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Linguagem e comportamento verbal

No documento Aprendizagem e comportamento humano (páginas 135-139)

No escopo da Análise do Comportamento, o termo comporta- mento verbal tem sido usado, em vez de linguagem, por considerar sua determinação ambiental, pois compartilha das propriedades definidoras de qualquer comportamento operante. O comportamen- to verbal modifica o ambiente e é modificado por suas próprias con- sequências (Skinner, 1957). Sua aquisição não é orientada por aqui- lo que ocorre na interioridade do sujeito, mas pelos determinantes do comportamento na exterioridade, pela ação do ambiente sobre o organismo (Passos, 2003).

A aquisição do repertório verbal inicia já em crianças muito pe- quenas. No bebê, a princípio, há apenas reações instintivas. O bal- bucio, de início, é apenas uma reação fisiológica e, posteriormente,

pelas implicações que tem sobre a mãe e pessoas próximas, passa a ter função de comunicação (Goldfeld, 2002). A criança, então, apren- de a nomear objetos e aos poucos nomeia as propriedades desses objetos, expandindo seu repertório pelas recombinações de unida- des já aprendidas (Galvão & Barros, 2001).

O comportamento verbal é operante por também alterar o ambiente e sofrer as alterações por ele promovidas. Nesse caso, o ambiente que aquele altera não é o mundo físico, mas o comporta- mento de outra pessoa. Em uma análise funcional, a investigação volta-se para os reforçamentos mantidos pela comunidade verbal, buscando identificar determinantes do comportamento entre ouvinte e falante, pois a audiência controla o falante por meio de reforçamento diferencial, modelando seu comportamento (Skinner, 1957; Galvão & Barros, 2001).

As categorias de comportamento verbal elementares, controladas por estímulos verbais antecedentes, definidas por Skinner (1957) são: a) ecoico – controlado por um estímulo auditivo antecedente pro- duto da resposta verbal de outrem, tendo como produto uma res- posta também audível e se assemelha ponto a ponto com o estímu- lo antecedente;

b) cópia – cujo antecedente seria um estímulo textual e o produto da resposta, motora, é também um texto e se assemelha, ponto a ponto, com o estímulo antecedente;

c) ditado – tem como antecedente um estímulo auditivo produto da resposta vocal de outrem, controlando uma resposta escrita cuja cor- respondência é funcional;

d) textual – cujo antecedente seria um texto impresso que evocaria uma resposta vocal com correspondência funcional sem, contudo, indicar leitura com compreensão;

e) intraverbal – no qual um estímulo verbal antecedente controla uma resposta verbal.

Além dos operantes verbais primários controlados por estímu- los verbais antecedentes, outras duas classes de operantes verbais primários foram definidas: o tacto e o mando. O tacto, estabelecido e mantido via reforçamento generalizado, apresenta como antece-

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Uma das características dos operantes verbais é sua independên- cia funcional, isto é, são estabelecidos e mantidos por contingências de reforçamento independentes, e muitos estudos têm confirmado essa interpretação skinneriana (Cuvo & Riva, 1980; Eikeseth & Nesset, 2003; Gaia, 2005; Guess, 1969; McMorrow et al., 1987).

Guess (1969) ensinou o conceito de plural a dois participantes com diagnóstico de síndrome de Down, que não apresentavam esse conceito, mas que articulavam o fonema /s/ pelo procedimento de emparelhamento de acordo com o modelo. A tarefa consistia em se- lecionar um dentre dois estímulos de comparação, que poderiam ser um único objeto ou pares de objetos, dependendo da palavra falada apresentada (que poderia estar no singular ou no plural).

O procedimento foi desenvolvido em etapas. Na primeira eta- pa foi ensinada a discriminação (linguagem receptiva) de palavras no singular e no plural. As palavras eram ditadas no singular, e eram apresentados ao participante objetos que ele deveria apontar. Se apontasse um único objeto, o desempenho era considerado corre- to; se apontasse pares do mesmo objeto, era considerado erro e a mesma tentativa era reapresentada. Em seguida as palavras eram ditadas no plural e os mesmos objetos eram apresentados para o participante, porém o desempenho solicitado era selecionar o par de objetos. Por fim, a sequência de objetos (únicos e pares) era in- tercalada. Ao longo do ensino também foi avaliada a produção das palavras no plural (nomeação), e o procedimento consistia na apre- sentação de um único objeto ou de pares de objetos. Os partici- pantes mostraram a discriminação de palavras no singular e no plu- ral que foram treinadas nas tarefas de selecionar objetos quando as palavras eram ditadas (linguagem receptiva). Nenhum participan- te apresentou produção de palavras no plural. Nesse caso, o treino de linguagem receptiva não ofereceu condições suficientes para a

produção de tais palavras (as mesmas que haviam sido ditadas pelo experimentador).

Na segunda etapa do estudo de Guess (idem), os participantes foram expostos ao treino direto da produção de palavras no plural e ambos adquiriram a produção das palavras treinadas no singular e no plural. Na terceira etapa, o ensino de repertório receptivo foi re- petido, porém revertido: diante de palavras apresentadas no singu- lar foram reforçadas as seleções de pares de objetos, e diante de pala- vras apresentadas no plural foram reforçadas seleções de objetos únicos. Durante a reversão, também foi conduzida a avaliação da produção de palavras. Os participantes continuaram apresentando a seleção de objetos de acordo com a convenção utilizada, apresen- tando a seleção do objeto único quando palavras no plural eram di- tadas e selecionando pares de objetos quando as ditadas eram pala- vras no singular. Porém, na avaliação da produção de palavras os participantes apresentaram a expressão correta de plural diante de pares de objetos e de singular diante de objetos únicos.

De acordo com Guess (idem), os resultados indicam que a com- preensão da linguagem receptiva era funcionalmente independente da produção de palavras na aquisição do morfema de plural para os dois participantes avaliados. Quando muda a contingência de refor- ço diante da demanda de linguagem receptiva, muda o repertório apresentado pelos participantes. Porém, como não foi modificada a contingência de reforço para a produção de fala, esse repertório se manteve da mesma forma. Esse estudo demonstra que tanto os re- pertórios de produção de fala como de linguagem receptiva são esta- belecidos e mantidos por contingências de reforço funcionalmente independentes e que a aquisição de um não corresponde necessaria- mente à aquisição do outro (Skinner, 1957).

A capacidade de discriminação entre estímulos é essencial para a aquisição do repertório verbal vocal e crianças com deficiência au- ditiva pré-lingual têm essa capacidade inicialmente prejudicada.

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