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4.2 APONTAMENTOS METODOLÓGICOS PARA A APRENDIZAGEM

4.2.1 A narrativa transmídia 119

Transmídia em si significa “através de mídias” e refere-se a qualquer combinação das relações que podem existir entre diversos textos (digitais e analógicos) que constitua uma experiência midiática em entretenimento contemporâneo (JENKINS et al., 2013, tradução nossa). Ou seja, é o movimento do conteúdo ou da mensagem nas variadas plataformas de mídias.

Segundo Jenkins (2013), Marsha Kinder, no texto Playing with Power, escreveu sobre “transmedia intertextualidade” pela primeira vez. Entretanto, foi Jenkins quem popularizou o termo, Transmedia Storytelling, traduzido para o português como narrativa transmídia, para descrever uma lógica de pensamento sobre o fluxo de conteúdo em mídia (JENKINS, 2011). Nessa perspectiva, da mesma forma que usamos um tipo de raciocínio para acessar e participar de uma narrativa, podemos também usá-la em outras lógicas, como, por exemplo, acerca de marcas, atuação, ativismo, aprendizagem etc.

A partir dessa concepção, é importante ressaltar que existem categorias da transmídia definidas conforme a lógica, os objetivos que se pretende alcançar em cada área de aplicação. Entretanto, todas as categorias trazem como princípio a participação da audiência em um universo a ser explorado por meio das mídias.

Quanto às categorias mais discutidas em comunidades científicas internacionais, são: Transmedia Storytelling, Transmedia Ativismo, Transmedia Branding, Transmedia Play, Transmedia Learning, Transmedia Design, Transmedia Jornalism. Dessas categorias, a narrativa transmídia tem sido a mais popular e sua principal expressão está na indústria do entretenimento. Para Jenkins (2011), narrativa transmídia representa

[...] um processo onde os elementos integrantes de uma ficção são dispersos sistematicamente por meio de múltiplos canais de distribuição, com o objetivo de criar uma experiência de entretenimento unificada e coordenada. Idealmente, cada meio faz uma contribuição única para o desenrolar da história própria (JENKINS, 2011, p. 1, tradução nossa). A narrativa transmídia, na configuração atual da indústria do entretenimento, tem propiciado um imperativo econômico. Nesse cenário, profissionais do marketing e da publicidade consideram-na como a mais fértil e lucrativa plataforma de publicidade do mundo, especialmente pelo envolvimento contínuo e duradouro do público-alvo com a marca.

Por sua vez, Jenkins (2009, p. 138) afirma que “a compreensão obtida por meio de diversas mídias sustenta uma profundidade de experiência que motiva mais consumo [...]. Oferecer novos níveis de revelação e experiência renova a marca e sustenta a fidelidade do consumidor”. Desse modo, comunicação e consumo têm sido foco de análise em muitas pesquisas mercadológicas e científicas, principalmente para compreender as ações e os comportamentos do consumidor em uma cultura participativa.

A lógica transmídia, seja no entretenimento, seja no jornalismo, seja na educação, é uma forma de pensar o conteúdo e as mensagens, buscando atender as expectativas e demandas dos indivíduos que se posicionam ora como audiência ora como produtores. Nessa integração de papéis, fica evidente que as práticas de consumo mudaram e as experiências estão se tornando mais envolventes e ricas. Por conseguinte, as novas relações interacionais que visualizamos estão sendo estimuladas e propiciadas com o uso da narrativa transmídia, também, em contextos educacionais.

A partir dessa potencialidade, aproximamos a narrativa transmídia – inicialmente planejada como uma estratégia da indústria do entretenimento para conquistar a atenção da audiência – do contexto educacional, pois visualizamos que, por meio de alguns princípios dela, é possível planejar e realizar uma prática pedagógica mais interacional, favorecendo a cultura da convergência e privilegiando o letramento midiático, claro que com todas as adaptações e modificações necessárias.

Assim, a escolha pela narrativa transmídia deu-se por ela estabelecer uma prática participativa por essência, em que indivíduos, pela integração de múltiplos textos em variadas linguagens e, por meio de artefatos tecnológicos, estabelecem uma experiência mais ampla de interação com o objeto de conhecimento, de forma individual, mas principalmente coletiva.

Segundo Jenkins (2009, p. 49), a narrativa transmídia “refere-se a uma nova estética que surgiu em resposta à convergência das mídias – uma estética que faz novas exigências aos consumidores e depende da participação ativa de comunidades de conhecimento”. Quanto ao termo “estética”, nós o entendemos pela ótica de Suassuna (2009) que define como a filosofia da beleza, sendo esta algo que não inclui só o belo como tipo especial de beleza harmônica e, na medida, contemplada e fruída serenamente, mas todas as categorias, da aspereza ao cômico. Ao mencionar uma nova estética, Jenkins focaliza o entrar em contato, por uma fruição estética participativa.

Na narrativa transmídia, a estética é um universo a ser explorado. Assim, para que a participação aconteça, os indivíduos precisam assumir o papel de caçadores, acompanhando o fluxo e os pedaços do texto por diferentes mídias, comparando e compartilhando suas descobertas e coletas, por meio de ferramentas on-line, com outros indivíduos para se chegar a novas descobertas (JENKINS, 2009).

Portanto, as novas formas de consumo, comunicação e sociabilidade que fazem parte da cultura do ciberespaço36 oportunizam uma interação diferenciada com a narrativa. Assim, Jenkins (2007, p. 1, tradução nossa) conclui que “um texto transmídia não apenas espalha ou dispersa as informações, mas principalmente oferece um conjunto de funções e objetivos que os leitores assumem, ordenando aspectos da história com base em sua própria vida cotidiana”. Nesse sentido, a interatividade é ofertada pelas propriedades das tecnologias e pela participação das propriedades da cultura. Por sua vez, para Lemos e Lèvy (2010, p. 22), a cibercultura refere-se a “uma forma sociocultural que modifica hábitos sociais, práticas de consumo cultural, ritmos de produção e distribuição da informação, criando novas relações no trabalho e no lazer, novas formas de sociabilidade e de comunicação”.

Como já mencionamos, a narrativa transmídia pode ser vista como um raciocínio, de forma que os indivíduos acompanham uma história e vão fazendo suas conexões entre

as partes para a compreensão do todo. Nesse processo, o pensamento converge e não as mídias e tecnologias em si. Assim, cada indivíduo apropria-se do universo de forma única, já que as entradas de exploração são inúmeras, ou seja, cada parte da narrativa que foi espalhada por diversas mídias é um ponto possível de entrada para que a exploração seja iniciada.

Além disso, o texto narrativo tem como base uma ação ou um objetivo que envolve personagens, conflito, transformação, tempo e espaço. Nesse cenário, personagens que desejem algo ou tenham um objetivo a alcançar, deparam-se, na busca pelo objetivo, com um conflito ou confronto que dificulta o objetivo ser alcançado para, então, com esforço, alcançá-lo, tendo como desfecho uma transformação. A figura 2 apresenta um retrato visual da narrativa.

Figura 2 – Retrato visual da narrativa

Fonte: Ohler (2008, tradução nossa)

Acerca de alguns exemplos de como a narrativa transmídia é projetada, podemos citar as séries de TV Lost e Heroes ou mesmo os filmes Matrix, Senhor dos Anéis e Avatar. Todos os universos ficcionais desses filmes e séries têm uma parte da narrativa, normalmente contada por meio de uma mídia de ampla audiência e destaque, como, por exemplo, a TV ou o cinema.

Entrelaçando-se com essa parte da narrativa há outras partes que a complementam, como a história de vida dos personagens principais e coadjuvantes, os lugares, os objetos que são usados pelos personagens etc. Essas narrativas complementares são microuniversos pertencentes a um universo amplo e global, em uma conexão dinâmica entre o passado, o presente e o futuro. Cada parte desse universo está disponível por meio

de variadas mídias, tais como: história em quadrinhos, blogs, perfis em mídias sociais, comunidades virtuais, livros, álbum de figurinhas, teatro, desenho animado, enciclopédias on-line, música, jogos etc. A figura 3 apresenta o mapa da narrativa transmídia com o universo global.

Figura 3 – Mapa da narrativa transmídia completa

Fonte: Autoria própria

Ressaltamos ainda alguns aspectos sobre as escolhas das mídias e tecnologias, pois em cada pedaço da narrativa é preciso pensar qual a forma de participação que será esperada da audiência. Nesse sentido, Bautista (20[00] apud PRATTEN, 2011) estabelece, com base em duas formas de participação e duas formas de experiência, a classificação das mídias e tecnologias em uma narrativa transmídia: participação passiva e participação ativa, experiência individual e experiência social. Com essa classificação, a decisão de escolha das mídias e tecnologias torna-se mais criteriosa e consciente, relacionando-a com os sujeitos e com as habilidades e competências que serão envolvidas no processo de exploração da narrativa. Nessa situação, o letramento midiático vai sendo privilegiado.

É, portanto, no conjunto de habilidades e competências que são mobilizadas quando os indivíduos exploram o universo global (com seus microuniversos) que visualizamos o potencial educacional que a narrativa transmídia contém, pois ao buscar e acompanhar o fluxo informacional, o indivíduo constrói sua própria compreensão do todo, mediado pelos outros indivíduos que também estão na exploração do mesmo universo, sendo que cada mídia contribui de forma nova e única para o todo, mediante as variadas linguagens. Nessa perspectiva, quanto mais rica em elementos e em detalhes for a narrativa, com entrelaçamentos que estimulem a curiosidade para gerar a vontade de exploração, mais serão as oportunidades educacionais, bem como as oportunidades de privilegiar o letramento midiático nesse processo de exploração.

Visualizamos a proposta de utilizar os princípios da narrativa transmídia como uma prática de ensino-aprendizagem em virtude de suas potencialidades pedagógicas e educacionais que podem oportunizar uma dinâmica de aprendizagem mais interacional e envolvente entre os alunos e o objeto de conhecimento, favorecendo processos cognitivos mediados tanto pelo professor e pelos colegas quanto pelas tecnologias e mídias.

A esse respeito, Reilly (2009) defende que as interações digitais produzem mais conhecimento e influenciam o ambiente de aprendizagem de um modo substancial, impulsionando o desenvolvimento da cognição. Nessa direção, propomos que os alunos iniciem o contato com o conteúdo curricular na escola e mantenham esse contato explorando o objeto de conhecimento também fora dela. Assim, ao mesmo tempo, as habilidades e competências ligadas ao letramento midiático vão sendo estimuladas e trabalhadas.

É importante ressaltar que o aluno não apenas acessa o objeto de conhecimento como espectador, mas a exploração abrange, essencialmente, a interação com o objeto de conhecimento, bem como com os demais alunos e o professor. Desse modo, o aluno, cooperativa e colaborativamente, acessa, amplia e complementa o objeto de conhecimento por meio de mídias que são bidirecionais, favorecendo uma aprendizagem permanente nos espaços formais e informais de educação.