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A natureza jurídica da decisão da transação

Capítulo 3 – Descumprimento da Transação Penal

3.1. A natureza jurídica da decisão da transação

Sabe-se que a pena não privativa de liberdade ou a multa imposta pelo magistrado na transação penal, por consentimento das partes, tem natureza jurídica de sanção penal, como perfilhado no capítulo segundo.

A reprimenda consensuada será aplicada por sentença, nos termos do art. 76, §5º, da Lei n. 9.099/1995. Significativo, pois, analisar a natureza jurídica de tal decisium, questão que, igualmente à estudada no capítulo retro, não encontra pacificação na doutrina.

Para Humberto Dalla B. de Pinho54, a natureza jurídica da decisão da

transação penal é de sentença penal homologatória de um acordo e também condenatória haja vista que impõe uma sanção com reconhecimento de culpa, apesar de o art. 76, §6º, da Lei 9.099/1995 dispor o contrário.

Já Geraldo Prado55 discorre:

54 Op. cit., p. 79.

55 PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis

Nosso pensamento é de que a sentença em questão é condenatória, de tipo sumário, e que emerge em seu meio instrumental definido por alguns doutrinadores como o devido processo legal da transação penal, apesar da objeção de inconstitucionalidade oposta pelo esvaziamento de qualquer tipo de atividade considerada própria ao devido processo legal (atividade probatória, fundamentação das decisões e efetividade do contraditório).

Fernando da Costa Tourinho Neto e Joel Dias Figueira Júnior56 asseveram que a sentença é condenatória (apesar do não reconhecimento da culpa) e homologatória. Dizem que se trata de sentença condenatória pois impõe o cumprimento de uma prestação.

Marcellus Polastri Lima57 assegura que a decisão da transação se trata de sentença homologatória e condenatória imprópria considerando que impõe uma sanção ao autor do fato e tem efeitos processuais e materiais realizando a coisa julgada formal e material, impedindo a instauração da ação penal.

O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido de que tem essa sentença natureza condenatória (R.Esp 223.316-SP, de 12.11.2000):

PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. LEI 9.099/95. ART. 76. TRANSAÇÃO PENAL. PAGAMENTO DE MULTA. DESCUMPRIMENTO DO ACORDO PELO AUTOR DO FATO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA PELO MP. INADMISSIBILIDADE. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA. NATUREZA JURÍDICA CONDENATÓRIA. EFICÁCIA DE COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL. 1 – A sentença homologatória da transação penal, por ter natureza condenatória, gera a eficácia de coisa julgada formal e material, impedindo, mesmo no caso de descumprimento do acordo pelo autor do fato, a instauração da ação penal. 2 – Não efetuando o infrator o pagamento da multa aplicada, como pactuado na transação (art. 76, da Lei 9.099/95), cabe ao Ministério Público a execução da pena imposta, devendo prosseguir perante o Juízo competente, nos termos do art. 86 daquele diploma legal. Precedentes. Recurso não conhecido.

Sobre o assunto, afirma Cezar Roberto Bitencourt58:

56 Op. cit., p. 577.

57 Juizados especiais criminais: na forma das leis n. 10.259/01, 10.455/02 e 10.741/03. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 100.

Em nossa concepção, a decisão que aplica pena transacionada é homologatória e tem natureza declaratória constitutiva, conforme expusemos nas primeiras edições, entre 1995 e 1997, de nosso livro Juizados Especiais Criminais e alternativas à pena de prisão. A sentença declaratória, a despeito da redundância, declara o que já existe, tornando seguro o que até então era inseguro, certo que era incerto, por meio do instituto da coisa julgada; produz efeitos ex tunc, isto é, retroage para alcançar a data do fato declarado. A sentença constitutiva, além de declarar o que já existe, cria uma situação até então inexistente, isto é, cria um novo estado, gerando igualmente efeitos ex tunc, ou seja, retroage à data do fato. Seus efeitos são materiais e processuais.

Guilherme de Souza Nucci59 diz que a natureza jurídica da sentença da

transação é homologatória. Versa que não pode ser condenatória pois não houve o devido processo legal, nem tampouco absolutória tendo em vista que não se discutiu a culpa e o autor do fato deverá cumprir uma penalidade.

Para Fernando da Costa Tourinho Filho60, a decisão que homologa a transação é tão somente homologatória, não sendo condenatória visto que se assim o fosse teria eficácia executória para fins civis, nos termos dos arts. 91, I, do Código Penal e 63 do Código de Processo Penal.

A 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no HC 79.572, de Goiás, Relator o Ministro Marco Aurélio, reformando acórdão do Superior Tribunal de Justiça, decidiu que a sentença em questão não é nem condenatória e nem absolutória. É homologatória da transação penal.

Ada Pelegrini Grinover et alii61 consideram:

A conclusão só pode ser esta: a sentença que aplica a pena, em face do consenso dos interessados, não é absolutória nem condenatória. Trata-se simplesmente de sentença homologatória da transação, que não indica acolhimento nem desacolhimento do pedido do autor (que sequer foi formulado), mas que compõe a controvérsia de acordo com a vontade dos partícipes, constituindo título executivo judicial. São os próprios envolvidos no conflito a ditar a solução para sua pendência, observados os parâmetros da lei.

59 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2006, p. 393.

60 TOURINHO FILHO, op. cit., p. 115. 61 Op. cit., p. 157.

Percebe-se que há quem considera a sentença da transação penal homologatória e condenatória, condenatória sumária, homologatória e declaratória constitutiva. Existem variadas compreensões.

No geral, para os que advogam ser a transação uma espécie de ação penal, a sentença é condenatória, raciocínio este coerente com a natureza jurídica que acreditam possuir o instituto.

Não obstante, de acordo com a postura adotada no presente trabalho, antedita classificação é incompatível. Explica-se.

A partir do momento que a transação penal se desenvolve em uma fase ainda pré-processual, sem a instauração do devido processo legal, e que, uma vez homologada e cumprida, extingue a punibilidade sem acarretar assunção de culpa nem constar de antecedentes criminais, somente figurando como conseqüência no campo criminal a impossibilidade de novo benefício no prazo de cinco anos, jamais tal sentença poderá ser tida como condenatória.

Frise-se que não houve um processo dotado das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa desaguando em uma condenação criminal propriamente dita, mas, sim, simplesmente uma homologação judicial de uma pacto avençado entre as partes, no qual o dominus litis deixa de propor a ação penal enquanto o autor do fato se compromete a cumprir uma penalidade consensuada.

Nessa esteira, adota-se o posicionamento de que a sentença da transação penal é tão somente homologatória do acordo realizado entre o Ministério Público e o autor do fato.

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