• Nenhum resultado encontrado

Como anunciado no capítulo referente aos procedimentos metodológicos, finalizadas as observações do conjunto de aulas em aprendizagem transmídia, planejadas e executadas por nossos sujeitos-professores, entrevistamos os alunos novamente. Agora, objetivando coletar suas opiniões e concepções acerca da prática pedagógica em aprendizagem transmídia.

Além das aulas de Oiti, já descritas e detalhadas neste capítulo, Quina veio alterando sua prática pedagógica, estimulada, também, pelos encontros formativos e embora não tenha seguido todas as orientações pedagógicas da aprendizagem transmídia, a nova prática alterou o processo e pode ser percebida pelos alunos, conforme seus relatos.

Quina, em matemática, optou por trabalhar com seminários para abordar os temas estatísticas e gráficos. Isso posto, optamos por trazer alguns de seus relatos e dos seus alunos sobre o processo de intervenção, destacando suas conclusões. Para isso, tivemos a oportunidade de conversar novamente com cinco alunos que participaram tanto das aulas de Oiti quanto das aulas Quina, pois estavam na mesma série e em turmas diferentes. Desses, dois são da turma que observamos com Oiti e três da turma que observamos com Quina, mas todos eles participaram das duas disciplinas e, por isso, identificamos relatos de ambas as disciplinas quando tivemos o segundo contato individual com eles. Assim, optamos por trazer não só as conclusões e opiniões dos alunos de Oiti, aulas que descrevemos, mas também de Quina.

Perguntados sobre se, recentemente, havia algum assunto da aula que pesquisaram fora da escola. Por vontade própria, R_15 nos relatou:

R_15: Esse trabalho agora que Oiti passou sobre o Renato Russo também gostei bastante.

Pesquisadora: E você pesquisou sobre Renato Russo? R_15: Pesquisei.

Pesquisadora: Você gostou então dessa aula? R_15: Gostei. Descobri coisas que eu não sabia. Pesquisadora: Você já conhecia a banda? R_15: Não. Eu só tinha ouvido falar.

Pesquisadora: Mas você nunca havia escutado? R_15: Não.

Pesquisadora: Pesquisando sobre Renato Russo e sobre a banda, você aprendeu outras coisas, algum conteúdo?

R_15 continua seu relato quando questionado como é uma aula que considera legal e gosta.

R_15: aula de matemática quando ela começa a falar a gente começa a se interessar.

Pesquisadora: Das disciplinas que você tem participado, você acha que a aula está mais legal ou interessante são quais?

R_15: Assim, antes eu não gostava da aula de Oiti, mas agora estou começando a gostar porque começou a mudar, matemática também. Pesquisadora: Como era a aula de Oiti antes?

R_15: Vixe, Oiti começava a falar, chegava a gritar na sala. Eu não gostava. Oiti falava a disciplina, falava, sentava na mesa e pronto. Agora não, agora, começa a conversar, chega na mesa (dos alunos), conversa e parou de brigar.

Pesquisadora: E para você, está melhor? R_15: Tá.

O aluno participou das aulas de ambas as disciplina, percebeu a mudança na prática pedagógica do professor e nos relatou estar gostando da disciplina que antes não gostava, bem como relatou a interação entre o professor e eles, destacando o diálogo, a conversa que vem acontecendo em aula. Para Freire (2002)

[...] o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes (FREIRE, 2002, p. 79).

Quina e Oiti abriram espaço para o diálogo em sala de aula. Quina inclusive começou a mudar a disposição das carteiras para que todos pudessem se olhar ao interagir, ação imediatamente notada pelo aluno como sendo “legal”. Dessa forma, mudou a postura do professor, ou seja, daquele que fala para aquele que conversa, dialoga. Como orienta Freire (2005, p. 97): “[...] o espaço pedagógico é um texto para ser constantemente lido, interpretado, escrito e reescrito. Requer diálogo, escuta, mediação docente-discentes.”

Essas mudanças alteraram não só a dinâmica da aula, mas geraram uma nova relação do aluno com a disciplina, com os colegas e com o professor. Ler, interpretar e reescrever o texto do espaço pedagógico é condição para promover o ensino e a aprendizagem e isso só se consegue abrindo espaço para o diálogo. Nesse sentido, Alarcão (apud ALMEIDA; VALENTE, 2001, p. 47) diz que “um professor tem mais facilidade em adaptar-se a uma determinada inovação se as suas expectativas se encaixam bem na sua concepção de professor”.

Sobre a aula de Oiti, no relato de R_15, o assunto tratado foi o Renato Russo, sua banda e suas músicas. Não houve a menção ao tema curricular da aula, ou seja, ao texto descritivo. Embora o processo tenha gerado diversos conhecimentos, julgamos importante deixar mais evidente para o aluno o que se está trabalhando para que, em outras situações, ele possa identificar os elementos descritivos de um texto, além de organizar uma sequência textual de descrição. Essa relação entre o currículo e os meios utilizados para trabalhá-lo foi, muitas vezes, recomendada por nós, para que a aula em aprendizagem transmídia cumprisse seu objetivo, destacando o objeto de conhecimento.

Na abordagem de Oiti, algumas estratégias poderiam ser adotadas para deixar o tema mais evidente, como, por exemplo, anotar no quadro, para que todos os alunos tenham acesso ao planejamento que Oiti fez e nos entregou, com tema, objetivos, meios e gêneros utilizados e procedimentos metodológicos. Nesse caso, os alunos iniciaram a sequência de aulas tendo como tema o cantor Renato Russo e sua trajetória.

O_17 menciona as aulas de Oiti e relata, quando questionada se quis saber mais sobre algum assunto da aula, que pesquisou a história de Renato Russo fora da escola.

O_17: Da aula de português, sobre o Renato Russo… fui pesquisar um pouco da história de Renato Russo.

Pesquisadora: O que você fez para pesquisar mais? O_17: Na internet.

Pesquisadora: Vários sites? Chegou a escutar música? O_17: Escutei.

Pesquisadora: Baixou alguma ou só escutou? O_17: Não, só escutei.

Pesquisadora: E o que você achou?

O_17: Bem legal… porque eu nunca tinha parado assim para escutar. Achei uma história legal.

Pesquisadora: Você prestou atenção nas letras e assistiu ao filme também?

O_17: Assisti na escola e assisti em casa de novo. Pesquisadora: Sozinha?

O_17: Com minha mãe. Pesquisadora: E ela, gostou? O_17: Gostou.

O_17, como R_15, mencionou a aula de Oiti como sendo uma aula que a motivou a saber mais por conta própria, ir em busca de outras informações sobre o assunto trabalhado. Além disso, ela compartilhou com sua mãe o que havia visto na escola. Para O_17, o tema da aula foi Renato Russo.

Já U_16, acerca da aula de matemática, identificou o conteúdo curricular trabalhado pelos seminários sobre os temas: educação, segurança pública, mídia, saúde,

sociedade. Quando questionado sobre algum assunto que havia pesquisado fora da escola, relatou:

U_16: Foi mais esse negócio de gráficos. O trabalho que foi sobre saúde, segurança, seminário de matemática.

Pesquisadora: Você fez o quê para pesquisar mais? U_16: Internet, R7 e G1 (Portais).

Pesquisadora: Você foi em site de busca ou em sites específicos? U_16: Fui em sites específicos.

Pesquisadora: Sobre o que você pesquisou, o que você aprendeu? U_16: Que a mídia ela envolve tudo, tudo mundo.

Pesquisadora: Seu assunto era a mídia?

U_16: Sim. E ela, às vezes, fica ditando algumas coisas que não “é”. Que não é verdade. A segurança tá um caos.

Pesquisadora: Qual era o assunto, o conteúdo que Quina estava abordando, era mídia mesmo?

U_16: Era estatística, gráficos. Aí ela usou a mídia para fazer gráficos. Diferentemente de Oiti, Quina selecionou os temas do seminário e os distribuiu entre os grupos antes da nossa observação, ainda no momento dos encontros de formação. Algumas aulas depois, na primeira em que observamos, abordou o assunto “estatística e os tipos de gráficos”. Nessa aula, Quina elaborou no quadro as tabelas com os dados, em seguida, desenhou um gráfico. Para que os alunos se envolvessem na aula, fez a coleta de dados utilizando as informações que os alunos davam. Por exemplo, o número de pessoas na turma que calçavam os números 35, 36, 37, 38, 39 e 40, inclusive explicando como montar o Rol, que é a ordenação do conjunto de dados em ordem crescente ou decrescente.

Na segunda aula que observamos, Quina trouxe slides sobre o mesmo tema e ilustrou os tipos de gráficos que existiam, reforçando o conteúdo. Nesse dia, fazendo uso dos slides, sua aula foi mais expositiva e os alunos dispersaram mais comparando com a aula anterior, pois os gráficos estavam prontos e traziam dados nacionais e internacionais. Quina os explicou. Os alunos assistiram à aula de forma menos participativa.

Na terceira e última aula que observamos, os alunos apresentaram seus temas, alguns grupos trouxeram cartazes em cartolina com figuras coladas e alguns textos escritos, outros montaram slides e usaram o multimídia, e um dos grupos produziu um vídeo que não abriu no notebook da escola devido à falta de um codec41 específico, mesmo assim, os alunos apresentaram o tema. Não houve tempo em aula para a produção do

41 A palavra "Codec" vem de COdificação e DECodificação, ou seja, eles traduzem um arquivo que originalmente seria muito grande pra ser compartilhado/executado em conteúdo bem menos pesado. Matéria completa: <http://canaltech.com.br/o-que-e/software/O-que-sao-Codecs-quais-sao-os-tipos-pra-que-servem-

seminário, assim, não pudemos observar o processo de elaboração do trabalho pelos alunos.

Nesse dia, houve grupos que trouxeram gráficos para ilustrar seus temas e houve grupos que só falaram do tema sem mencionar os gráficos. Os grupos que apresentaram gráficos citaram o Rol, fazendo uma conexão com o que Quina havia abordado nas aulas anteriores.

Segundo Almeida e Valente (2011, p. 33) “por meio do desenvolvimento de atividades ativas, os alunos estabelecem interações entre seu cotidiano, os acontecimentos do mundo e o conhecimento trabalhado em sala de aula”. A partir do seminário de Quina, os alunos além de analisar informações, as interpretaram e produziram novas informações quando estabeleceram as conexões entre os dados divulgados por grandes portais de notícias e seu entorno. Além de falar sobre o tema, os alunos expressaram suas opiniões, especialmente sobre os serviços e setores públicos. O grupo que abordou o tema mídia privilegiou o letramento midiático ao explanar o que é veiculado por ela, destacando que nem tudo é a realidade, ou seja, olharam criticamente para a mídia e apresentaram suas conclusões para a turma.

Em situações como essa, o professor pode identificar quais conceitos foram trabalhados equivocadamente e intervir, mediando o processo ou relativizando algumas afirmações. Foi o que aconteceu com o tema segurança pública. O seminário foi uma experiência nova para os alunos, pois observamos que os grupos tiveram dificuldade na apresentação no que se refere a explanar algo para um grupo maior. Além da fala em voz baixa, impossibilitando, muitas vezes, ouvi-los, os cartazes traziam escritos em letras pequenas e a postura dos alunos diante da sala era a de não saber muito bem como proceder.

Nas aulas que observamos, não houve um momento explicativo sobre o que é fazer um seminário, ou seja, como produzi-lo e como proceder na apresentação. Talvez essa explanação pudesse ter ajudado os alunos em como desenvolvê-lo, considerando alguns aspectos como o público ouvinte, a distância da apresentação para leitura, o tom da voz etc. Quina confirmou ser essa uma prática pedagógica nova em suas aulas quando perguntamos se acontecia de alguma forma antes.

Nos anos anteriores, realmente não. Eu não fazia um trabalho dessa forma. Eu não fazia assim. Eu passava exercício, pedia para eles sentarem, era da forma tradicional. Antes eu fazia assim, só que eu estou percebendo que sozinho ninguém faz nada e que quando eles se engajam

entre si, através de debates, de jogos (QUINA, 2014 [informação verbal]).

A mudança na prática pedagógica não gerou um resultado positivo para todos os alunos entrevistados. Para Q_16, nossa intervenção atrapalhou a disciplina, pois, na opinião dele, houve uma interrupção no que estava sendo feito. Quando questionado sobre as aulas boas, Q_16 menciona a disciplina de matemática como sendo boa, apenas antes de nossa chegada.

Q_16: Matemática. Agora não porque tá mais esse estudo que veio, aí atrapalhou um pouquinho a matéria.

Pesquisadora: Esse estudo que atrapalhou é o quê?

Assim, Quina estava dando o conteúdo, aí parou para acompanhar o conteúdo de vocês também (ele se refere a nossa pesquisa e a estagiária de matemática que entrou em sala, após nosso período de observação). Quina foi alterando sua prática ao longo do processo, antes mesmo de observarmos suas aulas. Para Q_16, Quina saiu do habitual por conta da nossa presença e isso atrapalhou um pouco, na visão do aluno. Algumas estratégias de ensino já são bem conhecidas dos alunos e, por vezes, uma mudança pode causar o desconformo de não mais se ter o domínio sobre como será o andamento da aula. Nesse caso, o aluno já sabia como a aula seria, o que ele teria de fazer etc. Quando mudam as estratégias de ensino, as estratégias de aprendizagem também podem sofrer alteração e sair da zona de conforto. Por isso, para alguns, isso não é considerado como um benefício ou vantagem, algo legal.

Tivemos a oportunidade de conversar novamente com sete alunos que participaram da aula de Eugenia e quatro alunos das turmas de Tingui, artes e inglês, respectivamente. Desses, quando questionados sobre se haviam pesquisado algo da aula por conta própria, apenas E_17 mencionou a disciplina de artes, devido a um filme de 15 minutos que precisavam fazer, mas destacou mais a disciplina de espanhol, inclusive dizendo que aprendeu novas palavras nessa pesquisa que fez. Já B_19 citou inglês, mas não lembra o assunto que pesquisou.

Como obtivemos os relatos de Eugenia e Tingui afirmando que não alteraram sua rotina, conforme as orientações pedagógicas trabalhadas em nossas conversas, atribuímos a esse fator o baixo número de relatos acerca dessas disciplinas quando os alunos foram questionados acerca do querer saber mais fora da escola. Nas orientações pedagógicas, motivar o aluno e instigá-lo a buscar informação, a partir de perguntas e pedaços de informações, é uma das recomendações da aprendizagem transmídia. Assim, concluímos

que não houve um fluxo de informação contínuo, com idas e vindas. Na disciplina de Quina, isso aconteceu parcialmente apenas; já na de Oiti, o fluxo informacional contínuo foi mais evidente.

5.3 AS CONCLUSÕES DOS PROFESSORES SOBRE A INTERVENÇÃO