 x 108 cm ... 115

Figura 70. Madalena Hashimoto, A Thousand faces – 34-51, 1993-1994. Fotolito e

blueprint, 91 x 108 cm ... 116

Figura 71. Yan Pei-Ming, Crâne, 2004. Óleo sobre tela, 150 x 150 cm. Coleção particular ... 117

Figura 72. Yan Pei-Ming, Selfportrait at Four Ages, 2006. Óleo sobre tela, 100 x 100,3 cm cada tela. Coleção particular ... 117

Figura 73. Hans Baldung, The Ages of Man and Death, entre 1541-1544. Óleo sobre painel, 151 x 61 cm. Museu do Prado, Madrid ... 118

Figuras 74, 75, 76 e 77. Thiago Fernandes, Sem título, 2017. Cianotipia e aquarela sobre papel, 21 x 14,7 cm – da série Crânio Revelado ... 119

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 16

2. A MORTE E SUAS VAIDADES: A VANITAS E AS RELAÇÕES DA MORTE NA ARTE... 20

2.1. A natureza-morta e as Vanitas como mementos mori ... 20

2.2. Vanitas como novas significações ... 36

2.3. A morte como uma representação contemporânea ... 43

3. RETRATOS DO CRÂNIO: A MORTE COMO PARTE DE UM PROCESSO ... 57

3.1. (Des)figurações: as radiografias e o crânio como retrato ... 57

3.2. Impressões Radiográficas: a gravura como retrato da morte ... 85

3.3. Crânios Revelados: revelação do crânio através de retratos ... 100

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 121

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 124

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ... 129

(16)

1. INTRODUÇÃO

Esta dissertação tem como objeto de pesquisa minha produção visual e trata de relações e desdobramentos que podem existir ao investigar as formas de como a morte é, foi e pode ser abordada na arte.

O desenvolvimento desta investigação se dá a partir da produção de uma série de imagens radiográficas de crânios, associada às análises sobre a representação da morte na história da arte, mais especificamente sobre a temática

vanitas, considerando as possibilidades de aproximação destes objetos de análise

com a minha poética que permeia o retrato.

Desse modo, considerei que as relações existentes entre o retrato – fotográfico ou pictórico – como um memento mori na produção contemporânea nos remetem às fragilidades e vulnerabilidades do tempo e da morte. O crânio representa essa ponte de um memento mori encontrado em meus trabalhos: retratos que são um símbolo das vanitas, ou mesmo a quase uma dissecação do rosto, aparente através das radiografias.

Para esses recortes, busco ampliar de forma teórica e prática essas relações, observando aspectos formais e simbólicos. Nessa direção, as discussões teóricas e as análises nesta dissertação foram distribuídas em dois capítulos; o primeiro de cunho mais teórico e analítico, e o segundo procuro mostrar a minha poética visual e suas conexões com a temática da vanitas, apresentada no primeiro capítulo.

Neste capítulo inicial, o objetivo é abordar as relações da temática que permeiam as vanitas e o memento mori e suas correspondências com inquietações sobre as representações da morte nas artes visuais. Ele se divide em três subcapítulos, que pontuam questões sobre a presença da morte como tema recorrente na história da arte e, de que maneira simbólica, como isso pode se manifestar.

Assim, temos como primeiro subcapítulo “A natureza-morta e as Vanitas como memento mori”, no qual apresento alguns pontos de discussão desde o surgimento das vanitas, tomando por base a tradição do gênero das naturezas-mortas e, especificamente, as obras que abordam por métodos moralizantes e as brevidades da vida.

(17)

Procurei observar de que modo a representação da morte na arte ocidental manifesta-se, desde aos triunfos da morte, as ars moriendi e as danças macabras, além de analisar de que maneira isso se reverbera na sociedade principalmente no século XVII, e como a morte é um tema que permeia o imaginário do período.

O segundo subcapítulo “Vanitas como novas significações” tem como finalidade ser uma transição de como compreendi a representação da morte na arte a partir de artistas como Cézanne e Picasso e de como isso se reverbera na arte contemporânea. Assim, nesta análise do gênero, apresento como ligação Andy Warhol como sendo uma ponte das vanitas contemporâneas a partir de sua crítica dos valores sociais do século XX, e o efeito traumático da repetição do crânio, sendo que os motes moralizantes do tema não são mais a principal questão da vanitas a partir já do século XIX.

O terceiro e último subcapítulo visa a investigar a representação da morte na arte contemporânea, incorporando o tema da vanitas em obras atuais em contraponto a esta tradição. Para analisar esta transição, busquei apoio em dois teóricos do estudo das imagens, Aby Warburg e a sobrevivência por meio da

Nachleben e Erwin Panofsky (2001) pelo estudo iconográfico e iconológico das

imagens. São dois pontos importantes, pois isso também se relacionam ao assunto apresentado anteriormente, visto que para se discutir a vanitas, é necessário entender seus símbolos iconográficos e como este gênero perpetua-se; afinal, lidar com a morte não é algo resolvido, ao contrário, ainda nos é inquietante.

A iconografia apropria-se do símbolo da caveira, afastando o significado da promessa de vida eterna e questionando nossa percepção sobre a realidade, a vida e como usamos o tempo, que é tão volátil. A morte na produção contemporânea dessacralizou e se tornou espetáculo em alguns momentos, com as obras de artistas como Damien Hirst, Gabriel Orozco e Gerhard Richter, mas ao mesmo tempo um olhar e reflexão do objeto em sua condição na cultura de consumo. Tratar sobre as finitudes é também uma crítica aos valores da contemporaneidade.

No segundo capítulo, pretende-se estabelecer relações no processo de criação de questões poéticas na investigação do crânio como uma construção de retratos por meio de radiografias que são interferidas, recodificadas e ressignificadas em busca de figuras que remetem às vanitas em uma relação que pode nos revelar

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a presença da morte e a finitude da vida por meio de retratos. Além disso, essas figuras do crânio apoderam-se da abjeção como seu objeto.

Os trabalhos dividem-se em três eixos, os das radiografias da série

(Des)Figuração, as gravuras da série Impressão Radiográfica e as cianotipias da

série Crânio Revelado, sendo assim, cada eixo de trabalhos é um subcapítulo específico.

Por conseguinte, o primeiro subcapítulo “(Des)figurações: as radiografias e o crânio como retrato” trata, especificamente, das imagens de raio-X que são uma construção como um retrato radiográfico feito a partir de um índice, que é a radiografia, de modo que este rosto seja reconstruído e ganhe outras marcas e impressões.

A pesquisa procura trazer como referência as relações com artistas como Francis Bacon, por meio de sua relação com a figura humana, principalmente em um processo na ressignificação do crânio radiográfico. Outro ponto a se destacar é a compreensão da apropriação de imagens, no caso as chapas de raio-X, estabelecendo assim uma conexão com o trabalho de Claudio Mubarac que também desenvolve obras apropriando-se de radiografias. Outros artistas contemporâneos são utilizados nesta investigação, tendo referência principalmente pelo seu desenvolvimento poético com chapas radiográficas como suporte.

Na sequência, é apresentado o subcapítulo “Impressões Radiográficas: a gravura como retrato da morte”, em que apresento uma série de gravuras em metal que são um desdobramento da série (Des)Figuração, pois nestes trabalhos ressignifico as radiografias interferidas, que se multiplicam pela característica de reprodução que o meio gráfico possui. São procedimentos adotados na pesquisa como parte do processo do retrato, criando novos significados e interpretações. Busco novamente Mubarac pelas conexões com as técnicas de impressão e Otto Dix e suas gravuras relacionadas aos temas da morte oriunda dos horrores da guerra, dentro de uma perspectiva da vanitas no século XX.

O terceiro subcapítulo “Crânios Revelados: revelação do crânio através de retratos” apresenta uma série de cianotipias baseadas em radiografias, que são produzidas sobre a superfície do papel na qual a transparência do raio-X não está mais presente. Nestes trabalhos, apresento imagens do crânio nas quais cubro partes e, em outras, revelo, deixando aparente assim uma inter-relação da morte com o retrato; desenvolvo também algumas destas figuras com camadas de

(19)

aquarela que transparecem o esqueleto. Retomo questões da apropriação e da repetição, como também Bacon como referência na pintura e de processos.

Nesta dissertação, recorri a algumas referências teóricas para apoiar as minhas reflexões: Deleuze (2007), Didi-Huberman (2013), Foster (2014), Landsberg (2009), Scheneider (2009), Zanchetta (2011), dentre outros.

Esperamos neste texto que seja feita uma reflexão sobre como a morte é um assunto presente na arte e de como se incorpora a tradição da vanitas na arte contemporânea. As referências de artistas que utilizam o crânio e o motivo da morte em sua poética são muito extensas, assim sendo, nesta pesquisa foi utilizado um recorte para tratar do tema. As relações de minha produção visual com o assunto também são amplas e as escolhas dos caminhos ficaram centradas na busca de uma compreensão de como esses retratos radiográficos inserem-se e estão impregnados pelos símbolos da morte.

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2. A MORTE E SUAS VAIDADES: A VANITAS E AS RELAÇÕES DA MORTE NA ARTE

2.1. A natureza-morta e as Vanitas como mementos mori

Vaidade de vaidades, tudo é vaidade. Versículo este de Eclesiastes do

Antigo Testamento (Ecl 1:2-4), que permeou o modo de como a sociedade burguesa e a Igreja no final do século XVI, por todo século XVII e início do XVIII, lidaram com as transformações na Europa, advindas do pensamento humanista e das reflexões morais. Mudanças de uma sociedade que rompe com a lógica feudal, que se altera e apresenta outros questionamentos, agora de uma burguesia em ascensão.

A etimologia da palavra vanitas deriva de vanus, algo como “vazio”, “caduco”1

. Na concepção dos termos é apontado por Aberto Zanchetta (2011) que:

No Eclesiastes, a vaidade do mundo, tripartida na vaidade da ciência, dos prazeres e da sabedoria, é comentada pelo autor como um "grande infortúnio". Não é por acaso que o incipit2 do texto bíblico é selado pela perífrase Vanitas vanitatum (Vaidade de vaidades, tudo é

vaidade), derivado do superlativo hebraico Havel Havalim, traduzido

para um "imenso vazio". Então, "tudo é vaidade" significa mais exatamente "tudo está vazio". O hebraico termo Hevel, traduzido em latim como vanitas, pode se referir a diferentes conceitos; entre eles está a respiração, que não é um pneuma da vida, pelo contrário, é uma respiração que desaparece gradualmente, até exalar, para "expirar" (em outras palavras, é um "descer" que cessa e se extingue). Mas os equivalentes de Hevel também são fumaça, vapor, neblina. Em vez de confiar nas traduções canônicas do Eclesiastes, aqui está a interpretação feita por Guido Ceronetti, que parafraseia

vanitas vanitatum como "Fumaça de fumo / pó de pó", enquanto a

frase "tudo é vaidade" é feita com o impalpável "Tudo é respiração" [Qo 11,8] (ZANCHETTA, 2011, p. 19, tradução nossa).

Entretanto, para discorrer sobre a tradição da vanitas é necessário articular primeiramente sobre o gênero da pintura da morta. A natureza-morta apresenta-se na história da arte como um dos gêneros da pintura, juntamente com a pintura histórica, o retrato ou a pintura de paisagem, porém colocada como um valor menor.

1

ZANCHETTA, Alberto. Frenologia della Vanitas: il teschio nelle arti visive. Monza: Johan & Levi Editore, 2011, p. 17.

2

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A origem do termo aparece, inicialmente, da palavra holandesa stilleven, que simplesmente significava “modelo inanimado” ou “natureza imóvel” (SCHNEIDER, 2009, p. 7). Do mesmo modo, a palavra francesa nature morte coloca-se como expressão próxima ao entendimento do tema hoje pelo fato do termo abarcar a relação dos objetos imóveis e sua representação.

Assim, a partir das primeiras escolas de arte que seguiram o modelo da Academia de Arte de Paris durante o século XVII, eis que as pinturas de naturezas-mortas não se tornam necessariamente um gênero, mas uma categoria que ocupava o âmbito do ensino, pois pintar objetos cotidianos e cenas domésticas não era tema para os grandes pintores ou então um projeto artístico digno de se valorizar. A pintura histórica – através dos temas bíblicos, mitológicos e ligados às questões nacionais – e a pintura de retratos, tiveram na escala hierárquica uma posição mais elevada como gênero na pintura3.

Havia uma variedade de temas nas naturezas-mortas que incluíam flores, frutas, alimentos variados, animais vivos e mortos, vasos e recipientes, tecidos, instrumentos musicais, livros, armas, coleções de história natural e gabinetes de curiosidades. Além disso, haviam alegorias moralizantes ligadas a de objetos representativos dos cinco sentidos humanos e símbolos da transitoriedade da vida e irrelevância dos bens materiais, no caso as vanitas.

No entanto, as primeiras naturezas-mortas possuem uma ligação com um ilusionismo buscado na pintura e apresentam relação com a história do pintor grego Zêuxis e seu rival Parrásio. Pelo uso do trompe l’oeil, ilusões óticas com o intuito de enganar o olhar do observador, Zêuxis pintou uvas que eram tão reais que enganavam pássaros que tentavam comê-las, atinando que eram reais; contudo Parrásio pintou uma cortina a qual pôde enganar Zêuxis e, de tal modo, atingir uma precisão e rigor, significando que há uma “captura imaginária do animal seduzido para o homem iludido”4

.

O trompe l’oeil buscava um realismo e perfeição em que a ideia de ilusão ótica tinha a intenção de enganar o olhar do observador, além ter uma qualidade estética a qual uma pintura como Natureza-Morta com Perdiz, Luvas de ferro e

Flecha de Arco [Figura 1] do pintor veneziano Jacopo de’Barbari podia ambientar

3

SCHNEIDER, Norbert. Natureza-morta. Colônia: Taschen, 2009, p. 7. 4

FOSTER, Hal. O retorno do real. São Paulo: Cosac Naify, 2014, p. 136-137. Hal Foster disserta uma passagem em que Lacan utiliza a anedota sobre Zêuxis em um de seus seminários e se discute questões do ilusionismo e o olhar.

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uma sala de caça da corte não só com intensão de entreter os olhares, mas também um signo para a temática da caça.

Figura 1. Jacopo de’Barbari, Natureza-Morta com Perdiz, Luvas de Ferro e Flecha de Arco, 1504. Óleo sobre madeira, 49 x 42 cm. Alte Pinakothek, Munique

A natureza-morta do século XVII possuía uma precisão muitas vezes científica, era um estudo obsessivo dos objetos e de sua qualidade material, um estudo sobre os efeitos da luz sobre a cor nos objetos. E nessa investigação de representação dos objetos, segundo Norbert Schneider (2009):

A temporalidade, variabilidade e o acaso constituíam assim a matéria das experiências cotidianas, que influenciavam estes quadros e mais tarde, influenciariam o gênero da natureza-morta como forma especial de pintura. Não é por acaso que esses quadros acentuam continuamente o tema da vaidade e da transitoriedade de todas as coisas (SCHNEIDER, 2009, p. 16).

Posto isso, há outra questão em relação às naturezas-mortas na ótica do simbolismo que estas obras possuíam. Isso porque os temas não eram escolhidos por questões estéticas, mas também carregavam significações e abordagens por

(23)

trás dessas pinturas. Em razão da hermenêutica medieval, não havia apenas o sentido literal da obra, porém questões da fé e ligadas a Igreja que estavam presentes em suas interpretações, principalmente em um período de transição a partir do século XVI.

Há neste ponto um simbolismo disfarçado5 através de emblemas ligados ao humanismo, símbolos que geralmente estavam relacionados a reflexões morais, alusões políticas ou dogmas religiosos. De certa forma, eram códigos colocados pelos artistas, ícones e signos6 postos nos quadros por meio da pintura destes objetos do cotidiano. Os emblemas eram compostos em três partes: um mote curto, uma imagem e um texto abaixo explicando a imagem ou colocando uma mensagem7.

Como exemplos destes símbolos, encontramos em obras que são

memento mori, expressão em latim cujo significado seria algo como “lembre-se que

irá morrer”. Essas imagens de crânios foram pintadas no reverso de retratos, anunciando, desta forma, que não podiam estar separadas, ou seja, a decomposição de todo mortal antecipando o que os espera.

Natureza-Morta com Caveira [Figura 2] de Jan Gossaert mostra a morte oculta na parte traseira de um díptico conhecido como Díptico de Carondelet (1517), com um crânio inclinado e com o maxilar deslocado e caído, um sinal de decomposição. Há uma tira de papel com os dizeres “Facile contemnit omnia qui se

semper cogitat moritorum. Hieronymus 1517” (“Quem nunca esquece que vai morrer

despreza com facilidade todas as coisas”); abaixo da pintura a palavra MATVRA, gravada no relevo da tela sendo um aforismo de Jerônimo, padre considerado padroeiro dos humanistas cristãos8.

5

SCHNEIDER, Norbert. Natureza-morta. Colônia: Taschen, 2009, p. 17. 6

JOLY, Martine. A imagem e os signos. Lisboa: Edições 70, 2000, p. 38-53. 7

SCHNEIDER, op. cit., p. 17. 8

(24)

Figura 2. Jan Gossaert, Natureza-Morta com Caveira (Díptico de Carondelet), 1517. Óleo sobre madeira, 43 x 27 cm. Museu do Louvre, Paris

Outro quadro que apresenta o mesmo tipo de construção é a pintura de Bartel Bruyns o Velho, com sua Natureza-Morta – Vanitas [Figura 3], que é um reverso do retrato de Jane-Loyse Tissier (1524), na qual há uma inscrição no canto inferior da tela: “Omnia morte cadunt/mors ultima linia rerum” (“Tudo decai com a morte/a morte é a última fronteira de todas as coisas”); há, além disso, os motivos do crânio com o maxilar separado da caveira e uma vela simbolizando a passagem do tempo e da vida9.

9

(25)

Figura 3. Barthel Bruyn, o Velho, Vanitas (Vaidade), 1524. Têmpera sobre madeira, 61 x 51 cm. Kröller-Müller Museum, Otterloo

A questão da moral burguesa dentro da natureza-morta não vem somente da sua relação com as vanitas, mas praticamente em todo diálogo com os temas desse gênero no século XVII e, principalmente, na pintura flamenga.

A representação dos cinco sentidos, que encerra uma questão inclusive das mudanças sociais da época, é um exemplo. O aumento da oferta de produtos agrícolas e comerciais mudou a percepção das pessoas em relação ao consumo e seus bens. Nessas pinturas, eram retratadas mercadorias de luxo, cuja intenção era de estimular o espectador ao prazer para outras necessidades de uma burguesia e sua compulsão ao consumo.

Seriam, assim, alegorias dos sentidos, simbolismos ligados aos cinco sentidos: o gosto, a visão, o olfato, a audição e aos prazeres carnais (o tato). Ao mesmo tempo, a ligação com os produtos de luxo e o erotismo presentes nessas obras pelos objetos preciosos mostraram que não carregavam uma fruição total ao burguês, voltando, consequentemente, para a relação da moral burguesa ligada à religião, anteriormente discutida.

(26)

Desse modo, essas naturezas-mortas tinham relação análoga com as

vanitas, pois há também aqui a tendência para a censura, representando “sinais de

orgulho (de vanitas) e comprometem a salvação da alma” (SCHNEIDER, 2009, p. 71). Para Goethe, a vaidade é autossatisfação sem fundamentos, não levando à imortalidade, todavia à imoralidade, questionando a transitoriedade das coisas e a contemplação das vaidades terrenas (ZANCHETTA, 2011, p. 17).

A vanitas é um dos temas do gênero da natureza-morta, difundido na Europa, mais abordado entre 1650 e 1660. O acúmulo de riquezas da burguesia holandesa pré-capitalista fez com que a igreja católica difundisse a mensagem de que os bens materiais e a obtenção de riquezas eram meras vaidades perante a morte.

Esse tema passou a fazer parte das iconografias de pinturas da época, representando bens de consumo de forma simbólica, como joias, espelhos, ouro; no campo intelectual e das artes, livros, quadros, esculturas, instrumentos musicais. Entretanto, juntamente a esses símbolos, o crânio era representado para advertir sobre a importância que se dava a essas vaidades, além de demonstrar a brevidade da vida e a iminência da morte10. Para compor todo esse tema e ressaltar a efemeridade da vida, objetos ligados à passagem do tempo eram também representados, ampulhetas, velas apagadas, cronômetros. Em contrapartida, para simbolizar a momentaneidade da vida e vaidades do corpo, eram utilizadas flores mortas, frutas apodrecidas etc.

Nesse sentido, entender as vaidades é observar uma qualidade essencial da natureza humana, que abarca a maldade, desgraça, inconveniência e irracionalidade, uma inocência e de certa maneira bobagem ridícula; é querer ser louvado após a morte, mesmo perdendo a vida; não queremos perder a vaidade. Até por isso, a iconografia da vanitas necessita condenar o que é supérfluo, a riqueza, a beleza e o tempo, enfatizar que as coisas mortais perdem seu valor11. Tanto que a vaidade não cabe apenas a cultura europeia, sendo um questionamento mais amplo:

Budistas, cristãos, platônicos e místicos acreditam que a vida é uma vaidade pura e simples, um conceito que se resume no lema "tudo escapa", mas as pessoas preferem enriquecer materialmente em vez de fortalecer espiritualmente, e é por isso que há menos e menos

10

SCHNEIDER, Norbert. Natureza-morta. Colônia: Taschen, 2009, p. 79 11

ZANCHETTA, Alberto. Frenologia della Vanitas: il teschio nelle arti visive. Monza: Johan & Levi Editore, p. 17-18.

(27)

sentimento humano em coisas. Para modificar nossos pecados, devemos desistir das paixões que são a fonte de uma má consciência, rejeitando o que é terreno, em uma espécie de visão ascética e inefável que sacode o materialismo. Devemos também pregar a vida ultraterrestre para alcançar a absolvição e a beatificação; mas para obter misericórdia, é necessário primeiro compensar a mortificação da carne e do espírito (ZANCHETTA, 2011, p. 18, tradução nossa).

Pensando numa cultura ocidental de influência europeia, o crânio muitas vezes é associado à morte e esse é um dos símbolos ao qual a representação do corpo como a caveira carrega. Trata-se de um elemento que permeia as questões da morte e do memento mori. É um elemento encontrado nas artes, literatura, fotografia e em várias linguagens que nos faz lembrar-se da mortalidade do ser. Ele está associado diretamente aos questionamentos da vida e morte na arte, utilizando para tanto o gênero da vanitas.

A vanitas é uma categoria de memento mori, pois este também nos lembra de que a vida é breve, todavia, “tudo que servir para relembrar a mortalidade do homem pode ser um memento mori, o que nos leva a concluir que nem todo

memento mori é um Vanitas” (WITECK, 2012, p.22). Enquanto a vanitas é um tema

exclusivamente relacionado às artes visuais, um desdobramento do gênero natureza-morta, o memento mori é um termo ou uma ideia, ou seja, a da iminência da morte e pode, assim, aplicar-se em qualquer linguagem. Sendo assim:

O conceito de vanitas, como se entende nas artes visuais, deriva de

Qohélet12, o livro sapiencial da Bíblia, também chamado de Eclesiastes. O texto é uma reflexão complexa e árdua sobre a vaidade universal, uma prova de sofrimento que coloca o homem diante do tormento do conhecimento, a fugacidade do tempo, o sustento da vida e as coisas que lhes pertencem: pois é inútil colocar alegrias e esperanças em vaidades, tornam o homem absolutamente infeliz (ZANCHETTA, 2011, p. 19, tradução nossa).

A caveira como um símbolo da transitoriedade aparece primeiramente nos reversos de retratos, mostrando que a mortalidade do homem é uma condição futura a qual o retratado não teria como fugir, por mais que acumulasse riquezas. O crânio nas vanitas tinha como intenção advertir, junto a bens de consumo e de luxo,

12

Qohélet, o pseudônimo hebreu usado pelo autor desconhecido, presumivelmente no terceiro século a.C., refere-se à palavra qahal, que significa "assembleia", correspondente à ekklesía grega e à derivação latina Eclesiastes (ZANCHETTA, 2011, p. 361, tradução nossa).

(28)

que todas as coisas são fugazes e a morte cria perturbações para se gozar da vida despreocupadamente.

Elaborando um paralelo, podemos olhar pelo viés da experiência da morte, pois esta é uma presença e uma certeza que temos em relação à vida, porém nos assusta pensar no outro como um fim a ser vivenciado, pois este está ausente, segundo Landsberg (2009, p. 21), “se a morte era a presença ausente, o morto é agora a ausência presente”. O que surpreende nessa mimeses da morte não é a sua representação, “mas sua presença como morte” (NANCY, 2015, p. 59) a ideia de partilha deste momento registrado.

Uma obra interessante, que aborda essa relação do retrato e a vanitas. é a pintura de David Bailly, de 1651, Autorretrato com Símbolos da Vaidade [Figura 4]. Nela, vemos uma fronteira entre dois gêneros da pintura, a natureza-morta e o gênero do retrato; um misto de relações, que pode até ser evidenciado pela posição da tela, em forma de paisagem13, o que atenta nosso olhar não apenas para um simples retrato, todavia para o fato de que há algo mais ali.

Figura 4. David Bailly, Autorretrato com Símbolos da Vaidade, 1651. Óleo sobre madeira, 89,5 x 122 cm. Stedelijk Museum De Lakenhal, Leiden

13

(29)

Este quadro é composto por uma série de elementos; como podemos observar na composição há uma série de retratos, alguns pendurados nas paredes e postos em cima de uma mesa, outros como quadros dentro de um quadro, no caso, estes retratos se configurariam como naturezas-mortas. Há também a figura do jovem, claramente a representação de um típico retrato.

No entanto, caracterizando uma natureza-morta, vemos outros elementos presentes na obra, símbolos das vanitas, como a vela recentemente apagada, deixando apenas o rastro de um “fio” de fumaça; as esculturas e a flauta sobre a mesa, representações ligadas às artes; há ainda as flores, as joias e a taça caída, demonstrando o luxo burguês, símbolos das futilidades da vida; o relógio, ou no caso a ampulheta, que ainda está em sua trajetória, lembrando-nos da transitoriedade da vida, que nosso tempo se esgotará e nos restará apenas um fim. E claro, a figura mais representativa das vanitas, o crânio, ícone do memento mori, recordando-nos de que iremos morrer, ou seja, o estado de decomposição final.

Contudo, a parte também interessante desta vanitas é a figura do jovem representado na obra. Ele, por elementos que encontramos na tela, seria um jovem artista, pois em uma das paredes se encontra um paleta de pintura. Em uma de suas mãos ele segura um retrato oval de uma pessoa mais velha e é neste pormenor que entram as questões da relação retrato e natureza-morta.

Bailly não poderia ser o jovem, ele já tinha idade avançada pela data em que o quadro foi pintado. A imagem sobre a mesa mostra-nos um rosto semelhante ao jovem, porém mais velho. O que se apresenta é uma cena interessante e também desconcertante: o autorretrato de David Bailly é um retrato dele jovem e, ao mesmo tempo, ele segura um autorretrato da época em que pintou a tela, tendo em torno de 67 anos. Sua relação com a vanitas também se dá pelo fato de que passado e presente estarem dispostos juntos.

O pintor jovem não existe mais, entretanto ele segura uma antecipação do que ele se tornará; a transitoriedade da vida está presente na obra em toda sua forma. Sendo assim, podemos dizer que esta pintura possui signos estéticos que trazem diversas correlações, esse jogo entre o retrato e a natureza-morta, o retrato auto-referenciado pelos retratos dentro da pintura que ao mesmo tempo são objetos simbólicos das vanitas.

(30)

Os signos estéticos dentro da obra de arte são apontados por ela mesma, ou seja, o próprio trabalho traz índices que falam sobre ele, não só questões externas. Mais precisamente:

O signo estético também inclui uma função indicial, mas a função é primeiro e principalmente de caráter auto-referencial (o signo estético é um tecido complexo de signos com referência cruzada). Claro que alguns dos signos iniciais entrelaçados no próprio tecido de um signo estético podem ter um referente externo, mas qualquer referente externo de um signo estético é densamente mediado pela estrutura de referentes cruzados do signo estético propriamente dito (COLAPIETRO, 2003, p. 10).

A presença da morte como uma alegoria está representada na iconografia da Idade Média também em outras formas. A pregação verbal e imagens sacras eram uma forma de lembrar a iminência e inevitabilidade da morte; isso se deve ao fato de que no período medieval as pessoas tinham a vida mais breve devido a doenças, como as pestilências, a escassez de alimentos e os vários conflitos e guerras14. Desse modo, “na Idade Média, a morte aparece às vezes como algo de doloroso, mas familiar, uma espécie de personagem fixo (muitas vezes quase uma marionete) no teatro da vida” (ECO, 2007, p. 62).

Com isso, temas pictóricos e da literatura como os do Triunfo da Morte [Figura 5], difundida na Europa a partir do século XIV15, que têm em sua essência representar a morte de maneira que ela sempre vencerá a “vaidade humana, o tempo e a fama” (ECO, 2007, p. 62). São alegorias da morte que permeiam o sul do mediterrâneo ao norte europeu, como podemos encontrar em artistas como Pieter Brueghel, o Velho e seu grandioso Triunfo da Morte [Figura 6]. A figura da morte está ali para “recordar-te de que és um homem” (ECO, 2007, p. 62), da mesma forma que um memento mori. A própria clareza do Juízo Final, também pode ser compreendida para lembrar aos fiéis o caminho certo da finitude da vida.

14

ECO, Umberto. História da Feiura. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 62. 15

BLUM, Claude. A loucura e a morte no imaginário coletivo da Idade Média e do começo do Renascimento (Séculos XII-XVI). In: BRAET, Herman; VERBEKE, Werner (org). A morte na Idade

(31)

Figura 5. Paolo Picciati, Triunfo da Morte (detalhe), 1485. Parede externa da Igreja da Disciplina, Clusone, Itália

Figura 6. Pieter Brueghel, o Velho, Triunfo da Morte, cerca de 1562. Óleo sobre madeira, 117 x 162 cm. Museu do Prado, Madrid

(32)

Por meio da iconografia das ars moriendi16, o Juízo Final é apresentado de forma mais individual, “mesmo que se passando numa grande ação cósmica, no final dos tempos, era particular de cada indivíduo” (ARIÈS, 1977, p. 32), sendo que, essas gravuras trazem, na mesma cena, tanto um rito coletivo do Juízo e as inquietudes estabelecidas na morte individual e no óbito presenciado pelos parentes e amigos e, ao mesmo, tempo em confronto com figuras representativas de anjos e demônios em detrimento de caráter de julgamento cristão17. Essas imagens, segundo Claude Blum (1996), são uma mudança nas representações icônicas, pois:

[...] toda a narrativa simples da Queda e da Redenção está aí concentrada no tempo e no espaço da morte. Nesse último instante e nesse lugar cumprem-se: a morte terrestre, o juízo, as penas infernais e as alegrias celestes. No espaço mítico da morte reúnem-se a partir de então o antes da morte, a morte e o reúnem-seu depois. Uma noção teológica, a do ‘juízo particular’, vem legitimar essa espantosa reunião e permitir sua passagem para a consciência dominante (BLUM, 1996, p. 284).

Há também as Danças Macabras ou Danças da Morte [Figura 7] que aparecem no século XV como ícones de celebração da morte em locais sagrados e cemitérios. Ritual que nasce no período da peste negra e uma forma de criar intimidade com o momento final, “a dança mostra papas, imperadores, monges e donzelas que dançam todos juntos guiados por esqueletos, e celebra a caducidade da vida e o nivelamento de qualquer diferença de riqueza, idade e poder” (ECO, 2007, p. 67). No século XVI, os temas da morte ganham um sentido erótico, unindo a morte e o amor, posto isso, Philippe Ariès (1977) estabelece que:

[...] nas danças macabras mais antigas, quando muito a morte tocava o vivo para avisá-lo ou designá-lo. Na nova iconografia do século XVI, ela o viola. Do século XVI ao XVIII, cenas ou motivos inumeráveis, na arte e na literatura, associam a morte ao amor, Tânatos e Eros – temas erótico-macabros ou temas simplesmente mórbidos, que testemunham uma extrema complacência para com os espetáculos da morte, do sofrimento, dos suplícios (ARIÈS, 1977, p. 41-42).

16 “A arte de morrer” em latim. Gravuras em madeira dos séculos XV e XVI encontradas em livros como uma iconografia para preparar os cristãos para terem uma boa morte. (ARIÈS, 1977, p. 31). 17

ARIÈS, Philippe. Historia da morte no ocidente: da Idade Media aos nossos dias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977, p. 31-33.

(33)

Figura 7. Michael Wolgemut, Dança da Morte, ilustração para Weltchronik de Hartman Schedel (Crônica do Mundo), 1493. Nuremberg

Parte dessas danças possui muitas reproduções em gravuras produzidas no Renascimento por Hans Holbein [Figura 8] que são uma sequência de cenas de esqueletos que acompanham pessoas e lembram-nas de que a morte sempre será uma companheira “da vivência humana” (ECO, 2007, p. 67). É um período no qual é crescente a ameaça da morte na comunidade medieval, pois “é a época dos pânicos e angústias, época da teologia dominada pelo desejo que o indivíduo tem de se saber justificado na hora da morte” (LANDSBERG, 2009, p. 18). É também onde a representação de Cristo morto é cruel, mostrado exposto com suas feridas, sangrando, sua pele rasgada; a agonia do mártir, exposto na cruz ou no túmulo de maneira realista; sendo a arte cristã aquela que se apodera da abjeção como seu objeto.

(34)

Figura 8. Hans Holbein, o jovem, A morte e o Abade, 1538. Xilogravura, 6,5 x 4,8 cm. Extraído do: Les simulacres & historiees de la mort, Lyon

Nesse entendimento, “o Cristo torturado e crucificado, essa mais feia das criaturas na qual a beleza divina se tornou, por meio da maldade humana, a mais baixa abjeção” (DANTO, 2015, p. 62). O abjeto apodera-se da degradação e seus símbolos proclamam as questões da humanidade; ele é perverso não possuindo regras ou lei, sendo sua aparência a da corrupção18.

Contudo, o abjeto não é nem sujeito e nem objeto, estando em um limbo sem um lugar específico; ele não tem no sujeito seu correlato e ao mesmo tempo sua relação com o objeto é restrita e distinta do eu. Julia Kristeva (1982), em Powers

of Horror, define essa relação no sentido que:

O abjeto tem apenas uma qualidade do objeto - a de se opor ao Eu. Se o objeto, através de sua oposição, coloca-me dentro da frágil textura de um desejo por significado que, de fato, faz-me incessantemente e infinitamente homólogo a ele, o que é abjeto, ao contrário, o objeto alijado, é radicalmente excluído e me lança ao lugar em que o significado entra em colapso (KRISTEVA, 1982, p. 1-2, tradução nossa).

18

KRISTEVA, Julia. Powers of horror: an essay on abjection. New York: Columbia University Press, 1982, p. 15.

(35)

O abjeto está ligado à repulsa, ao nojo da sujeira, do lixo ou dejeto; é algo que causa ânsia, sendo esta que afasta e protege da contaminação. A aversão da comida é talvez a forma mais arcaica da abjeção, com o corpo reagindo pelo enjoo e todas as reações oriundas disso, com o estômago revirando e o suor escorrendo pela pele (KRISTEVA, 1982, p. 2-3).

O pecado cristão encontra na abjeção uma elaboração dialética, da ameaça através da corrupção e a busca da purificação. Isso reverbera para a experiência artística como sendo um componente essencial da religiosidade, pois se torna um meio de busca de uma catarse em relação ao abjeto19.

Essas alegorias também poderiam entrar numa discussão vinculada às imagens que poderiam ser consideradas repulsivas, o que contrariaria o status de obra de arte, neste caso, visto que elas deveriam agradar20.

A escultura O príncipe do mundo [Figura 9], que se encontra em uma igreja em Nuremberg do final do período gótico, possui uma visão “decente e forte” vista de frente e vista “num estado de decadência vil quando vista por trás” (DANTO, 2015, p. 55), porquanto revela a aparência do corpo em seu estado de decomposição no túmulo.

Figura 9. O Príncipe do mundo, igreja de St. Sebald, Nuremberg, 1310

19

KRISTEVA, 1982, p. 17. 20

DANTO, Arthur. O Abuso da Beleza: a estética e o conceito de arte. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2015, p. 54-61.

(36)

Em O Abuso da Beleza, Arthur Danto (2015) apresenta um ponto ao qual explicita bem essa função da obra de arte como moralizante e reveladora com a simbologia da morte. Ele diz que:

“[...] Visões assim explicam por que enterramos os mortos. Portanto, o que se pretende é que a escultura seja vista como revoltante por observadores normais, e não pode haver nenhuma dúvida a respeito de qual a função visada quando se usa a habilidade de um escultor em pedra de Nuremberg para mostrar a decadência do corpo. Não é a função de dar prazer ao observador. Em vez disso, é a de provocar repulsa e, ao fazer isso, agir como um vanitas, lembrando-nos por meio da apresentação da corrupção da carne de que seus prazeres são uma distração das nossas aspirações mais elevadas, a saber, as de alcançar a bênção perpétua e evitar o castigo eterno. Mostrar o corpo humano como algo repulsivo certamente é violar o bom gosto, entretanto os artistas cristãos estavam preparados para pagar esse preço em nome do que a cristandade considera nosso propósito moral mais elevado” (DANTO, 2015, p. 55).

Sendo assim, esse repulsivo está em oposição com a beleza por meio de um tom de moralidade, principalmente porque a beleza é a única a reivindicar seu valor estético, já que de certa forma não perdemos muito sem a beleza artística caso ela seja arruinada, “porque a arte possui muitos outros valores compensatórios, e a beleza artística constitui um atributo incidental na maior parte das culturas artísticas do mundo” (DANTO, 2015, p. 66).

2.2. Vanitas como novas significações

A natureza-morta é um gênero que se perpetuou pelo tempo na História da Arte. Se suas temáticas estavam ligadas a representações simbólicas de objetos durante a pintura barroca, os temas abrangem também o modernismo. O artista agora codifica assuntos da vida moderna, quebrando com as hierarquias acadêmicas, os signos presentes refletem também as inovações técnicas nas artes. Os gêneros da pintura são substituídos pelo empenho individual, expandindo os repertórios21.

21

GALLAGHER, Ann (Coaut. de). Still life: natureza-morta. São Paulo/Londres: SESI-SP/British Council, 2004, p. 5-6.

(37)

As obras cubistas de Picasso e Braque, por exemplo, trabalham com outros dispositivos de ilusionismo, rompendo o espaço perspectivo e os objetos agora representados no século XX e partem para uma tridimensionalidade, pela

assemblage ou até mesmo por Duchamp, ressignificando os objetos. Na segunda

metade do século XX, a crítica dos valores contemporâneos muda o olhar para o objeto, sendo que ele, agora, sofre uma reflexão dentro da cultura do consumo.

A Pop Art, num outro momento, põe outros valores em relação a estes objetos, pela produção de imagens que reproduzem objetos através da repetição. Andy Warhol tem como um dos pontos de seu trabalho o uso da repetição, principalmente de imagens – como a de Marilyn Monroe – ou de objetos como as famosas Campbell’s Soup (1962) [Figura 10], sendo que por debaixo desse fetiche dos bens de consumo e pelo apelo da mídia, encontra-se o que é indiscriminado na sua obra, com “a realidade do sofrimento e da morte” (FOSTER, 2014, p.124). Todavia essa repetição “não é reprodução no sentido de representação (de um referente) ou simulação (de uma simples imagem, ou significante isolado)” (FOSTER, 2014, p. 128), pois aqui a repetição é uma proteção ao real. Warhol lida com as vanitas e suas repetições nas séries de serigrafias como em Skull (1976) [Figura 11], de forma que:

A vaidade é ao mesmo tempo conceitual em seu dispositivo como em seu tratamento, pois toca a superfície da verdade, reduzido a

infra-mince22. Assim, encontramos um ilusionismo como no século XVII, mas um ilusionismo sem ilusão, que reduz a carne à sua suspensão e a sua coloração de pele. (BUCI-GLUCKSMANN, 2010, p. 55, tradução nossa).

22 L’inframince pode ser definido como uma espécie de quarta dimensão que responde às conjecturas que os sábios reservam, no começo do século XX, à pura abstração matemática. Para Duchamp, ele se manifesta através de sutis desvios e de ínfimas diferenças. Assim como seus célebres ready-mades, objetos cotidianos (mictório ou porta-garrafas) apresentadas como obras, e que colocam o desafio da distinção entre o que é e o que não é arte. L’inframince, explica Duchamp, é como o delay que separa o barulho de disparo de um fuzil (muito próximo) e a aparição da marca da bala sobre o alvo. (tradução nossa) Disponível em: <http://www.lemonde.fr/livres/article/2010/12/17/de-l- inframince-breve-histoire-de-l-imperceptible-de-marcel-duchamp-a-nos-jours-de-thierry-davila-et-esthetique-de-la-vie-ordinaire-de-barbara-formis_1454702_3260.html>. Acesso em: 26 jan. 2017.

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Figura 10. Andy Warhol, Campbell’s Soup, 1962. Pintura de polímero sintético, 50,8 x 40,6 cm. Museum of Modern Art, New York

Figura 11. Andy Warhol, Skull, 1976. Serigrafia, 335,3 x 381 cm. Andy Warhol Museum, Pittsburgh

(39)

A repetição é aqui um escoamento do significado e uma defesa contra o afeto, que segundo Warhol, ver várias vezes uma imagem implica que elas não atingem nenhum efeito, sendo esta uma das funções da repetição23. Em vez de a repetição ser uma libertação do luto, é uma fixação da melancolia, que “totalmente desublimadas, ácidas em cores brilhantes e arbitrárias, monótonas e achatadas, suas vanitas frias querem permanecer na ‘superfície das coisas’” (DAYDÉ, 2010, p. 172, tradução nossa) [Figura 12]. Nesse jogo posto por Warhol, “as repetições [...] não só reproduzem efeitos traumáticos; também os produzem” (FOSTER, 2014, p. 127), e que, portanto, há uma evasão do traumático e abertura para ele.

Figura 12. Andy Warhol, Skull, 1976. Serigrafia, dimensões variadas. Esquema contendo quatro obras da série Skull

Ainda, em relação às vanitas, podemos destacar parte dessa transição do gênero e sua complexidade semântica devido a mudanças do olhar sobre ela. Nesse quesito, Cézanne e Picasso são dois artistas para os quais a temática no crânio em

23

(40)

suas naturezas-mortas pode ser um ponto importante de partida, pois em suas investigações pictóricas, eles desconsideram convenções básicas para o tema.

Na obra Jovem diante da Morte (1895-1896) [Figura 13], Cézanne apresenta-nos a figura de um jovem sentado com o braço apoiado sobre uma mesa com sua cabeça repousando sobre sua mão. Na mesa, há elementos típicos das

vanitas: livros, que representam parte da simbologia das futilidades da vida e o

crânio, exemplo de todas as vaidades e nos lembrando das transitoriedades da vida.

Figura 13. Paul Cézanne, Jovem diante da Morte, 1895-96. Óleo sobre tela, 130,2 x 97,3 cm

Essa pintura ressoa as vaidades das vaidades, a tradição das pinturas moralizantes, citação frequente na história da arte, faz “ecoar essas palavras com o sentido de ‘pintura das pinturas da vaidade’” (NANCY, 2015, p. 68).

Ao mesmo tempo em que retoma essa tradição, Cézanne cria a contradição nessa pintura. O jovem veste-se como um rapaz moderno de seu tempo, trajando um terno e encarnando essa figuração do século XIX, porém ao mesmo tempo vemos na composição desta obra o símbolo das vaidades juntos

(41)

pilhas de livros sobre a mesa, um contraponto de representações arcaicas e de uma época moralizante, evocando a história da pintura.

Deste modo, a imagem que Cézanne tem como forma visível essa evocação para com as vanitas, que como mimeses da história da arte traz consigo uma tradição; não busca como mimeses a imitação da vanitas. Sua forma (pictórico) separa-se do fundo, sendo este no sentido de múltiplos significados e ressonâncias presentes na obra24.

Pablo Picasso, por sua vez, apresenta suas vanitas de forma despretensiosa em muitos momentos, o crânio é um elemento a se contrapor com outros presentes em suas telas. Por exemplo, em Crânio e jarra, de 1945 [Figura 14], há como parte central da obra estes dois objetos sobre uma mesa. Os planos dessa pintura são múltiplos, como várias figuras do cubismo de Picasso, a jarra exibe várias facetas, assim como a mesa25. Ao observar a cena, nota-se que há um encontro de positivo e negativo por parte da relação entre crânio e jarra, pois parte de seu osso “duro como uma bala” (STEINBERG, 2008, p. 154) se encaixa na parte curvilínea do vaso, quase um encaixe do masculino com o feminino26.

Figura 14. Pablo Picasso, Crânio e jarra, 1945. Óleo sobre tela, 71,12 x 91,44 cm

24

NANCY, Jean-Luc. Imagem, mimese e méthexis. In: ALLOA, Emmanuel (Org.). Pensar a Imagem. Belo Horizonte: Autentica, 2015, p. 66-72.

25

STEINBERG, Leo. Outros Critérios: confrontos com a arte do século XX. São Paulo: Cosac Naify, 2008, p. 153.

26

(42)

O crânio esteve presente na obra de Picasso em muitos momentos de sua obra; todavia, antes eles não tinham a mesma seriedade como depois de 1940, período em que viveu em Paris, quando as tropas nazistas invadiram a cidade. O que aqui nos é relevante é o fato de como podemos observar o crânio no modernismo de maneira paralela às vanitas do período barroco; em Picasso, “numa natureza-morta do cubismo sintético, aparece um crânio, ele é trivial, leve, não mais do que uma máscara de papel, um faz-de-conta” (STEINBERG, 2008, p. 156). Nessa direção, Leo Steinberg (2008) coloca que as caveiras do artista tem certa transição por causa da guerra.

Muito mais tarde, depois de meados da década de 1940, o crânio aparecerá novamente como objeto artificial – um espantalho, uma coisa tola que amedronta –, tomando a forma de uma máscara, uma coruja inofensiva ou uma espécie de trocadilho no focinho macio de um cavalo. No entanto, em 1940, por ocasião da Segunda Guerra Mundial, os crânios entraram seriamente em sua arte. A morte real estava do lado de fora, o medo real ancorado dentro, e, assim, a iconografia de Picasso concentrou seu foco sobre ele.

Na obra de Picasso, a morte não tem o contexto moralizante de uma obra como na do pintor neerlandês Pieter Claesz (1597/8-1660) [Figura 15]; as questões pictóricas cubistas representavam retomadas de temáticas clássicas de uma investigação em sua obra ao mesmo tempo em que, quando ganha seriedade, seu trabalho tinha o peso que as relações do momento histórico que o atingiam, bem como uma “metáfora apaixonada, [...], que na década de 1930 tinha se projetado no monstro Minotauro, esteja se projetando novamente” (STEINBERG, 2008, p. 155) e que assume sua relação com a morte e a guerra.

(43)

Figura 15. Pieter Claesz, Natureza-morta sobre o Tema da Vaidade (Vanitas), 1630. Óleo

sobre painel, 39,5 x 56 cm. Mauritshuis, Haia, Holanda

A repercussão das naturezas-mortas a partir do século XIX é vasta; suas significações e transformações são, em certa instância, abrangentes. A temática das

vanitas coloca-nos de frente com a morte, porém agora a moral não está mais

presente, sua simbologia transcende este ponto; estamos apenas em confronto com a experiência da morte do outro, uma ressignificação de temas e signos que perdura na arte contemporânea. Mesmo que o sentido das tradições não seja o que sustenta as vanitas contemporâneas, a mensagem ainda se perpetua, pois lá ainda se encontra a lembrança de que irá morrer.

2.3. A morte como uma representação contemporânea

Na arte contemporânea eco das vanitas e do memento mori ressoa amplamente e seus significados e transformações apresentam-se de distintos modos de representação. Contudo, há caminhos que apontam para a compreensão de como isso ainda se reverbera na História da Arte e ainda se eterniza na arte contemporânea.

(44)

O tema da vanitas relaciona-se ao que podemos apresentar por alguns pontos de vista, sendo um deles o conceito de Aby Warburg como a Nachleben, que considerava a ruptura e sobrevivência de tradições clássicas nos diversos períodos históricos27.

Há sobrevivência do tema da morte em muitas das obras de artistas contemporâneos, pois a morte é uma questão da vida, que independente de épocas; é uma certeza e ao mesmo tempo um objeto que permeia nossas reflexões e pensamentos.

Independente do fato de que no século XVII a vanitas tivesse um sentido moralizante, e a partir do século XIX essa perspectiva mude, colocar-se em confronto com os sentidos da vida é um caminho que as artes visuais ainda têm para trilhar.

Nestes elementos que encontramos em obras contemporâneas quanto aos temas da morte, são uma sobrevivência das formas, como a Nachleben aponta; o símbolo da morte através do crânio, por exemplo, é um fator significativo a isso. Assim, podemos “dizer que o presente traz a marca de múltiplos passados é falar, antes de mais nada, da indestrutibilidade de uma marca do tempo – ou dos tempos – nas próprias formas de nossa vida atual” (DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 47).

Nessas relações, há um entendimento cultural do fator da morte, pois a espécie humana é a única que sabe que irá morrer; sabe disso através da experiência, diferente de outras espécies, em que isso se percebe pelo pressentimento da morte, quando esta se aproxima, mas não é necessariamente um saber.

A nossa noção de morte vem de um processo de envelhecimento, no qual nossa vida é sensivelmente alterada a cada etapa que passamos; porém não é a única maneira dessa percepção, pois a morte do outro, a qual assistimos, coloca-nos em consciência direta sobre este fato28. São sintomas que despertam na nossa compreensão humana e se refletem naquilo que representamos socialmente e artisticamente.

27

Georges Didi-Huberman expõe sobre a Nachleben e questões relativas ao universo dos estudos de Aby Warburg sobre a imagem e história da arte no livro A imagem sobrevivente: história da arte e

tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg (2013).

28

LANDSBERG, Paul Ludwig. Ensaio sobre a experiência da morte e outros ensaios. Rio de Janeiro: Contraponto: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2009, p. 13-15.

(45)

Didi-Huberman (2013) apresenta uma passagem do etnólogo Edward B. Tylor, em relação a esta passagem do tempo, que ilustra isso:

Progresso, degradação, sobrevivência, revivescência, modificação, tudo isso são formas pelas quais se ligam as partes da complexa rede da civilização. Basta uma olhadela para os detalhes banais da nossa vida cotidiana para nos levar a distinguir em que medida somos criadores e em que medida só fazemos transmitir e modificar a herança dos séculos anteriores. (TYLOR, 1871, apud, DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 46).

As construções sociais em torno da morte são também uma concepção cultural, visto que a compreensão do tema tem olhares diferentes ao longo da história; é algo, entretanto, que sempre estará presente.

Em dados momentos históricos, povos primitivos tinham muito mais medo do morto que o medo da morte, pois o indivíduo não está desassociado ao clã, para que possa ser individualizado. Após sua morte, sua posição é tomada por outro indivíduo regenerando seu membro perdido; a morte aqui é uma passagem da alma para um novo indivíduo29.

Assim, essa concepção altera-se com o ganho da singularidade na sociedade, “a consciência da morte também avança junto com a individualização humana, com a constituição de individualidades singulares, obras da pessoa” (LANDSBERG, 2009, p. 17), e que neste advento social, a noção de religiões como a cristã, promete uma vitória sobre a morte, a salvação vinda pela vida na eternidade.

Para Marcel Mauss, citado por Didi-Huberman (2013), isso se encaixaria em uma questão das sobrevivências para o historiador e para o etnólogo:

[...] ele têm um valor sociológico geral, pois nos permitem compreender um momento da evolução social. Porém há mais. Eles também têm alcance na história social. Instituições desse tipo realmente fornecem a transição para nossas formas, nossas formas próprias de direito e de economia. Podem servir para explicar historicamente nossas próprias sociedades. A moral e a prática das trocas usadas pelas sociedades que precederam imediatamente as nossas ainda guardam vestígios mais ou menos importantes de todos os princípios que acabamos de analisar [no quadro das chamadas sociedades “primitivas”]. (MAUSS,1923-1924, apud, DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 51).

29

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