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Universidade Federal do Ceará Curso de Graduação em Direito

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TRANSAÇÃO PENAL: CONSEQUÊNCIAS DO DESCUMPRIMENTO

DO ACORDO PELO BENEFICIADO. POLÊMICAS E

POSICIONAMENTOS.

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará

– UFC, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Direito

Orientador: Prof. Dr. Nestor Eduardo Araruna Santiago.

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Universidade Federal do Ceará

Curso de Graduação em Direito

Título do Trabalho: Transação penal: conseqüências do descumprimento do acordo pelo beneficiado. Polêmicas e posicionamentos.

Autora: Maria Cláudia Fontes Amador Dodt Viana.

Apresentação em 15 de janeiro de 2007.

Banca Examinadora

______________________________ Nota _____________________________ Professor(a)

Titulação:

______________________________ Nota _____________________________ Professor(a)

Titulação:

______________________________ Nota _____________________________ Professor(a)

Titulação:

(3)

Ao Dr. Ricardo Ribeiro Campos, Juiz Federal Substituto da 11ª Vara da Seção Judiciária do Ceará, por toda colaboração prestada, indispensável à produção desta monografia.

(4)

Agradeço

A Deus, pela vida maravilhosa e a força com que tem me sustentado.

Ao meu estimado marido Daniel Viana, pela paciência e ajuda nos momentos mais difíceis desta jornada de estudo.

(5)

“Quereis prevenir os crimes? Fazeis leis

simples e claras; fazei-as amar; e esteja a nação inteira pronta a armar-se para defendê-las, sem que a minoria de que falamos se preocupe constantemente em destruí-las. Não favoreçam elas nenhuma classe particular; protejam igualmente cada membro da sociedade; receie-as o cidadão e trema somente diante delas. O temor que as leis inspiram é salutar, o temor que os homens inspiram é uma fonte funesta de crimes.."

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RESUMO

A Justiça Criminal reclama mudanças estruturais e profundas. Problemas graves e alarmantes como a morosidade na solução das lides, a prescrição, o descaso com a vítima, a superlotação dos presídios, o aumento galopante da criminalidade assolam a mente dos operadores do Direito. Nesse contexto, visando a redução de tamanhos problemas, a Constituição Federal de 1988 previu, no art. 98, I, o instituto da transação penal e, posteriormente, a Lei 9.099/1995 regulou a benesse legal. Através de um procedimento abreviado, baseado na Justiça Consensual, o autor de uma infração de menor potencial ofensivo que se adequar aos requisitos legais se vê liberto de um processo criminal condenatório e submete-se, se assim consentir, a um proceder célere que aplica uma penalidade, que pode ser de multa ou restritiva de direitos, e que, uma vez cumprida, será declarada extinta a punibilidade. Com a transação penal, não se questiona nem se assume a culpabilidade do fato delituoso e tampouco se computa reincidência. É um benefício legal para os infratores de delitos de somenos importância, entendendo-se como tais aqueles ilícitos cuja pena máxima seja de até dois anos. A Lei 9.099/1995 estipula requisitos de ordem objetiva e subjetiva para a concessão do acordo e discrimina o procedimento a ser seguido. A sentença que aplica a avença penal é tão somente homologatória do acordo, dela sendo interponível apelação. Entretanto, se o magistrado entender incabível a convenção penal, considerando o silêncio da lei e o princípio da fungibilidade recursal, admitem-se variadas medidas recursais, como o mandado de segurança, o habeas corpus, a apelação, correição parcial etc. Se o beneficiado com a pena pactuada vier a descumprir a avença, variadas serão as conseqüências apresentadas pela doutrina. Contudo, adota-se no presente trabalho o entendimento traçado pelo Supremo Tribunal Federal de que a inadimplência da transação penal acarreta a desconstituição do acordo e devolve ao Ministério Público o dever de denunciar o autor do fato.

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ABSTRACT

Criminal Justice complains structural and deep changes. Serious and alarming problems as the delay in the solution of you deal them, the lapsing, the indifference with the victim, the supercapacity of the penitentiaries, the immense increase of crime devastate the mind of the operators of the Right. In this context, aiming at the reduction of so great problems, the Federal Constitution of 1988 foresaw, in art. 98, I, the institute of criminal transaction e, later, Law 9.099/1995 regulated benefit it legal. Through a shortened procedure, based in Justice Business, the author of an infraction of offensive potential minor who if to adjust to the legal requirements if sees frees of a condemnatory criminal proceeding and submits itself, if thus to assent, to one to proceed fast that it applies a penalty, that can be of restrictive fine or of rights, and that, a fulfilled time, will be declared extinct the punshability. With a criminal transaction, if it does not question nor if it assumes the culpability of the delictual fact and neither relapse is computed. It is a legal benefit for the infractors of delicts of small importance, understanding itself as such those illicit ones whose maximum penalty is of up to two years. Law 9.099/1995 stipulates requirements of objective and subjective order for the concession of the agreement and discriminates the procedure to be followed. The sentence that applies the criminal agreement is so only homologate of the agreement, of it being adjusted appeal. However, if the magistrate to understand inadequate the criminal convention, considering the silence of the law and the principle of the resource substitute, is admitted varied measured relative the resources, as the corpus, mandamus habeas, appeal, partial correição etc. If the benefited one with the agreed to penalty to come to disregard the agreement varied will be the consequences presented for the doctrine. However, the agreement traced for the Supreme Federal Court is adopted in the present work of whom the insolvency of the criminal transaction causes the undo of the agreement and returns to the Public prosecution service the duty to denounce the author of the fact.

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SUMÁRIO

Resumo

Introdução ...10

Capítulo 1 Considerações Iniciais...12

1.1. A crise da Justiça Penal...12

1.2. A Justiça Consensual Criminal...15

1.3. Leis n. 9.099/1995, n. 10.259/2001 e n. 11.313/2006...17

1.4. Delitos equiparados para fins procedimentais às infrações de menor potencial ofensivo...21

1.5. Medidas despenalizantes contempladas na Lei n. 9.099/1995...23

Capítulo 2 – Transação Penal...29

2.1. Conceito...29

2.2. Natureza Jurídica...33

2.3. Requisitos da transação penal...39

2.4. Procedimento legal da transação penal...44

Capítulo 3 – Descumprimento da Transação Penal...49

3.1. A natureza jurídica da decisão da transação penal...48

(9)

3.3. Conseqüências do descumprimento do acordo penal pelo beneficiado...56

Conclusão...69

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INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como escopo analisar as conseqüências do descumprimento da transação penal para o beneficiado. Questão de suma relevância posto que, a depender da compreensão assimilada, diversos serão os efeitos jurídicos decorrentes da inexecução da avença penal.

Sabe-se que em um Estado Democrático de Direito, onde reina o basilar princípio da isonomia, é inconcebível o tratamento diferenciado a pessoas em iguais condições1. Ou seja, a postura das autoridades competentes frente à inadimplência do acordo penal deve ser a mesma para todos os que incorrerem nessa situação.

Contudo, não é isso o que se percebe no atual cenário jurídico brasileiro. Tendo em vista que há variados entendimentos acerca dos efeitos do descumprimento da convenção penal, magistrados estão a proceder de modo a ferir o postulado da igualdade no Brasil porquanto, a depender da postura assumida, decidem de modo a acarretar destinos jurídicos diversos a inexecutores do pacto.

Dessarte, busca-se expor no corrente trabalho os posicionamentos existentes e seus fundamentos acerca da insatisfação da convenção penal para, alfim, salvaguardar o único que se vislumbra condizente com a intencionalidade legislativa do novel instituto da transação penal.

1 Acerca do princípio da isonomia, bem dispôs Alexandre de Moraes “o princípio da igualdade

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Para tanto, examina-se o contexto social e jurídico em que surgiu a Lei 9.099/1995, diploma que estabeleceu o pacto penal no Brasil, bem como, por oportuno, comentam-se as medidas despenalizantes condecoradas nessa legislação.

Empós, faz-se um estudo específico da transação penal, dispondo-se acerca do seu conceito, natureza jurídica, requisitos legais para concessão e procedimento a ser observado.

Seguidamente, dispõe-se sobre a natureza jurídica da sentença que aplica a penalidade transacionada e os recursos interponíveis tanto do decisium concessório como denegatório do ajuste penal.

Por derradeiro, passa-se ao cerne deste trabalho. Serão esmiuçadas, de forma pormenorizada, as conseqüências do descumprimento da sanção acordada para beneficiado.

Verificam-se as posturas existentes, seus partidários, as críticas postas e a tese que se compreende compatível com a benesse penal e com o ordenamento jurídico pátrio.

Para o embasamento desta obra foram utilizados como fontes de pesquisa livros, revistas, artigos doutrinários em meio impresso e na internet, bem como a constante análise de julgados do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social.”

(12)

CAPÍTULO 1

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

1.1 A crise da Justiça Penal

A Justiça Penal no Brasil reclama profundas mudanças estruturais. A lentidão na resolução dos conflitos, a ineficácia dos resultados e a crença na impunidade assola a mente da maioria da população do país.

Os cidadãos, no geral, vislumbram na Justiça não uma via para assegurar os seus direitos, mas, sim, um itinerário demasiado burocrático que diversas vezes leva ao nada. Pleiteia-se o processo de resultado, célere, eficaz, mas obtém-se exatamente o inverso.

Anseia a sociedade em ver a satisfação civil e penal de quem sofreu violação em seus direitos, mas as vítimas de crimes são desprotegidas e pouco valorizadas, quiçá até esquecidas, pelo Estado brasileiro.

A criminalidade aumenta em proporções vorazes, resultando na inversão de papéis, ou seja, a população se torna prisioneira dos delinqüentes, amedrontada e temerosa2.

2 Retratam fidedignamente a situação atualmente vivenciada no Brasil os seguintes versos da canção

“A minha alma”, letra de Marcelo Yuka, música d’ “O Rappa’” “As grades do condomínio são pra

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Outra questão significativa a fazer repensar o sistema penal pátrio é a superlotação dos presídios, o esquecimento dos que lá estão e as condições nada dignas dos detentos.

Percebe-se que infratores de crimes mais simples, que ofendem em menor grau a ordem jurídica, a vida e a segurança das pessoas, são levados ao cárcere juntamente com criminosos de alto potencial ofensivo.

Tal fato é de todo preocupante e alarmante. É notório que a prisão não

“cura” criminosos. Ao contrário, verifica-se exatamente o oposto: os delinqüentes

saem “piores” do que ingressaram, ou porque foram reforçadas a violência e a

criminalidade, ou porque o infrator, ao se ver liberto do cárcere, está degradado de tal modo que a sociedade lhe interpõe grandes dificuldades de reintegração, privando-lhe de trabalhos, figurando o retorno à prática de crimes, desta forma, como única alternativa para obter algum numerário.

Érica Soares Catão3 asseverou:

As deficiências das penitenciárias são notoriamente conhecidas pela população brasileira. Elas realçam a incapacidade do Poder Executivo em desempenhar mais uma de suas atribuições, o controle da execução penal. Porém, além de se tratar de um problema penitenciário, o grave quadro das prisões no Brasil relaciona-se com a crise da pena de prisão, largamente anunciada pelos especialistas na área. Existe um incrível consenso na doutrina do direito penal quanto ao fracasso da pena privativa de liberdade, havendo alguma divergência tão somente quanto à solução a ser adotada, se sua reforma, ou sua completa abolição.

Damásio E. de Jesus4 analisa com bastante propriedade o conteúdo

antedito:

É, pois, crença errônea, arraigada na consciência do povo brasileiro, a de que somente a prisão configura a resposta penal (João Marcello de Araújo

3 A pena privativa de liberdade sob o enfoque de suas finalidades e a visão do sistema punitivo pela

comunidade discente da UEPB. Disponível em: <www.jus.uol.com.br>. Acesso em 20.dez.2006, 10:06.

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Júnior, Sistema penal para o terceiro milênio, cit., p. 78). A pena privativa de liberdade, quando aplicada genericamente a crimes graves e leves, o que

Michel Foucault chamaria de “punição generalizada” (Vigiar e Punir, ob. cit., p. 69), só intensifica o drama carcerário e não reduz a criminalidade. Com uma agravante: a precariedade dos estabelecimentos prisionais no Brasil, como observa José Ferreira, “propicia o convívio indistinto de pessoas de

periculosidades diversas, constituido-se numa autêntica universidade do crime organizado, onde os detentos assimilam as sofisticadas condições e técnicas voltadas para a prática criminosa” (A crise de recursos no sistema

penitenciário nacional, Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Brasília, 1(3):39, 1994). Por isso, como diz Raúl Eugencio

Zaffaroni, “devemos estar convencidos de que a pena privativa de liberdade é o recurso extremo com que conta o Estado para defender seus habitantes

das condutas antijurídicas de outros” (Política criminal latinoamericana,

Buenos Aires, Ed. Hammurabi, 1982, p. 29, d).

Dessarte, almejando oferecer soluções aos problemas da criminalidade e da população carcerária, o professor Damásio de Jesus5 apresenta três pontos a ser

trabalhados e desenvolvidos pelo Poder Público e a sociedade, a saber: redução da criminalidade, agilização da Justiça e diminuição da população carcerária.

A tamanhas questões, a doutrina e a legislação pátrias, com fulcro no Movimento de Política Criminal da Nova Defesa Social, estão progredindo, salvo algumas exceções6, no sentido de buscar a atualização, melhora e humanização da atividade punitiva, com ênfase na defesa das garantias do cidadão, na ressocialização do preso e na despenalização.

A Lei 9.099/1995, fruto dessa ideologia, criou instrumentos notadamente despenalizantes visando à não privação da liberdade, proporcionando a diminuição

5 Ibid., p. 8.

6 Na realidade, a legislação penal brasileira têm-se mostrado inconstante e atécnica, não se pautando

em uma diretriz ideológica definida. Por vezes, o Poder Legislativo elabora leis seguindo uma postura mais repressiva, recrudescendo penas e ampliando possibilidades de prisões cautelares, tal qual apregoado pelo Movimento Lei e Ordem (a título de exemplos: a Lei Federal nº 8.072/1990, Lei dos Crimes Hediondos, e a Lei Federal nº 9.034/1995, Lei de Combate às Organizações Criminosas). Em outras, busca a despenalização, defendida pelo Movimento da Nova Defesa Social, podendo-se citar como exemplo a Lei nº 9.099/1995, Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Infelizmente, percebe-se que os parlamentares brasileiros são guiados por interesses políticos e eleitoreiros havidos em seus mandatos, produzindo diplomas legiferantes de acordo com apelos da mídia, atualmente quase

tida como “um quarto Poder”, e da população que crê erroneamente que o aumento de penas é o

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dos presidiários, à solução célere das lides, à composição dos danos civis da vítima, dentre outros, consoante se verá no decorrer da presente monografia.

1. 2 A Justiça Consensual Criminal

Intentando a efetividade processual, a desburocratização e a simplificação da Justiça, percebeu-se que a solução das controvérsias penais em certas infrações, principalmente quando as monta, poderia ser atingida pelo método consensual.

Rafael Lopes do Amaral7 discorreu acerca da Justiça Consensual:

Nesse contexto impregnado de novas idéias de reforma eficiente do processo e da justiça é que se insere marcante preferência pela solução consensual, pela via de conciliação. De um lado, a conciliação realizada fora do processo entre os interessados e, de outro, aquela obtida no processo pelas partes e estimulada pelo juiz da causa. Constatou-se enfim que é preciso dinamizar o processo para sua função instrumental, servindo aos anseios de uma justiça rápida, mais eficiente, e, para isso, algumas idéias passam a ser propaladas e tenazmente defendidas: a) é necessário estimular o uso de vias alternativas para a solução dos litígios, fora do âmbito judiciário ou dentro deste, ficando a resolução clássica, mais morosa, para as causas de maior complexidade ou relevância; b) dentro do âmbito judiciário, deve-se preferir a via alternativa da conciliação e que, de preferência, evite a instauração formal do processo; c) para a conciliação, exige-se do juiz um novo papel, pois fica ele incumbido de estimular o acordo entre as partes na busca da solução mais rápida e justa; e) os procedimentos devem ser marcados pela celeridade e pela oralidade para tornar a justiça menos burocratizada; f) devem ser chamados a participar dos debates conciliatórios não só as partes formais da ação, mas outros interessados no litígio, como a vítima no processo criminal; g) deve-se estimular a colaboração dos leigos na conciliação.

A Justiça Negocial ou Consensual já foi assimilada por diversos países do mundo, como Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Itália, França, Portugal,

7 A ação penal privada e os institutos da Lei dos Juizados Especiais Criminais. Disponível em:

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Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai, Venezuela, Colômbia etc.. Nesse sentido, disserta Antônio Scarance Fernandes8:

A grande novidade entre os países da Europa continental, bem como nos da América Latina, está no uso do consenso entre as partes e da conformidade do acusado como critério para a alternatividade. É tamanha a importância desse fator que se alude a um novo paradigma de justiça, a justiça consensual.

O Brasil igualmente aderiu à consensualidade inicialmente na seara cível quando, em 1984, o Poder Legislativo, embasado nas experiências alienígenas de sucesso, criou os Juizados Especiais de Pequenas Causas voltados para o processamento das causas cíveis de menor complexidade, ou seja, as que alcançassem até, à época, o patamar de vinte salários mínimos, com fulcro no instituto da conciliação.

Com o bom resultado prático dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, o constituinte originário de 1988 deu um passo mais audacioso e previu, no art. 98, I, a criação de Juizados Especiais Cíveis e também Criminais, nos seguintes termos:

A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - Juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.

Ada Pellegrini Grinover et alii enalteceram:

A Lei 9.099/95, de 26.09.1995, como se percebe, inovou profundamente nosso ordenamento jurídico-penal. Cumprindo-se uma determinação constitucional (CF, art. 98, I) foi posto em prática (se bem que ainda de

8 Teoria geral do procedimento e o procedimento no processo penal. São Paulo: Revista dos

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modo precário, em razão da não criação formal dos Juizados) um novo modelo de Justiça criminal. É uma verdadeira revolução (jurídica e de mentalidade), porque quebrou-se a inflexibilidade do clássico princípio da obrigatoriedade da ação penal. Abriu-se no campo penal um certo espaço para o consenso. Ao lado do clássico princípio da verdade material, agora temos que admitir também a verdade consensuada.

No próximo tópico será exposto, de forma sucinta, o percurso legislativo empreendido para a consecução da atual regulamentação dos Juizados Especiais.

1. 3 Leis n. 9.099/1995, n. 10.259/2001 e n. 11.313/2006

Antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988, dois juízes de São Paulo ofereceram à Associação Paulista de Magistrados minuta de Anteprojeto de lei federal disciplinando a matéria dos Juizados Especiais.

Com a promulgação da Magna Carta, o então Presidente do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, Juiz Manoel Veiga de Carvalho, constituiu grupo de trabalho para examinar a proposta de Anteprojeto.

Compuseram o antedito grupo magistrados e membros do Ministério Público, bem como a professora titular de processo penal da Faculdade de Direito da USP Ada Pellegrini Grinover.

Após debates e sugestões, foi então o Anteprojeto, agora aperfeiçoado, apresentado ao Deputado Michel Temer, que o transformou no Projeto de Lei 1.480/89.

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da Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispôs sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e deu outras providências.9

Através da Emenda Constitucional n. 20, de 18 de março de 1999, o Congresso Nacional acrescentou o parágrafo único ao art. 98 da Constituição Federal, possibilitando expressamente a criação dos juizados especiais no âmbito da Justiça Federal, vindo, posteriormente, a Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, a transformar citado parágrafo único em parágrafo primeiro.

Elaborada neste contexto, a Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001, dispôs sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.

Criou-se enorme celeuma no cenário jurídico brasileiro com a elaboração desta lei. Maior parte das contendas girava em torno do conceito de crime de menor potencial ofensivo e de quais eram os procedimentos abrangidos pela legislação.

O art. 61 da Lei n. 9.099/1995 asseverava que eram infrações de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a lei cominasse pena máxima não superior a um ano, excetuando-se os casos legais de procedimento especial.

Já o art. 2° da Lei n. 10.259/2001 considerava ilícitos de menor potencial ofensivo os crimes a que a lei cominasse pena máxima não superior a dois anos ou multa.

Para uniformizar as decisões e acalentar os ânimos, a Lei n. 11.313, de 28 de junho de 2006, conferiu nova redação aos artigos 60 e 61, da Lei n. 9.099/1995, e 2º, da Lei n. 10.259/2001.

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O art. 61 da Lei n. 9.099/95 passou a figurar da seguinte forma:

“Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não

superior a 2(dois) anos, cumulada ou não com multa”.

Já o caput do art. 2º da Lei n. 10.259/2001 atualmente prevê: “Compete

ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo, respeitadas as

regras de conexão e continência.”

Ou seja, nos dias de hoje somente a Lei n. 9.099/1995 determina o que é a infração penal de menor potencial ofensivo. O conceito é geral, valendo tanto para os Juizados Especiais Estaduais e Distritais como para os Federais, encerrando o debate acerca do conceito desse tipo de delito.

Como a disposição transcrita tornou-se a única pertinente ao conceito de infração de menor potencial ofensivo, também se pacificou que, independe do procedimento legal previsto, se especial ou não, qualquer injusto apenado até dois anos será da competência dos Juizados Especiais.

Releva-se que, em se tratando de crime eleitoral de menor potencial ofensivo, a competência para processo e julgamento não será dos Juizados Especiais Criminais, mas sim da Justiça Eleitoral.

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Pelas mesmas razões expendidas, aos processos da competência dos Tribunais deverão ser aplicados os mecanismos despenalizantes da Lei n. 9.099/1995 por ditos colegiados, quando presentes os requisitos legais.

O Supremo Tribunal Federal10 posicionou-se nesse sentido:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE LESÕES CORPORAIS. DENÚNCIA. PROMOTOR DE JUSTIÇA PROCESSADO PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECUSA DO TRIBUNAL EM POSSIBILITAR A COMPOSIÇÃO CIVIL E A TRANSAÇÃO. ALEGAÇÃO DE INAPLICABILIDADE EM PROCEDIMENTO ESPECIAL. LEI 9.099/95. I. - Os preceitos de caráter penalmente benéficos da Lei 9.099/95 aplicam-se a qualquer processo penal, inclusive nos Tribunais. Precedentes do STF: Inq. 1.055-AM (Questão de Ordem), C. de Mello, RTJ 162/483; HC 76.262-SP, O. Gallotti, "DJ" 29/5/98. II. - HC deferido.

Contudo, excetuou-se que as disposições da Lei n. 9.099/1995 não se aplicam à Justiça Militar, consoante previsto no art. 90-A da dita Lei de 1995, incluído pela Lei n. 9.839, de 27 de setembro de 1999, ou seja, nos crimes da competência da Justiça Militar, não incidem quaisquer instrumentos despenalizantes delineados na Lei n. 9.099/1995.

Tal restrição somente foi introduzida pela Lei n. 9.839/1999. Por conseguinte, os crimes militares cometidos antes da entrada em vigor de dita legislação admitem as medidas despenalizantes da Lei n. 9.099/1995, conforme apregoou Marcos Paulo Dutra Santos11 em sua obra, a saber:

Por outro lado, em se tratando de crime da competência da Justiça Militar, restam afastadas a competência dos Juizados Especiais Criminais e a incidência de qualquer dos instrumentos despenalizantes delineados na Lei 9.099/1995. (...) Contudo, é oportuno gizar que tal restrição apenas foi introduzida na legislação a partir da Lei nº 9839 de 27 de setembro de 1999. Por conseguinte, os crimes militares cometidos antes da entrada em vigor do citado diploma legal admitem a transação penal e/ou a suspensão condicional do processo, haja vista a natureza mista destes institutos, que têm repercussão tanto processual quanto material, vez que conservam o estado de inocência dos acusados. A Lei 9839/99, por ser maléfica ao réu,

10 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 77303/PB. Relator Min. Carlos Velloso, Julgamento em

15.set.1998, Segunda Turma, Publicação DJ 30.out.1998, p. 4.

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possui eficácia apenas ex nunc, alcançando os crimes cometidos após a sua vigência.

1.4 Delitos equiparados para fins procedimentais às infrações de menor

potencial ofensivo

É significativo tecer alguns comentários sobre os crimes equiparados, apenas para fins procedimentais, às infrações penais de menor potencial ofensivo. São diplomas legiferantes posteriores à Lei n. 9.099/1995 que previram critérios diferenciados para a aplicabilidade do rito disposto na Lei dos Juizados Especiais.

Não há impedimento a tal fato posto que o constituinte originário atribuiu de forma ampla ao legislador federal poder para definir as infrações de menor potencial ofensivo. Entretanto, deve ser respeitado o princípio da proporcionalidade na orientação de não se considerar delitos de somenos ofensividade infrações graves como, por exemplo, o ilícito de latrocínio.

Ada Pellegrini Grinover et alii 12 discorreram:

A definição das infrações de menor potencial ofensivo na Lei 9.099/95 destina-se à aplicação desta lei, tanto assim que, no artigo enfocado, consta

expressamente o seguinte: ‘Consideram-se infrações de menor potencial

ofensivo, para os efeitos desta lei.’ Assim, não há impedimento a que leis posteriores possam prever outras infrações de menor potencial ofensivo, utilizando os mesmos critérios da pena máxima e do procedimento especial da Lei 9.099, ou critérios diferentes, como o da natureza da infração.

O Código de Trânsito Nacional, Lei n. 9.503/1997, em seu art. 291, parágrafo único, previu que seriam suscetíveis de transação penal os delitos de lesão corporal culposa decorrente de acidente de trânsito (art. 303), embriaguez ao volante (art. 306) e de participação em competição não autorizada (art. 308).

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Considerando que infração de menor potencial ofensivo é aquela com pena máxima in abstracto não superior a dois anos, encontram-se no Código de Trânsito Nacional os seguintes crimes com esta classificação: art. 303, caput (lesão corporal culposa decorrente de acidente de trânsito); art. 304 (omissão de socorro); art. 305 (fuga à responsabilidade penal ou civil); art. 307 (violação da suspensão ou proibição quanto à permissão ou à habilitação); art. 308 (participação em competição não autorizada); art. 309 (falta de permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor); art. 310 (permitir, confiar ou entregar a direção a pessoa sem condições de conduzi-lo); art. 311 (velocidade incompatível em determinados locais) e art. 312 (inovação artificiosa na pendência de inquérito ou processo).

Portanto, apenas os crimes de homicídio culposo (art. 302), lesão corporal culposa qualificada (art. 303, parágrafo único) e embriaguez ao volante (art. 306) escapariam da alçada na Lei n. 9.099/95. Porém, em relação ao delito de embriaguez ao volante, tal não se deu perante a determinação do parágrafo único do art. 291.

O delito de embriaguez ao volante (art. 306) prevê pena de detenção de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor, não sendo então este um crime de menor potencial ofensivo nos termos em que previstos na Lei n. 9.099/1995, apesar de haver a expressa possibilidade legal de aplicação da transação penal à espécie.

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Como o procedimento será o da Lei n. 9.099/1995, em tese haverá possibilidade de aplicação dos institutos despenalizantes assegurados nessa Lei, haja vista integrarem o devido processo legal dos Juizados Especiais Criminais.

Logo, os ilícitos cujas penas forem superiores a dois anos constantes no art. 94 do Estatuto do Idoso e no parágrafo único do art. 291 do Código de Trânsito Nacional continuarão a ser da competência do Juízo Comum, e não dos Juizados Especiais, os quais só têm competência para os delitos apenados até dois anos, porém o rito a ser seguido pelo magistrado será, nos mencionados crimes cuja pena for superior a dois anos, o determinado na Lei n. 9.099/1995.

Acentua-se, como já dito, nada impedir que lei ordinária estenda a transação penal a delitos outros além daqueles definidos como de menor potencial ofensivo na Lei n. 9.099/1995.

1.5 Medidas despenalizantes contempladas na Lei n. 9.099/1995

Despenalização significa abrandar a pena de um delito sem descriminalizá-lo, ou seja, sem extrair da conduta o seu caráter de delito penal, dando-se também quando o legislador de alguma forma procura evitar que a sanção penal seja aplicada.

(24)

Maurício Macêdo dos Santos e Viviane Amaral Sêga13 preceituaram:

A despenalização está ligada à idéia de expulsar ou diminuir a pena de um delito sem descriminalizá-lo, ou seja, o delito continua ilícito penal, porém, aplica-se as medidas alternativas à pena privativa de liberdade. De acordo

com Luiz Flávio Gomes: ‘Despenalizar significa adotar processos ou

medidas substitutivas ou alternativas, de natureza penal ou processual, que visam, sem rejeitar o caráter ilícito da conduta, dificultar ou evitar ou restringir a aplicação da pena de prisão ou sua execução ou, ainda, pelo

menos sua redução’. Assim, a Lei dos Juizados Especiais Criminais surgiu

como instrumento despenalizador de maior relevância no mundo jurídico-penal inovando com a introdução de instrumentos como a transação jurídico-penal do artigo 76, a necessidade de representação nos casos de lesões corporais leves e culposas - artigo 88 e a composição dos danos - artigo 74.

Desse modo, a Lei n. 9.099/1995 fez inserir importantes institutos despenalizantes no ordenamento jurídico brasileiro: composição dos danos civis com eficácia penal, transação penal, suspensão condicional do processo e exigência de representação nos crimes de lesão corporal dolosa leve ou culposa.

A seguir, rica e elucidativa ementa do Supremo Tribunal Federal dispondo sobre as inovações da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais:

INQUÉRITO - QUESTÃO DE ORDEM - CRIME DE LESÕES CORPORAIS LEVES IMPUTADO A DEPUTADO FEDERAL - EXIGÊNCIA SUPERVENIENTE DE REPRESENTAÇÃO DO OFENDIDO ESTABELECIDA PELA LEI N. 9.099/95 (ARTS. 88 E 91), QUE INSTITUIU OS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS - AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA - NORMA PENAL BENÉFICA - APLICABILIDADE IMEDIATA DO ART. 91 DA LEI N. 9.099/95 AOS PROCEDIMENTOS PENAIS ORIGINÁRIOS INSTAURADOS PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CRIME DE LESÕES CORPORAIS LEVES - NECESSIDADE DE REPRESENTAÇÃO DO OFENDIDO - AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA. - A Lei n. 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, subordinou a perseguibilidade estatal dos delitos de lesões corporais leves (e dos crimes de lesões culposas, também) ao oferecimento de representação pelo ofendido ou por seu representante legal (art. 88), condicionando, desse modo, a iniciativa oficial do Ministério Público à delação postulatória da vítima, mesmo naqueles procedimentos penais instaurados em momento anterior ao da vigência do diploma legislativo em questão (art. 91). - A lei nova, que transforma a ação pública incondicionada em ação penal condicionada à representação do ofendido, gera situação de inquestionável benefício em favor do réu, pois impede, quando ausente a delação postulatória da vítima, tanto a instauração da persecutio criminis in judicio quanto o prosseguimento da

13 Sobrevivência do princípio da insignificância diante das disposições da Lei 9099/95. Disponível em:

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ação penal anteriormente ajuizada. Doutrina. LEI N. 9.099/95 - CONSAGRAÇÃO DE MEDIDAS DESPENALIZADORAS - NORMAS BENÉFICAS - RETROATIVIDADE VIRTUAL. - Os processos técnicos de despenalização abrangem, no plano do direito positivo, tanto as medidas que permitem afastar a própria incidência da sanção penal quanto aquelas que, inspiradas no postulado da mínima intervenção penal, tem por objetivo evitar que a pena seja aplicada, como ocorre na hipótese de conversão da ação pública incondicionada em ação penal dependente de representação do ofendido (Lei n. 9.099/95, arts. 88 e 91). - A Lei n. 9.099/95, que constitui o estatuto disciplinador dos Juizados Especiais, mais do que a regulamentação normativa desses órgãos judiciários de primeira instância, importou em expressiva transformação do panorama penal vigente no Brasil, criando instrumentos destinados a viabilizar, juridicamente, processos de despenalização, com a inequívoca finalidade de forjar um novo modelo de Justiça criminal, que privilegie a ampliação do espaço de consenso, valorizando, desse modo, na definição das controvérsias oriundas do ilícito criminal, a adoção de soluções fundadas na própria vontade dos sujeitos que integram a relação processual penal. Esse novíssimo estatuto normativo, ao conferir expressão formal e positiva às premissas ideológicas que dão suporte às medidas despenalizadoras previstas na Lei n. 9.099/95, atribui, de modo conseqüente, especial primazia aos institutos (a) da composição civil (art. 74, parágrafo único), (b) da transação penal (art. 76), (c) da representação nos delitos de lesões culposas ou dolosas de natureza leve (arts. 88 e 91) e (d) da suspensão condicional do processo (art. 89). As prescrições que consagram as medidas despenalizadoras em causa qualificam-se como normas penais benéficas, necessariamente impulsionadas, quanto a sua aplicabilidade, pelo princípio constitucional que impõe a lex mitior uma insuprimível carga de retroatividade virtual e, também, de incidência imediata. PROCEDIMENTOS PENAIS ORIGINÁRIOS (INQUÉRITOS E AÇÕES PENAIS) INSTAURADOS PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - CRIME DE LESÕES CORPORAIS LEVES E DE LESÕES CULPOSAS - APLICABILIDADE DA LEI N. 9.099/95 (ARTS. 88 E 91). - A exigência legal de representação do ofendido nas hipóteses de crimes de lesões corporais leves e de lesões culposas reveste-se de caráter penalmente benéfico e torna consequentemente extensíveis aos procedimentos penais originários instaurados perante o Supremo Tribunal Federal os preceitos inscritos nos arts. 88 e 91 da Lei n. 9.099/95. O âmbito de incidência das normas legais em referência - que consagram inequívoco programa estatal de despenalização, compatível com os fundamentos ético-jurídicos que informam os postulados do Direito penal mínimo, subjacentes a Lei n. 9.099/95 - ultrapassa os limites formais e orgânicos dos Juizados Especiais Criminais, projetando-se sobre procedimentos penais instaurados perante outros órgãos judiciários ou tribunais, eis que a ausência de representação do ofendido qualifica-se como causa extintiva da punibilidade, com conseqüente reflexo sobre a pretensão punitiva do Estado.14

A composição dos danos civis com eficácia penal, prevista nos arts. 72 e seguintes da Lei n. 9.099/1995, conduz à extinção da punibilidade nos crimes de ação penal privada e de ação penal pública condicionada à representação. A

14 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Questão de Ordem no Inquérito n. 1055/AM. Relator Ministro

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homologação do acordo civil acarreta a renúncia ao direito de queixa ou de representação.

Afirma Cezar Roberto Bitencourt15 com propriedade:

Finalmente, a Lei 9.099/95 dá importância extraordinária à reparação do dano ex delicto, tornando-a prioritária em relação à composição penal. Tanto é verdade que, havendo composição dos danos civis, tratando-se de ação privada ou pública condicionada, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação (art. 74, parágrafo único). A sentença homologatória dos danos, que é irrecorrível, constitui título judicial, executável no juízo cível competente (art. 74). Enfim, o ordenamento jurídico brasileiro sempre adotou a separação das jurisdições penal e civil, no máximo admitindo a sentença condenatória como titulo judicial, agora, passa-se a adotar o sistema, ainda que excepcionalmente, de “cumulação das jurisdições”, vencendo resistências, como destacou Antônio Scarance Fernandes: ‘Em que pese a divergência, vai-se firmando tendência em admitir, de maneira mais ou menos ampla, a resolução da questão civil em

processo criminal’.

Já nos crimes de ação penal pública, a composição dos danos civis não dá ensejo à extinção da punibilidade, apenas a sentença homologatória da composição terá eficácia de título executivo a ser executado no Juízo Cível competente. Funcionará também a sentença homologatória como título executivo judicial nas ações penais privada e pública condicionada à representação.

A transação penal é um acordo pré-processual efetivado entre o suposto autor do fato e o titular da ação penal consistente na aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou no pagamento de multa no intuito de não ser instaurado o processo penal condenatório. O cumprimento do acordado acarreta a extinção da punibilidade sem a necessidade do estabelecimento de uma ação criminal.

A suspensão condicional do processo é prevista para os crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano. O Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro

(27)

anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal)16.

Se o beneficiado cumprir devidamente o período de prova, ao final do prazo estipulado será declarada extinta a sua punibilidade, conservando a primariedade, porquanto não foi julgado, não precisando, pois, se submeter ao deslinde do processo penal, com o interrogatório, a instrução e a prolação de uma sentença. Porém, se acaso deixar de obedecer a quaisquer das condições impostas, prosseguirá o processo seus ulteriores termos.

A exigência de representação nos crimes de lesão corporal dolosa leve ou culposa (art. 88 da Lei n. 9.099/1995) também figura como ditame despenalizador, pois tais condutas não mais justificam a inteira aplicabilidade do princípio da obrigatoriedade, ou seja, a ação que lesar a integridade física ou a saúde de outrem continua sendo crime, apenas a persecutio criminis estará condicionada à representação do ofendido ou de seu representante legal. Se não ofertada a representação no prazo legal, extinta será a punibilidade do crime.

Nessa acepção, Grinover et alii17 entenderam:

A transformação da ação penal pública incondicionada em ação pública condicionada significa despenalização. Sem retirar o caráter ilícito do fato, isto é, sem descriminalizar, passa o ordenamento jurídico a dificultar a aplicação da pena de prisão. De duas formas isso é possível: a) transformando-se a ação pública em privada; b) ou transformando-se a ação

15 Juizados especiais criminais federais: análise comparativa das leis 9.099/95 e 10.259/2001. São

Paulo: Saraiva, 2003, p. 91.

16Assegura o art. 77 do Código Penal: “A execução da pena privativa de liberdade, não superior a

2(dois) anos, poderá ser suspensa, por 2(dois) a 4(quatro) anos, desde que: I – o condenado não seja reincidente em crime doloso; II – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; III não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código. §1º A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício. §2º A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 4(quatro) anos, poderá ser suspensa, por 4(quatro) a 6(seis) anos, desde que o condenado seja maior de 70(setenta) anos, ou razões de saúde justifiquem a suspensão.”

(28)

pública incondicionada em ação condicionada. Sob a inspiração da mínima intervenção penal, uma dessas vias despenalizadoras (a Segunda) foi acolhida pelo artigo 88 da Lei 9.099/95.

É manifesta, portanto, a escala gradual de despenalização que a Lei n. 9.099/1995 disciplinou: inicialmente, a composição dos danos civis obstando o exercício da ação penal privada e pública condicionada à representação; após, a transação penal, impedindo o oferecimento da denúncia; depois, a suspensão condicional do processo, que impede o julgamento da contenda; e, por último, a necessidade de representação nos crimes de lesão corporal dolosa leve ou culposa, dificultando a instauração de uma ação penal e, consequentemente, a aplicação de uma pena em desfavor do réu.

(29)

CAPÍTULO 2

TRANSAÇÃO PENAL

2.1 Conceito

A transação penal é um benefício legal18 consistente na proposição ao investigado, por parte do Ministério Público, em audiência específica19 e quando

presente a justa causa para o exercício da ação penal, da imediata aplicação de sanção restritiva de direitos ou multa, tendo como finalidades precípuas evitar o ajuizamento de uma ação penal e a conseqüente condenação do indigitado à pena privativa de liberdade.

18O art. 76, caput, da Lei 9.099/1995, prescreve: “Havendo representação ou tratando-se de crime de

ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.”

19 O Supremo Tribunal Federal já decidiu quanto à necessidade da presença do Parquet na audiência

para propositura da transação penal: “TRANSAÇÃO PENAL HOMOLOGADA EM AUDIÊNCIA

REALIZADA SEM A PRESENÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO: NULIDADE: VIOLAÇÃO DO ART. 129, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal - que a fundamentação do leading case da Súmula 696 evidencia: HC 75.343, 12.11.97, Pertence, RTJ 177/1293 -, que a imprescindibilidade do assentimento do Ministério Público quer à suspensão condicional do processo, quer à transação penal, está conectada estreitamente à titularidade da ação penal pública, que a Constituição lhe confiou privativamente (CF, art. 129, I). 2. Daí que a transação penal - bem como a suspensão condicional do processo - pressupõe o acordo entre as partes, cuja iniciativa da proposta,

na ação penal pública, é do Ministério Público.” (Recurso Extraordinário n. 468161/GO. Relator

(30)

É instituto de natureza mista, previsto no art. 76 da Lei n. 9.099/1995, concedido em uma fase pré-processual para os imputados da prática de infrações penais de menor potencial ofensivo, quais sejam, contravenções penais ou crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa.

Diz-se de natureza mista, pois a transação repercute tanto na esfera penal quanto na processual penal do investigado. Em relação à primeira, verifica-se que a avença preserva o estado de inocência do beneficiado, conservando-lhe a primariedade e os bons antecedentes, e resguarda o status libertatis do mesmo, porquanto impede a aplicação de reprimenda privativa de liberdade. No concernente ao âmbito processual penal, a transação obsta o exercício da ação penal.

Acaso não existente a justa causa para o deslinde da ação penal, só restam ao Ministério Público duas situações: requerer o arquivamento das peças de informação ou solicitar cumprimento de diligências complementares por parte da autoridade policial para a formação da opinio delicti. Marcus Paulo Dutra Santos20 esclarece:

Como é cediço, para se exercer regularmente o direito de ação, hão de estar presentes as condições para tanto: possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir, legitimidade ad causam e justa causa. Ausente qualquer dessas condições, o exercício regular da ação torna-se inviável, não justificando, por conseguinte, a transação penal, mas sim o arquivamento do termo circunstanciado e das demais peças de informação. Sendo assim, a transação revela-se um instrumento mitigador do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, pois, em se tratando de infrações de menor potencial ofensivo, ainda que presentes as condições para o regular exercício da ação penal, o que tornaria obrigatório o oferecimento da denúncia, esta poderá não ser proposta, em prol de uma solução consensual entre o Ministério Público e o autuado.

(31)

proposta de transação penal por parte do Parquet, este não poderá injustificadamente se opor a fazê-la visto que é direito do suposto autor do fato ser agraciado com a disposição legal.

Fernando da Costa Tourinho Filho21, ao interpretar o caput do art. 76 da n.

Lei 9.099/1995 que versa que o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, analisa com virtude:

Uma vez satisfeitas as condições objetivas e subjetivas para que se faça a transação, aquele poderá converte-se em deverá, surgindo para o autor do fato um direito a ser necessariamente satisfeito. O Promotor não tem a liberdade de optar entre ofertar a denúncia e propor simples multa ou pena restritiva de direitos. Não se trata de discricionariedade. Formular ou não a proposta não fica à sua discrição. Ele é obrigado a formulá-la.

Se acaso o titular da ação penal não formular a proposição da benesse, é vedado ao magistrado agir de ofício e transacionar com o imputado. Deverá, segundo posicionamento firmado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, remeter os autos, em analogia ao artigo 28 do Código de Processo Penal22, ao Chefe do Ministério Público.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou:

PROCESSUAL PENAL – LEI 9.099/95 – TRANSAÇÃO PENAL –

PROPOSTA DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO – IMPOSSIBILIDADE –

TITULARIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. - Em eventual divergência sobre o não oferecimento da proposta de transação penal, resolve-se à luz do mecanismo estabelecido pelo art. 28, c/c art. 3º do CPP (encaminhar os autos ao Procurador Geral). - Precedentes. - Recurso provido para que sejam encaminhados os autos ao Procurador-Geral de Justiça.23

20 Op. cit., p. 98.

21Comentários à lei dos juizados especiais criminais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.95. 22

O art. 28 do Código de Processo Penal dita: “Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então

estará o juiz obrigado a atender.”

23 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 261570/SP. Relator Ministro Jorge

(32)

Aceitando o suposto autor da infração e o seu patrono a proposta, será então submetida ao crivo do magistrado que, acolhendo-a, aplicará a reprimenda ou a multa avençada, sendo a sentença da transação apenas registrada para impedir a concessão do mesmo benefício no prazo de cinco anos, não importando reincidência nem produzindo efeitos civis24.

O art. 76 da Lei n. 9.099/1995 é silente quanto à possibilidade de transação penal em delitos de ação penal privada e a legitimidade ativa de tal proposição. Parte da doutrina assevera não ser possível a efetivação de tal instituto nesse tipo de crime considerando a ausência de regulamentação legal, e outra

parcela entende plenamente admissível já que “quem pode mais pode menos”, ou

seja, se o querelante pode dispor da ação penal privada no sentido de apresentar ou não a queixa, então lhe seria plenamente devido oferecer proposta de transação penal ao querelado.

Solucionando dita polêmica, tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça já admitiram o benefício da transação penal em crimes da alçada privada.

O Superior Tribunal de Justiça decidiu 25:

CRIMINAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO HC. OMISSÃO. TRANSAÇÃO PENAL. AÇÃO PENAL PRIVADA. PROPOSTA. LEGITIMIDADE. EMBARGOS ACOLHIDOS. I - Tratando-se de delito que se apura mediante ação penal privada, a proposta deve ser feita pelo querelante. (Precedente do STF). II - Embargos acolhidos.” No mesmo

sentido: HC 17.601/SP, Relator: Ministro Hamilton Carvalhido, DJU 19.12.2002; HC 13.337/RJ, Relator: Ministro Felix Fischer, DJU 13.08.2001.

24 Nos termos dispostos no art. 76, §§4º e 6º, da Lei 9.099/1995.

25 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Habeas Corpus n. 33929/SP.

(33)

Apresentado o conceito da transação penal e tecidos alguns comentários importantes sobre o instituto, sobreleva definir qual a natureza jurídica da avença penal.

2.2. Natureza Jurídica

A natureza jurídica da transação é algo intensamente controvertido. Há teorias diversas tentando amoldá-la à ordem constitucional vigente, numerosos juristas de renome pensam diferentemente e desenvolvem estudos acerca da avença penal recentemente implantada no Brasil.

Ponderam Grinover et alii26:

A nosso ver, a sanção aplicada pelo juiz a pedido das partes (ou partícipes) tem incontestável natureza penal. Opiniões em contrário não têm o condão de mudar a realidade das coisas. A pena de multa e restritiva de direitos, em matéria de infrações penais de menor potencial ofensivo, têm índole criminal, e afirmar o contrário, para escapar às críticas quanto à pretensa inconstitucionalidade da transação penal, não presta um serviço à ciência.

E complementam acerca da aplicação da sanção criminal sem o devido processo legal27:

Pode-se afirmar, portanto, que a mesma Constituição, que estabeleceu o princípio da necessidade de processo para a privação da liberdade, admitiu a exceção, configurada pela transação penal para as infrações penais de menor potencial ofensivo: tudo no mesmo texto, promulgado em decorrência do poder constituinte originário. Por outro lado, a aceitação da proposta de transação, pelo autuado (necessariamente assistido pelo defensor), longe de configurar afronta ao devido processo legal, representa técnica de defesa, a qual pode consubstanciar-se em diversas atividades defensivas: a) aguardara acusação, para exercer oportunamente o direito de defesa, em contraditório, visando à absolvição ou, de qualquer modo, a situação mais favorável do que a atingível pela transação penal; ou b) aceitar a proposta de imediata aplicação da pena, para evitar o processo e o risco de uma condenação, tudo em benefício do próprio exercício da defesa.

26 Ob. cit., p. 99.

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Igualmente, no sentido de que a transação tem natureza de sanção penal: Fernando da Costa Tourinho Filho, Fernando da Costa Tourinho Neto e Joel Dias Figueira Júnior, Marcellus Polastri Lima, Damásio E. de Jesus, dentre outros.

Todavia, para parte da doutrina, pareceu pouco provável a aplicação de pena sem a existência do devido processo legal, articulando raciocínio bastante interessante. Afirma Cezar Roberto Bitencourt28:

Não quer dizer, contudo, que a ‘sanção alternativa’ aplicada não seja pena

criminal, como sustentam, equivocadamente, alguns. A exclusão excepcional dos efeitos da reincidência e de maus antecedentes não desnatura sua condição jurídica de pena criminal. Que é a conseqüência jurídica (direta) do crime. Se o legislador não teve nenhuma dificuldade para tratá-la como pena (arts. 62, 76, caput, §§1º, 4º e 6º e 77, todos da Lei n. 9.099/95), não cabe ao intérprete encher-se de pruridos e ficar procurando

adjetivos eufemísticos, tais como medidas terapêuticas, ‘compromisso de ajuste de conduta’, ‘missão social’, tentando falsear uma realidade: o juiz

aplica a pena não privativa de liberdade transigida entre o Ministério Público e o autor do fato. A adjetivação neologista que se utiliza de falácias para

‘dourar a pílula’ não altera uma realidade: a conseqüência jurídica direta do

crime é pena criminal, aplicada legitimamente ou não.” E complementa à p.

19: “(...) a ação penal não se inicia mais somente através do oferecimento da denúncia ou queixa, mas também através de ‘proposta de transação penal’. Sim, porque não se aplica sanção penal sem a existência de uma

ação, ação penal simplificada, com procedimento especialíssimo (um uma audiência preliminar ou até mesmo na de instrução), mas sempre uma ação penal.

Corroborando o pensamento de Cézar Roberto Bitencourt, examina Humberto Dalla B. de Pinho29:

Isto porque, ao contrário do que inicialmente possa parecer, na transação penal há verdadeira imposição de uma pena, circunstância essa que não é descaracterizada pela atmosfera consensual em que a mesma se efetiva. É, portanto, forma de exercício da ação penal, e é isto que legitima o instituto e o adequa ao ordenamento pátrio, evitando-se assim a pecha de inconstitucionalidade. [...] Trata-se (a transação penal) de Instituto Despenalizante onde é formulada pelo Ministério Público uma proposta para imediata aplicação de pena em procedimento jurisdicional especial,

constituindo-se essa proposta na peça exordial de uma ação penal condenatória onde é privilegiado o caráter consensual da prestação jurisdicional.

(35)

Critica-se explanado pensamento de ser a transação uma forma de exercício da ação penal condenatória haja vista que o seu fim essencial é exatamente impedir a instauração do processo criminal.

A Lei n. 9.099/1995 é bem clara ao alocar a avença penal no art. 76, em

meio à Seção II do Capítulo III, denominada “Da Fase Preliminar”, ou seja, antes ao

processo que se desenvolve a partir da Seção III, designada “Do Procedimento

Sumariíssimo”.

Rogério Pacheco Alves, no trabalho intitulado “Transação Penal como Ato

da Denominada Jurisdição Voluntária”30, situou a transação penal como um

procedimento de jurisdição voluntária.

Obtempera Rogério Pacheco Alves que, em diversas hipóteses, há processos sem que se verifique qualquer oposição à pretensão e que, apesar de ser decidido o caso com base no consenso, indiscutivelmente haverá processo.

Desta forma, nas colocações em que for necessária a intervenção do Judiciário sem haver de fato uma lide, uma oposição à pretensão, verificar-se-á atividade meramente judiciária, indicativa de um procedimento de jurisdição voluntária.

Seria então, conclui, o que ocorreria na transação penal pois o Estado não exige que o autuado se submeta à proposta, o que é feito por acordo, por consenso. A avença penal encerraria um negócio jurídico bilateral entre o Ministério Público e o autuado, no qual o primeiro deixa de exercer a ação penal, aceitando o segundo a imposição de uma sanção administrativa.

29A introdução do instituto da transação penal no direito brasileiro

– e as questões daí decorrentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998, p. 39.

30 ALVES, Rogério Pacheco. Transação penal como ato da denominada jurisdição voluntária. Revista

(36)

A reprimenda não teria natureza penal pois, para tanto, indispensáveis seriam a propositura de uma ação penal condenatória e a conseqüente procedência do pedido do autor, haja vista as máximas nulla poena sine juditio e nulla poena sine culpa.

Em segmento semelhante, acham-se estudiosos que admitem ser a transação penal um acordo cível com a conseqüência de impedir a propositura da ação penal.

Discorda-se da argumentação de ser o consenso penal um procedimento de jurisdição voluntária ou um acordo cível com reflexos criminais considerando que, não afastado o caráter de sanção penal da medida, não há como atribuir natureza de obrigação civil ou negócio jurídico civil.

Inclusive, não obstante o caráter consensual da transação, os procedimentos de jurisdição voluntária não são alcançados pela coisa julgada, o que não é o caso da avença penal, pois, uma vez extinta a punibilidade, tal decisão é definitiva e imutável.

Refletindo de forma diversa, apregoa Marcos Paulo Dutra Santos que a transação não teria natureza de sanção criminal, mas sim de injunção ou regra de conduta31:

(...) a transação penal ocorre em uma fase pré-processual, mediante uma negociação entre o autor do fato e o Ministério Público, no qual o primeiro aceita cumprir uma regra de conduta ou uma injunção – não há pena -, em troca do não exercício da ação penal. Não havendo julgamento, não há que se falar em admissão de culpa, daí a transação penal não caracterizar reincidência, maus antecedentes, nem tampouco outorga à vítima um título executivo judicial.

A solução proposta por este autor padece de fundamentação legal. A Lei

n. 9.099/1995 é expressa ao utilizar a terminologia “pena” em diversas passagens

(37)

relativas à transação penal (arts. 62, 76, caput, §§§1º, 4º e 6º e 77, todos da Lei n. 9.099/95).

É sabido que a Lei não contém palavras inúteis. Por força de princípios lógicos, como da não-contradição, o vocábulo “pena” no texto da Lei n. 9.099/95 não

pode apresentar um sentido, e no Código Penal outro dissociado das notas características comuns.

Não cabe à doutrina especular e criar novos conceitos divergindo da lei, até porque não lhe é dado se imiscuir na função do legislador, não é o seu ofício. Ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus.32

Ante o exposto, percebe-se que há quem apregoe configurar a transação penal uma sanção penal, uma peça exordial de uma ação penal condenatória, um procedimento de jurisdição voluntária, um acordo cível com reflexos criminais ou mesmo uma injunção ou uma regra de conduta, sem natureza penal.

Todas as teses apreciadas têm aspectos interessantes. Não obstante, uma apenas, de fato, é condizente com a legislação brasileira. O porquê para tantos posicionamentos distintos reside na dificuldade inerente ao ser humano de enfrentar o novo, de romper com o que está posto.

A transação foi implementada no Brasil para inovar toda a sistemática do processo e direito penais vigente. Certos princípios, como o da obrigatoriedade da ação penal pública e do devido processo legal, foram mitigados em prol da solução mais célere dos delitos de somenos importância para a sociedade.

Nessa linha de reflexão, Sílvio Roberto Matos Euzébio33 afirma:

Ação e processo foram redefinidos a partir do interesse tutelado, quando passaram a apresentar um nexo de finalidade direto com o bem jurídico

32“Onde a lei não distingue, não nos cabe distinguir” (Tradução da autora).

33 A natureza das sanções no processo das infrações de menor potencial ofensivo: reforma evolutiva

(38)

protegido ou de direito substancial. Foi concebido o chamado princípio da adaptabilidade do processo às necessidades da causa ou da elasticidade

processual. ‘Trata-se da concepção de um modelo procedimental flexível, passível de adaptação às circunstâncias apresentadas pela relação

substancial.’ (BEDAQUE, José Dos Santos, ‘Direito e Processo - Influência

do Direito Material sobre o processo’, Malheiros, 1995, pgs. 51/52). O processo das infrações de menor potencial ofensivo precisa estar desvinculado da dogmática formal e descomprometido com teorias abstratas, quer do Direito Processual, quer do Substantivo Penal (RAMOS,

João Gualberto Garcez, ‘Audiência Processual Penal - Doutrina e

Jurisprudência’, Del Rey, 1996, pgs.369, 431, e 450), que não sejam

capazes de materializar de modo exeqüível os princípios do devido processo legal, com o contraditório e defesa plena, e utilidade da prestação jurisdicional. Foi assim prevista uma espécie de tutela diferenciada, com rito eminentemente oral para apuração simplificada de delitos, dotado de uma etapa procedimental monitória, se assim o podemos chamar, onde há APLICAÇÃO IMEDIATA DE PENA, também denominada TRANSAÇÃO.

O pensamento do Legislador não foi diferente. Na Exposição de Motivos do Projeto n. 1.480-A, de 1989, que resultou na parte criminal da Lei n. 9.099/95, o Deputado Michel Temer esclareceu:

A sanção tem natureza penal, mas sem reflexos na reincidência, sendo registrada apenas para o fim único de impedir novamente o mesmo benefício, pelo prazo de cinco anos, e, não devendo constar de certidões, não haverá condenação em custas. Não tendo ocorrido composição de danos, nenhum efeito civil decorrerá da aplicação de pena, cabendo à vítima buscar as vias civis para a satisfação da pretensão ressarcitória.

Dessarte, na corrente monografia filia-se ao entendimento perfilhado por Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes, Fernando da Costa Tourinho Filho, Fernando da Costa Tourinho Neto e Joel Dias Figueira Júnior, Marcellus Polastri Lima, Damásio E. de Jesus, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, de que a natureza jurídica da transação penal é de sanção penal.

(39)

2.3 Requisitos da transação penal

O primeiro requisito à efetivação do acordo é ser a infração imputada de menor potencial ofensivo. Dever-se-á analisar se o injusto é uma contravenção ou então um crime cuja pena in concreto seja de até dois anos. Quando se diz pena “in concreto” é pelo fato da necessária análise da eventual ocorrência de causas de diminuição ou aumento de pena no caso sub judice.

Marcos Paulo Dutra Santos34 assevera, ao dispor acerca da análise da pena concreta para a concessão da benesse legal, coadunando com o entendimento acima exposto:

Oportuno registrar, todavia, que tal procedimento somente deve ser tomado quanto às causas especiais de aumento ou diminuição de pena; e às qualificadoras ou atenuantes especiais, pois incidem na sanção in abstrato.

As circunstâncias judiciais, as agravantes e as minorantes genéricas não podem ser consideradas, pois repercutem na reprimenda aplicada (in concreto), e não na cominada (in abstrato).

O Supremo Tribunal Federal julgou no sentido do posicionamento defendido, mutatis mutandis:

HABEAS CORPUS. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (LEI 9.099/95, ART. 89). REQUISITO OBJETIVO E CONTINUIDADE DELITIVA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO SUBJETIVO À SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. SÚMULA 696. ORDEM DENEGADA. 1. Em se tratando de crimes idênticos em continuidade delitiva, o requisito objetivo para a suspensão condicional do processo deverá ser calculado pela pena mínima cominada em abstrato, majorada em um sexto. (GRIFO NOSSO) 2. A suspensão condicional do processo tem natureza jurídica de transação processual, daí porque inexiste direito subjetivo do réu a sua aplicação. 3. Se o Ministério Público expressa e motivadamente deixa de oferecer a suspensão condicional do processo, e o juiz homologa essa manifestação, não há que se aplicar a Súmula 696 do Supremo Tribunal Federal.35

34 Op. cit., p. 124.

35 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC n. 83250/SP. Relator Ministro Joaquim Barbosa.

Referências

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