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Capítulo 2 – Transação Penal

2.3. Requisitos da transação penal

O primeiro requisito à efetivação do acordo é ser a infração imputada de menor potencial ofensivo. Dever-se-á analisar se o injusto é uma contravenção ou então um crime cuja pena in concreto seja de até dois anos. Quando se diz pena “in concreto” é pelo fato da necessária análise da eventual ocorrência de causas de diminuição ou aumento de pena no caso sub judice.

Marcos Paulo Dutra Santos34 assevera, ao dispor acerca da análise da pena concreta para a concessão da benesse legal, coadunando com o entendimento acima exposto:

Oportuno registrar, todavia, que tal procedimento somente deve ser tomado quanto às causas especiais de aumento ou diminuição de pena; e às qualificadoras ou atenuantes especiais, pois incidem na sanção in abstrato. As circunstâncias judiciais, as agravantes e as minorantes genéricas não podem ser consideradas, pois repercutem na reprimenda aplicada (in concreto), e não na cominada (in abstrato).

O Supremo Tribunal Federal julgou no sentido do posicionamento defendido, mutatis mutandis:

HABEAS CORPUS. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (LEI 9.099/95, ART. 89). REQUISITO OBJETIVO E CONTINUIDADE DELITIVA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO SUBJETIVO À SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. SÚMULA 696. ORDEM DENEGADA. 1. Em se tratando de crimes idênticos em continuidade delitiva, o requisito objetivo para a suspensão condicional do processo deverá ser calculado pela pena mínima cominada em abstrato, majorada em um sexto. (GRIFO NOSSO) 2. A suspensão condicional do processo tem natureza jurídica de transação processual, daí porque inexiste direito subjetivo do réu a sua aplicação. 3. Se o Ministério Público expressa e motivadamente deixa de oferecer a suspensão condicional do processo, e o juiz homologa essa manifestação, não há que se aplicar a Súmula 696 do Supremo Tribunal Federal.35

34 Op. cit., p. 124.

35 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC n. 83250/SP. Relator Ministro Joaquim Barbosa.

O Superior Tribunal de Justiça36, no mesmo sentido, decidiu:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. COMPETÊNCIA JURISDICIONAL. CRIME DE PORTE ILEGAL DE ARMA (ART. 10 DA LEI 9.437/97) E DESOBEDIÊNCIA (ART. 330 DO CP). CONCURSO MATERIAL. SOMATÓRIO DAS PENAS EM ABSTRATO SUPERIOR A 2 (DOIS) ANOS. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA TRANSAÇÃO PENAL. DENÚNCIA OFERECIDA ANTES DA LEI 10.259/2001. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ORIGINÁRIO ATÉ MESMO PARA FINS DE RECURSO. ORDEM DENEGADA. 1. A Lei nº 10.259/2001, por seu art. 2º, parágrafo único, ampliou o rol dos delitos de menor potencial ofensivo, elevando o teto da pena máxima abstratamente cominada ao delito para 2 (dois) anos, o que, segundo a jurisprudência pacífica desta Corte Superior de Justiça, justifica a aplicação do princípio da lex mittior, aplicando-se a lei penal mais benéfica aos crimes cometidos anteriormente à sua edição, mesmo que o processo se encontre em grau de recurso. Precedentes. 2. Ocorre que, no caso de concurso de crimes, a pena considerada para fins de fixação de competência será o resultado da soma, no caso de concurso material, ou a exasperação, na hipótese de concurso formal ou crime continuado, das penas máximas cominadas ao delitos. Precedentes. 3. Dessa forma, sendo o total das penas, em abstrato, do caso vertente, superior a 2 (dois) anos, resta afastada, de plano, a competência dos Juizados Especiais, não fazendo jus o paciente ao benefício da transação penal. 4. Por outro lado, as ações ajuizadas até o advento da Lei 10.259/2001 devem permanecer sob a jurisdição dos juízos originários, inclusive no que tange aos recursos cabíveis, não obstante seja imperativa a observância dos benefícios instituídos, adequando-se o procedimento em curso aos preceitos da Lei 9.099/95. 5. Portanto, proposta e aceita pelo acusado a suspensão condicional do processo, com a devida homologação, não pode o impetrante, agora, alegar nulidade, por expressa proibição legal: "Nenhuma das partes poderá argüir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse" (CPP, art. 565). 6. Ordem denegada.

A Lei n. 9.099/1995 estabelece alguns outros requisitos de ordens objetiva e subjetiva para a elaboração da proposta e a homologação do benefício da transação penal no art. 76, §2º, in verbis:

Art. 76. (...) §1º (...)

§2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

I – ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

II – ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

III – não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

36 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC n. 41891/RJ. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima.

Quinta Turma. Julgamento em 28.jun.2005. Publicação: DJU I, 22.ago.2005, p. 319. Grifos acrescentados.

Necessário se faz tecer algumas considerações acerca dos requisitos expostos.

No inciso I, o legislador expressamente ditou que o acusado que tiver sido condenado pela prática de crime, quer seja culposo ou doloso, desconsiderando então o cometimento de contravenções, à pena privativa de liberdade, ou seja, se for a outra espécie de pena (multa ou restritiva de direitos) não haverá óbice, por sentença transitada em julgado37, impossibilitado estaria de fazer jus à transação.

De uma interpretação gramatical do comentado inciso I, decorreria a afirmação de que, independentemente do lapso temporal transcorrido entre a sentença penal condenatória de crime à pena privativa de liberdade e a verificação do cabimento do benefício da transação, não poderia ser realizado o ajuste penal, ou seja, seria um efeito perpétuo da sentença penal condenatória.

Grande parte da doutrina também pensa assim, ou seja, que não vigora o princípio da temporariedade quanto à condenação anterior previsto no art. 64, I, do

37 A Lei 9.099/1995 refere-

se ao termo “sentença definitiva” e não “transitada em julgado”. Por conta disso, há estudiosos que entendem que basta a prolação da sentença condenatória para obstar o benefício, não se fazendo necessário sua imutabilidade. TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados especiais federais cíveis e criminais: comentários à lei 10.259, de 20.07.2001. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 588, assim se dispõe: “Para uns autores, a sentença enquanto passível de recurso não é definitiva. Mas, observe-se que o art. 593 do CPP diz: ‘Caberá apelação no prazo de cinco dias [nos Juizados Especiais, não esquecer que o prazo é de dez dias, art. 85, § 1º]: I – das sentenças definitivas de condenação...”. Ora, a sentença definitiva para o Código de Processo Penal não é, portanto, a transitada em julgado. E o art. 5º da Lei dos Juizados Especiais Federais é no mesmo sentido: “Exceto nos casos do art. 4º, somente será admitido recurso de sentença definitiva”. Em sentido contrário, Fernando da Costa Tourinho Filho, dissertando acerca do inciso I, §2º, art. 76 da Lei 9.099/1995, explica: “Assim, não faz jus ao benefício aquele que já foi condenado, por sentença definitiva, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade. O Código de Processo Penal emprega a expressão ‘sentença definitiva’ no sentido de sentença de mérito (arts. 82, 593, I, e 800, I). A expressão, contudo, aqui no texto, está na acepção de ‘sentença transitada em julgado’. Explica-se: ninguém pode ser condenado a uma pena privativa de liberdade senão mercê de uma sentença. Logo, se o legislador impede a proposta ao ‘condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva’, é sinal de que se refere a uma decisão condenatória com trânsito em julgado, tanto mais quanto o dispositivo fala em ‘condenado’, e, no nosso ordenamento jurídico, denomina-se ‘condenado’ o réu cuja sentença condenatória tenha passado em julgado. Tivesse o legislador o propósito de vedar a transação àquele que fosse condenado pela prática de crime à pena privativa de liberdade, pouco importando se a decisão condenatória transitou ou não em julgado, não empregaria o termo ‘condenado’.” (op. cit, p. 108). No presente trabalho, perfilha-se o entendimento de Fernando da Costa Tourinho Filho.

Código Penal38, pois se assim o quisesse o legislador teria expressamente feito

dispor na lei, como o fez no inciso II do art. 76 da Lei n. 9.099/1995.

Entrementes, Marcos Paulo Dutra Santos39 esboça posicionamento interessante no sentido de que houve omissão involuntária em dito inciso, pois:

A tradição da ordem jurídica penal pátria é absoluto respeito ao princípio da temporariedade quanto à condenação anterior. Até em homenagem à dignidade humana, um dos pilares do Estado Democrático de Direito, ex vi do art. 1º, III, da Constituição, não seria razoável, nem mesmo humano, emprestar à condenação criminal efeitos penais eternos. (...) Ora, se o intuito da Lei 9.099/1995 é despenalizar, há de se privilegiar a interpretação que amplie as hipóteses de transação penal, e não a que as restrinja. Não se pode esquecer que as normas restritivas de direitos devem ser interpretadas da maneira mais restrita possível, mormente em Direito Penal, onde o que está em jogo, em última análise, é o status libertatis do sujeito.

O Supremo Tribunal Federal recentemente resolveu40:

PROCESSO CRIMINAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL. TRANSAÇÃO PENAL. ADMISSIBILIDADE. MAUS ANTECEDENTES. DESCARACTERIZAÇÃO. REINCIDÊNCIA. CONDENAÇÃO ANTERIOR. PENA CUMPRIDA HÁ MAIS DE 5 (CINCO) ANOS. IMPEDIMENTO INEXISTENTE. HC DEFERIDO. Inteligência dos arts. 76, § 2º, III, e 89 da Lei nº 9.099/95. Aplicação analógica do art. 64, I, do CP. O limite temporal de cinco anos, previsto no art. 64, I, do Código Penal, aplica-se, por analogia, aos requisitos da transação penal e da suspensão condicional do processo.

Sendo assim, corroborado na interpretação supra, pensa-se que é possível a transação penal se a sentença condenatória impeditiva da concessão tiver transitado em julgado há mais de cinco anos, apesar do silêncio da lei.

38 O artigo 64, I, do Códi

go Penal, apregoa: “Para efeito de reincidência: I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5(cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação.”

39 Op. cit., p. 132.

40 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC n. 86646/SP. Relator Ministro Cezar Peluso. Julgamento

O inciso II estipula prazo para a concessão de novo benefício exatamente porque o objetivo da lei é beneficiar o autor de infrações de menor potencial ofensivo, e não estimular as suas práticas.

Para o fim de verificação da ocorrência dessa causa impeditiva da transação, a Lei n. 9.099/1995 previu, no art. 76, §4º, que a sentença que acolher a transação penal será registrada tão somente para impedir a nova concessão da benesse no prazo de cinco anos.

Já o inciso III traz o único quesito de natureza subjetiva da Lei n. 9.099/1995. A análise dos antecedentes, da conduta social, da personalidade do suposto autor do fato, dos motivos e das circunstâncias da infração é importante pois o instituto da transação deve se mostrar adequado ao caso concreto e suficiente, ou seja, bastante à consecução dos fins almejados. Não pode dessarte ser usado como um estímulo à impunidade.

Não obstante, dito requisito deve ser observado com muita cautela e bom senso visto que, geralmente, com a simples análise de um termo circunstanciado de ocorrência, não se configura possível a abstenção efetiva de todos os indicativos da lei.

Desse modo, uma recusa da propositura ou da homologação da transação penal com esteio neste inciso deverá ser devidamente motivada, fundamentada, até porque se trata de requisitos subjetivos e, como o próprio nome indica, demandam de uma avaliação pessoal, podendo assim variar de indivíduo a indivíduo.

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