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Etapa II: Aprendizagem transmídia na sala de aula 52

Após os encontros formativos com os professores e as entrevistas com os alunos, iniciamos o período de observações em algumas das turmas da escola-campo. Como já

havíamos nos apresentado nas turmas anteriormente no momento das entrevistas individuais com os alunos, nessa mesma ocasião, no bate-papo com a turma, nós os informamos que, nos meses de abril e maio, estaríamos mais em contato e que nos veríamos mais vezes, pois pretendíamos observar as aulas. Dessa forma, no momento oportuno, acertado com cada professor, ocorreu nossa inserção em sala de aula de forma harmoniosa e consensual entre professores e alunos.

Identificamos nossa ação em sala de aula como uma observação participante e sistemática por englobar características de ambas, ou seja, participante, pela integração com o grupo com o objetivo de realizar uma investigação; e sistemática, pela elaboração de um plano em que estabelecemos previamente o que foi observado.

Nas palavras de Gil (2008, p. 103), a observação participante consiste na “participação real do conhecimento na vida da comunidade, do grupo ou de uma situação determinada. Neste caso, o observador assume, pelo menos até certo ponto, o papel de um membro do grupo”. Desde a nossa inserção na escola-campo fomos tratados como professores pela comunidade escolar, convidados e aptos a fazer parte daquele grupo. O mesmo tratamento ocorreu em sala de aula, junto aos alunos. Além disso, pela técnica da observação em sala de aula, chegamos ao conhecimento das suas práticas escolares a partir do interior do grupo.

Nesse sentido, Gil (2008, p. 105) informa que “o registro da observação é feito no momento em que esta ocorre e pode assumir diferentes formas. A mais frequente consiste na tomada de notas por escrito ou na gravação de sons ou imagens”. O autor complementa, dizendo que “o observador anota o que é visível e potencialmente relevante” (GIL, 2008, p. 106).

Além das notas de observação feitas no momento da observação, um plano com questões relativas à observação serviu de orientação para o direcionamento do nosso olhar. O plano foi elaborado a partir das recomendações de Bogdan e Biklen (1994), em tópicos que estruturamos como: dados de identificação, desenvolvimento da aula, relação professor-aluno, aprendizagem transmídia, tendências metodológicas, característica do ambiente, recursos didáticos, avaliação ou acompanhamento da aprendizagem (Ver apêndice N: Observação em sala de aula).

Ressaltamos, ainda, que nosso intuito com a observação não foi apenas o de adentrar no mundo social da sala de aula mas também o de colaborar com os professores

de modo a encontrar soluções para alguns problemas acerca da interação dos alunos com o objeto de conhecimento, mediada pelo uso das tecnologias e mídias nesse processo.

Mehan (1979 apud COULON, 1995a, p. 98) mostra que “é o trabalho de interação entre os professores e os alunos que produz a organização da classe”. Coulon (1995a, p. 98), por sua vez, afirma que “os professores e os alunos marcam as fronteiras das sequências interacionais, dos intercâmbios temáticos, das fases e até das lições, por modificações dos seus comportamentos gestuais, paralinguísticos e verbais”.

Nesse sentido, são essas modificações que estruturam a situação de intercâmbio na sala de aula, local onde boa parte das atividades desenrola-se simultaneamente e se pode verificar a competência interacional dos alunos. Segundo Coulon (1995a, p. 98) “os alunos desenvolvem conscientemente as suas próprias estratégias a fim de levar a bom termo objetivos independentes daqueles do professor e governar assim os seus próprios assuntos”. Nessa ação, mostram sua competência interacional.

Além disso, são nos combinados, nas regras de convivência que a interação entre professor-aluno se dá em sala de aula. Como argumenta Woods (apud COULON, 1995b, p. 81) “a negociação é a estratégia principal utilizada pelos professores e alunos no decorrer de suas interações”. Assim, podemos dizer que a prática escolar não é uma atividade natural já que obedece a certas regras e procedimentos, aos quais os alunos precisam obedecer ou aprender. A interação negociada da prática escolar está relacionada com o comportamento em sala de aula e com a avaliação da prática, que envolve, também, a aprendizagem.

Nesse cenário, conhecer os combinados entre professores e alunos e verificar como a negociação da prática escolar na aprendizagem transmídia se dá são elementos essenciais para compreendermos o mundo social que constroem e como promovem a interação com o objeto de conhecimento. No entanto, para que a nossa presença não provocasse alterações no comportamento dos observados em sala de aula, destruindo a sua espontaneidade, nós nos posicionamos, inicialmente, no fundo da sala, misturando-nos com os alunos, para não ficarmos em seus focos de visão.

Em alguns momentos, mesmo sendo informados pelo professor sobre nossa presença, alguns alunos ficavam surpresos quando, apenas no final da aula, percebiam-nos. Em outros momentos, o professor, durante a aula, ao tratar de algum assunto, mencionava- nos. Nesse caso, nossa presença era percebida por todos que ali estavam. De qualquer

forma, sentimo-nos inseridos no contexto. Além disso, fomos informados pelos professores que os alunos se mantiveram em termos do habitual, mesmo com a nossa presença.

Como mencionado anteriormente, observamos pelos menos três encontros de aulas com a mesma turma, a fim de que a aprendizagem transmídia pudesse atingir o objetivo do início, com o disparo da prática; do meio, com o retorno da interação dos alunos com o objeto do conhecimento fora do ambiente escolar; e do fim, com a extensão do objeto do conhecimento para além do que foi solicitado pela escola.

O resultado da intervenção pedagógica em aprendizagem transmídia oportunizou mais um encontro formativo com os sujeitos-professores, momento esse em que conversamos sobre o balanço de todo o processo, incluindo aspectos referentes a facilidades e dificuldades no planejamento e na execução da prática, além de uma descrição sobre o envolvimento dos alunos durante e depois das aulas em aprendizagem.

No que se refere à interação dos alunos, como já mencionado, nós os entrevistamos novamente para que pudéssemos, a partir de suas próprias descrições, identificar as habilidades e as competências que mobilizaram durante as aulas em aprendizagem transmídia, fazendo uma comparação com o que foi relatado e descrito na primeira entrevista.

Quanto ao procedimento adotado, tanto o último encontro formativo com os professores quanto as entrevistas com os alunos foram gravados em áudio. No entanto, a observação da aprendizagem transmídia não pôde ser realizada por completo nas turmas de todos os sujeitos-professores devido à substituição de dois deles, Murta e Candeia. Um por motivo de afastamento e outro pela chegada de professor concursado, que assumiu as aulas em definitivo. Houve tempo apenas para observar a primeira aula de Candeia, já as de Murta não se realizaram.

Nessa situação, a tabela 5 apresenta o quadro final que compõe a observação participante sistemática nas turmas em que foi realizada.

Tabela 5 – Observação da aprendizagem transmídia

Sujeito-

professor Disciplina Série

Nº de aulas da disciplina

por semana

Nº de encontros do professor na mesma

turma por semana

Nº de observações na turma Candeia Biologia 1º EM 02 01 01 Eugenia Artes 2º EM 01 01 02 Tingui Inglês 2º EM 02 01 02 Quina Matemática 9º EF 05 03 03

Oiti Portuguesa Língua 9º EF 05 03 05

Dos sujeitos-professores que permaneceram na escola-campo até a finalização do período da coleta de dados, apenas as aulas de Quina e de Oiti puderam ser observadas em pelo menos três momentos distintos, um dos critérios para a mensuração da aprendizagem transmídia. Entre as aulas observadas de Quina e Oiti, mesmo com o número mínimo exigido de aulas observadas, detectamos que apenas Oiti planejou o objeto de conhecimento de suas aulas com base nas orientações pedagógicas da aprendizagem transmídia por completo.

Desse modo, optamos por descrever apenas, na íntegra, os processos de ensino- aprendizagem adotado por Oiti, na disciplina de língua portuguesa, em virtude de abranger o planejamento mínimo para o que estamos chamando de aprendizagem transmídia. Essa decisão não invalida os esforços de todos os sujeitos-professores em inserir as tecnologias e mídias em sua prática pedagógica, bem como não invalida os momentos em que o letramento midiático foi privilegiado.

No que se refere às disciplinas de Eugenia e Tingui, artes e inglês respectivamente, atribuímos ao número de feriados e recessos determinados nos calendários nacional e estadual, coincidindo com os dias dessas aulas no horário escolar, o principal empecilho para a nossa observação contínua das aulas. Nessas disciplinas, durante o período de um mês de aula, as turmas tiveram apenas um ou dois encontros com os nossos sujeitos-professores.

É importante perceber que o espaçamento entre as aulas na mesma turma e a dinâmica adotada pelo professor para recuperar esses dias não letivos, com o objetivo de avançar no conteúdo, resultou no distanciamento da dinâmica da aprendizagem transmídia. Além disso, no balanço final com os professores sobre a intervenção pedagógica, ou seja, a experiência que haviam realizado, Eugenia e Tingui confirmaram nossas conclusões após as observações em sala de aula, quando relataram ter planejado suas práticas seguindo apenas algumas orientações propostas por nós, mantendo a dinâmica que já vinham fazendo.

Eugenia: Acabou que não foi uma experiência porque já era o programado.

Tingui: Eu não mudei muito minha sequência de trabalhar não, porém lancei o assunto para eles.

Tanto Eugenia quanto Tingui destacaram que continuaram com o programado antes de nossa pesquisa, mesmo assim observamos a abertura de um espaço para as ações dos alunos como protagonistas de descobertas e sujeitos de sua aprendizagem, uma das orientações pedagógicas da aprendizagem transmídia.

Eugenia propôs a produção de um filme curta metragem sob orientação do gênero Trash e Tingui trabalhou, em forma de seminários, o tema crimes cibernéticos. Falaremos mais sobre suas abordagens no último capítulo.

No caso de Quina, convém observar que, ao longo de nossos encontros, antes mesmo do período de intervenção pedagógica, ela foi modificando sua prática e relatando- nos suas iniciativas, percepções e resultados com as turmas, ao adotar estratégias diferentes das que estava acostumada.

Por conseguinte, as tecnologias e mídias passaram a ter mais espaço em sala de aula. No entanto, apenas algumas orientações pedagógicas da aprendizagem transmídia foram adotadas. De qualquer forma, pudemos observar uma dinâmica de aprendizagem mais aberta e participativa em sua sala de aula, alterando inclusive a disposição do espaço físico e a hierarquia dos papéis. Constatação reiterada por alguns alunos em nosso segundo contato, como o de R_15.

Pesquisadora: Mais recentemente, houve algum assunto que você pesquisou fora da escola, por vontade própria?

R_15: Não.

Pesquisadora: De alguma disciplina?

R_15: Teve de matemática que eu gostei bastante. Pesquisadora: Foi o quê?

R_15: A gente estava reclamando que era sempre a mesma coisa. Aí Quina disse que ia mudar a aula. Aí começou a aula ser mais legal… assim, mais compreensiva. Aí eu comecei a gostar.

Pesquisadora: A aula ser mais legal é o quê? O que Quina tem feito? O que mudou do que era para o que é agora?

R_15: Quina começou a brincar mais, fazer uma roda com as cadeiras, tipo… questiona de uma maneira legal.

Quina abordou o conteúdo estatísticas e gráficos, usando a sociedade e seus setores/áreas como contexto. Para isso, propôs seminários que foram produzidos pelos alunos.

Nos próximos capítulos, apresentaremos alguns procedimentos pedagógicos de Quina, Eugenia e Tingui, embora não os consideremos como parte de uma abordagem teórico-prática em aprendizagem transmídia completa, ou seja, com início, meio e fim, mas como ações pontuais, planejadas nessa direção, já que transformaram o ambiente escolar.

Já no capítulo 5, descreveremos a sequência de aulas de Oiti que, como mencionada, seguiu a proposta da aprendizagem transmídia, trabalhando o conteúdo sobre os elementos de um texto descritivo.