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A NÁLISE DA REGULAMENTAÇÃO

No documento Aprendizagem e comportamento humano (páginas 94-101)

SOBRE

EDUCAÇÃO

INCLUSIVA

NO

ESTADO

DE SÃO PAULO

Marileide Antunes de Oliveira1

Lúcia Pereira Leite2

Introdução

A inclusão tem suscitado uma série de discussões nos mais di- versos segmentos: educacionais, sociais e políticos, entre outros. Como movimento que advoga a participação social de todo e qual- quer indivíduo em variados contextos, a inclusão tem como uma de suas bases as mudanças ocorridas na relação entre a sociedade e as pessoas com deficiência ao longo da história.

Aranha (2002) afirma que essas transformações podem ser com- preendidas a partir de três paradigmas principais. O primeiro, de- nominado Paradigma da Institucionalização, marcou a alocação das pessoas com deficiência em instituições. Assim, durante a primeira metade do século XX, instituições asilares e escolas especiais foram criadas com a função de resguardar essas pessoas do convívio social, de modo a garantir o bom funcionamento da sociedade, uma vez que tais indivíduos eram considerados como um ônus para a famí- lia, para a Saúde Pública e para a comunidade em geral.

1 Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendiza- gem da Unesp – Bauru.

94 TÂNIA GRACY MARTINS DO VALLE E ANA CLÁUDIA BORTOLOZZI MAIA (ORGS.) O avanço das ciências naturais, a partir da década de 1960, con- tribuiu com o estabelecimento de relações entre manifestações sintomatológicas e lesões orgânicas. Assim, causas ambientais pas- saram a ser atribuídas à gênese das deficiências, tomando como base o conceito de normalização, definido por um padrão de funciona- mento considerado “normal” a partir do qual se caracterizavam as condições de desvio, todos representados estatisticamente (Kassar, 2000).

Nesse contexto, institui-se o segundo paradigma, denominado Paradigma dos Serviços. Embora respaldado por uma noção de defi- ciência centrada no indivíduo, isto é, pela ideia de que uma limita- ção intrinsecamente orgânica distancia a pessoa com deficiência dos demais indivíduos não deficientes (Aranha, 1991), esse paradigma trouxe como avanço o afastamento das pessoas com deficiência das instituições e a provisão de programas comunitários planejados para oferecer serviços voltados a essa população.

Na década de 1990, no entanto, passou-se a discutir que a provi- são de serviços por si só não seria suficiente para garantir a participa- ção das pessoas com deficiência no contexto social e que, consequen- temente, caberia à sociedade se reorganizar para favorecer o acesso de todos os cidadãos, deficientes ou não, a todo e qualquer recurso, ser- viço, equipamento e processo disponíveis no meio social.

Esses questionamentos, então, deram origem a movimentos so- ciais em diversas partes do mundo, que incidiram sobre o terceiro paradigma, denominado Paradigma dos Suportes. Este, por sua vez, caracteriza-se por uma mudança no foco de atenção, ou seja, propõe que cabe ao contexto promover transformações de naturezas diver- sas a fim de atender as especificidades de todo e qualquer segmento populacional, dentre eles, o das pessoas com deficiência (Leite, 2003). A adoção do Paradigma de Suportes, portanto, implica a partici- pação efetiva de cada uma das esferas sociais, incluindo a sociedade civil, os representantes do poder público e a parcela da população cujas especificidades necessitam ser atendidas. Aranha (2001, p.19) complementa que a função dos suportes no arranjo dessas ações é

[...] favorecer o que se passou a denominar inclusão social, processo de ajuste mútuo, onde cabe à pessoa com deficiência manifestar-se com relação a seus desejos e necessidades e à sociedade, a implementação dos ajustes e providências necessárias que a ela possibilitem o acesso e a convivência no espaço comum, não segregado. (negrito da autora)

No âmbito educacional, a necessidade de se construir um novo modelo de ensino, respaldado nos princípios da inclusão, passou a ser discutida a partir de uma assembleia realizada na Espanha em junho de 1994, com representantes de 88 governos e 25 organiza- ções internacionais (Declaração de Salamanca, 1994). Com isso, tor- nou-se diretiva mundial reorganizar os sistemas educacionais para garantir o acesso, o ingresso e a permanência de todo e qualquer alu- no nas mais diversas modalidades de escolarização (Claser, 2001).

Desde então, políticas públicas têm sido elaboradas para subsidiar as ações a serem implementadas na construção de uma escola para to- dos. No contexto brasileiro, têm-se as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (Brasil, MEC/SEESP, 2001) como uma das principais referências normativas da inclusão educa- cional. Entre os avanços trazidos nesse documento, pode-se destacar a proposição de novos enfoques, tanto no papel da Educação Especial como na população a se beneficiar dessa modalidade de ensino.

Dessa forma, as Diretrizes Nacionais sugerem que a Educação Especial deve compor um conjunto de recursos e serviços de natureza dinâmica, temporária e relativa para o atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais (Oliveira & Leite, 2002). Além disso, ao adotar o conceito de necessidades educacionais especiais3 3 [...] I - dificuldades acentuadas de aprendizagens ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curricula- res, compreendidas em dois grupos: a) aquelas não vinculadas a uma causa or- gânica específica; b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências; II - dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicá- veis; III - altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes. (Bra- sil, MEC/SEESP, 2001, p.17)

96 TÂNIA GRACY MARTINS DO VALLE E ANA CLÁUDIA BORTOLOZZI MAIA (ORGS.) (NEEs), o mesmo documento propõe que as dificuldades escolares, mesmo relacionadas a causas orgânicas, devem ser identificadas “du- rante o processo educacional, e não fora dele” (Oliveira, 2006, p.261, itálicos da autora).

As Diretrizes Nacionais, por conseguinte, têm orientado políti- cas públicas em âmbito estadual, entre elas, a Resolução SE nº 8/ 2006, que foi elaborada no estado de São Paulo a fim de nortear a inclusão educacional nesse contexto, particularmente no que se re- fere à indicação dos suportes a serem implementados para o atendi- mento de alunos com necessidades educacionais especiais inseridos no ensino regular da rede estadual de ensino.

Destarte, as políticas públicas na área de inclusão educacional têm sido objeto de análise por alguns autores (Góes & Laplane, 2004; Oliveira, 2006; Pietro, 2003). Tais autores sugerem que alguns avan- ços vêm ocorrendo em relação à construção de um sistema educa- cional inclusivo, mas que, no entanto, permanecem algumas diver- gências e lacunas entre aspectos formais das respectivas legislações e a realidade escolar.

Dadas as considerações mencionadas, sugere-se que é importante estabelecer um panorama da amplitude das políticas públicas ela- boradas em âmbito estadual. Sendo assim, o presente texto objetiva descrever os principais enunciados da Resolução SE nº 8/2006 e, além disso, discutir criticamente esses enunciados levando em con- sideração alguns dos pressupostos considerados fundamentais na construção do ensino inclusivo (Brasil, MEC/SEESP, 2001), quais sejam: a) processos de ensino e aprendizagem, b) plano de trabalho didático-pedagógico, c) avaliação educacional e d) formação conti- nuada de professores.

A Resolução SE nº 8/2006

A Resolução SE nº 8/2006 faz uma releitura e altera artigos e parágrafos da Resolução SE nº 95, de 21.11.2000, para regulamen- tar o funcionamento para a sala de recursos e classe especial no esta-

do de São Paulo, bem como determina a clientela a se beneficiar des- ses serviços. Foi criada em âmbito estadual em função das necessi- dades de ofertar condições, em curto prazo, para o atendimento dos alunos com necessidades educacionais especiais nas redes públicas e de afirmar o modelo de educação inclusiva vislumbrado nacional- mente a partir da Declaração de Salamanca (1994).

O papel da sala de recursos e das classes especiais no contexto de educação inclusiva já aparece destacado nas Diretrizes Nacionais da Educação Especial na Educação Básica (Brasil, MEC/SEESP, 2001), documento orientador da Resolução SE nº 8/2006. De acordo com as Diretrizes Nacionais, esses serviços têm como função servir de suporte à educação inclusiva, uma vez que se constituem como ele- mentos-chave na provisão das condições necessárias para que alu- nos com necessidades educacionais especiais possam acessar a pro- posta educacional ofertada nas redes de ensino. De acordo com as Diretrizes Nacionais, a sala de recursos é definida como um

[...] serviço de natureza pedagógica, conduzido por professor especia- lizado que suplementa (no caso dos superdotados) e complementa (para os demais alunos) o atendimento educacional realizado em classes co- muns da rede regular de ensino. (idem ibidem p.50)

A classe especial, por sua vez, caracteriza-se por

[...] uma sala de aula, em escola de ensino regular, em espaço físico e modulação adequada. Nesse tipo de sala, o professor de educação espe- cial utiliza métodos, técnicas, procedimentos didáticos e recursos peda- gógicos especializados e, quando necessário, equipamentos e materiais didáticos específicos, conforme série/ciclo/etapa da educação básica, para que o aluno tenha acesso ao currículo de base nacional comum. (idem ibidem p.52)

A partir do especificado nas Diretrizes Nacionais, a Resolução SE nº 8/2006 dispõe sobre o funcionamento das salas de recursos e classes especiais na rede estadual de ensino. A seguir é apresentada uma breve descrição da referida Resolução, com o objetivo de res-

98 TÂNIA GRACY MARTINS DO VALLE E ANA CLÁUDIA BORTOLOZZI MAIA (ORGS.) paldar a análise a ser realizada em momento posterior, em uma alu- são ao ensino inclusivo.

Em um primeiro momento, podem-se citar as justificativas que levaram à elaboração da Resolução, que se referem à existência de três condições principais: a) oferta de condições para o atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais na rede pública, b) utilização das Diretrizes Nacionais como referente legal e c) a Resolução como uma política de ação governamental pautada nos princípios da inclusão educacional.

Focalizando pontualmente, isso modifica os parágrafos 1, 2 e 3 do Artigo 6 da Resolução nº 95/00, que tratam da terminalidade especí- fica, fazendo uma alusão à adoção desse procedimento, que deve ser efetivado apenas em casos cujas necessidades educacionais são justi- ficáveis contando com a expressa anuência da família, por intermé- dio de solicitação do professor junto à direção escolar para que se dê início a esse processo. Porém, não se deixa claro qual é a população acadêmica específica que pode fazer uso de tal procedimento.

Para tanto, é designada uma comissão multidisciplinar para ava- liar a aprendizagem do aluno e emitir parecer acadêmico de modo que, posteriormente, a escola, em parceria com outras instâncias vin- culadas ao poder público – órgãos oficiais e instituições –, oriente a família no encaminhamento do aluno a programas especiais dos quais ele possa se beneficiar, como, por exemplo, programas de iniciação ao mundo do trabalho.

Nesse caso, o papel da unidade escolar é verificar se a escola es- gotou as alternativas de propostas didático-pedagógicas para que esse aluno pudesse aprender o mínimo do conteúdo acadêmico pre- visto para a série, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases 9496/ 96 (LDB, 1996) e, a partir disso, mobilizar a equipe escolar a fim de encontrar caminhos possíveis para favorecer a independência desse aluno, bem como sua inserção na sociedade. Ressalta-se, ainda, que a terminalidade deve ser vista com parcimônia e adotada como últi- mo recurso.

Outro fato a ser destacado é a implementação dos Serviços de Apoio Pedagógico Especializado (Sapes). A Resolução indica, em

seu Parágrafo Único do Artigo 8, a realização de aulas ministradas por professor especialista em sala de recursos, em classes especiais ou, ainda, em caráter itinerante, por meio de atuação nas redes de ensino de determinada região.

Já em relação à população, o inciso 5 do Artigo 10 define que alunos de qualquer série ou etapa do Ensino Fundamental ou Mé- dio podem se beneficiar do atendimento em sala de recursos. Já para os alunos cujas condições são específicas, propõe-se a criação de classes especiais, nos casos em que o grau de desenvolvimento do aluno seja correspondente ao exigido para o Ciclo I.

Para a organização do Sape, de acordo com o Artigo 9 e respec- tivos incisos, deve-se considerar o número de alunos, bem como o período e a frequência de atendimento. Destaca-se que a Resolu- ção prevê, no caso do atendimento itinerante, o desenvolvimento de atividades de apoio para o aluno com NEEs e, além disso, a atua- ção em trabalho articulado junto aos demais professores.

Os requisitos necessários para a atuação do professor no Sape, segundo o inciso II do Artigo 10, são a habilitação ou licenciatura plena em Pedagogia e, além disso, o curso de especialização com o mínimo de 360 horas de duração. O seu plano de trabalho deve, de acordo com o Artigo 11, ser baseado nas especificidades da demanda existente e, além disso, considerar o disposto nas Diretrizes Nacio- nais da Educação Especial na Educação Básica.

Por fim, ao tratar da rede de ensino em conjunto, o inciso I do Artigo 14 aponta a realização de um levantamento das classes es- peciais, das salas de recursos e dos atendimentos itinerantes a fim de aperfeiçoar e racionalizar o serviço. Para as unidades escolares que não comportam a existência do Sape, a Resolução garante, por meio do Artigo 13, o atendimento em caráter itinerante a ser reali- zado por professor especialista atuante no Sape da região.

Fazendo um contraponto com a Resolução SE nº 95/2000, per- cebe-se que, embora esta já estabeleça que mudanças devam ser im- plementadas nos sistemas de ensino para atender aos alunos com necessidades educacionais especiais, a preocupação em claramente afirmar a reiteração dos pressupostos estabelecidos pela Declara-

100 TÂNIA GRACY MARTINS DO VALLE E ANA CLÁUDIA BORTOLOZZI MAIA (ORGS.) ção de Salamanca nas políticas públicas nacionais fica clara apenas até a publicação da Resolução nº 8/2006.

Ainda, o papel dos Sapes na construção de um ensino inclusivo aparece de maneira nítida somente na Resolução nº 8/2006. Assim, pode-se dizer que, na época da promulgação da Resolução SE nº 95/ 2000, o papel da Educação Especial esteve atrelado ao Paradigma dos Serviços (Aranha, 1991), no contexto brasileiro. Consequente- mente, uma relação mais bem firmada com os princípios da educa- ção inclusiva, por sua vez, ocorreu com a publicação da Resolução nº 8/2006.

Tomando como base as questões acima, são apresentadas algu- mas considerações a respeito da extensão das mudanças educacio- nais propostas, em âmbito legal, pela Resolução nº 8/2006, espe- cialmente no que tange aos Sapes, à população atendida e ao atendimento prestado nesse contexto.

A Resolução SE nº 8/2006 e os pressupostos do

No documento Aprendizagem e comportamento humano (páginas 94-101)