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Parte III: A posição do autor

4. A necessidade de superação do impasse da CGA

A medida apresentada e que foi declarada inconstitucional vem relançar o debate sobre o futuro dos sistemas previdenciais, principalmente o da CGA.

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O desequilíbrio financeiro a que assistimos neste sistema, afeta o equilíbrio das contas públicas, designadamente por, em muitos casos ser através das transferências do Orçamento de Estado que se tem conseguido manter o sistema a funcionar.

A vexata quaestio é: qual será a melhor solução para resolver o problema da convergência e assegurar a sustentabilidade da CGA, sem que o Estado desonre os compromissos assumidos com os pensionistas?

A convergência dos regimes da CGA e do RGSS surge a propósito da necessidade de se reduzir despesa, objectivo este inscrito no âmbito do PAEF e do Tratado Orçamental.

Numa altura em que tanto se fala nos princípios da sustentabilidade e da justiça intergeracional também se devia questionar o porquê de deixar chegar CGA a este ponto, colocando-se em causa a própria possibilidade de pagamento das pensões.

Os argumentos dos autores da proposta da convergência fundam-se exatamente na justiça intergeracional, motivando o seu plano de convergência dos regimes tendo em vista a maior igualdade e proporcionalidade no esforço contributivo. Contudo, o verdadeiro motivo é a redução das transferências para a CGA via do orçamento de Estado.

No seguimento do célebre princípio da justiça intergeracional, SUZANA TAVARES DA SIVA diz-nos que o princípio da justiça intergeracional é mais fácil de promover num sistema de segurança social, cabendo ao Estado em cada momento histórico e económico que a proporção entre as contribuições e as pensões é adequada247.

Voltemos novamente ao conceito da relação juridica contributiva.

O subscritor, aquando do início da sua atividade, começou a cumprir com as suas obrigações, fazendo as respetivas contribuições para a Segurança Social ou para a CGA, conforme o caso.

Partindo do conceito de contribuição para a Segurança Social, o subscritor tem a expectatitva de, no futuro vir a receber a prestação substitutiva do rendimento, de acordo com os critérios e requisitos implicitos e bem explicitos desde início pela Segurança Social.

Num momento de conjuntura económico-financeira, como aquela em que o país viveu, o Estado, mais uma vez, lembra-se de mudar as regras a meio do jogo, esquecendo-se porém dos critérios que estabeleceu aquando do início da contagem da carreira contributiva.

Ao longo do tempo em que perdurou esta mesma relação jurídica foram-se formando e

247 Cfr. Suzana Tavares da SILVA, O problema da justiça intergeracional em jeito de comentário ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº

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estabelecendo na esfera jurídica do subscritor direitos que mais tarde poderiam ser exigidos, como é o caso do direito à pensão.

Há doutrina que entende que as regras podem mudar pelo facto temporal, ou seja, pela durabilidade da relação juridica. A este propósito destacamos FERNANDO ARAÚJO, o qual entende que, “quanto mais longa a relação contratual maior a probabilidade de ocorrer uma não-simultaneidade das prestações estipuladas no contrato, e essa não-simultaneidade é que abre espaço à eclosão de dois dos principais problemas com que se defronta a disciplina contratual: o do oportunismo e o da alteração das circunstâncias (a ocorrência de contingências imprevistas), dois problemas de desequilíbrio ex post na onerosidade e na distribuição dos riscos248”.

A questão que se coloca é quem deve financiar o remanescente da despesa com pensões, já que o total de contribuições e quotizações, em 2012, cobria apenas 42% das pensões da responsabilidade da CGA249.

Segundo HELDER ROSALINO o estado em 2012 contribuiu com 51% da taxa efectiva, e em 2013, fez uma transferência extraordinária do Orçamento de Estado de 4,4 mil milhões250.

A este propósito a doutrina dá-nos algumas propostas.

1) JOÃO CARLOS LOUREIRO refere que, a utilização de apenas um dos fatores de cálculo poderá ser discriminatório para alguns subscritores, violando de alguma maneira o tão apregoado princípio da igualdade251. O autor propõe assim uma revisão da proposta,

na medida em que, o recálculo da pensão deverá ter em conta vários fatores, não olvidando no entanto as diferenças existentes nos regimes, trabalhando-se assim numa alternativa baseada numa amostra representativa do universo dos aposentados e reformados, não excluíndo os pensionistas da Segurança Social252.

Neste seguimento, o autor apresenta três modelos, designadamente: a) a reavaliação individualizada temperada partindo do esforço contributivo; b) a reavaliação tipificada temperada partindo do esforço contributivo; c) finalmente, um modelo diferenciado que aposte numa fórmula de sustentabilidade temperada.

248 Cfr. Fernando ARAÚJO, Teoria Económica do Contrato, op.cit, pág. 385.

249 Cfr. Helder ROSALINO, A Caixa Geral de Aposentações : Passado, Presente e Futuro, in Revista Economia e Segurança Social, nº6, 2014,

página 27.

250 Idem.

251 Cfr. João Carlos LOUREIRO, Sobre a (In)constitucionalidade no regime proposto para a redução dos montantes de pensões de velhice da

Caixa Geral de Aposentações, op.cit., página 35.

252 Cfr. João Carlos LOUREIRO, Estado Social em Portugal : Reforma(s) ou Revolução ? in Por Onde vai o Estado Social em Portugal, op.cit,

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No caso da reforma vier a ser implementada deve optar-se, como primeiro passo, por uma reavaliação individualizada dado que existem diferentes percursos contributivos e de benefício dado que o aumento da esperança média de vida veio aumentar o período de benefício da pensão.

Face às exigências principais e sob pena de inconstitucionalidade, esta reavaliação tem depois de ser temperada através de um ponderado e multifatorial quadro, a exigir, repetimos, os necessários estudos, incluíndo amostras representativas do universo dos beneficiários destas prestações.

Esta solução teria também a vantagem de introduzir transparência no sistema, desde logo para os beneficiários pensionistas.

2) Outra das possibilidades é dada por NAZARÉ DA COSTA CABRAL. Para a citada autora deve haver uma substituição do atual modelo de benefício definido, por um modelo de contribuição definida, ou seja, aqui não haveria alterações das regras do jogo que já foi jogado.

A medida em causa implicaria um consenso entre o Estado e as associações representativas dos pensionistas já que esta medida implicaria naturalmente a redução das pensões, mas obedecendo ao respeito pelo princípio da proteção da confiança253254.

Esta medida proposta pela autora255 implicaria essencialmente rever as regras de

atualização (modelo aplicado na Suécia), as quais dispõe apenas para o futuro. O modelo proposto concebe para as pensões de montante mais elevado taxas de atualização negativa face a determinados acontecimentos tais como a recessão económica, saldo negativo no sistema previdencial.

No entanto esta medida teria que ter em conta algumas cláusulas de salvaguarda, designadamente:

a) Uma diferenciação positiva, ou seja, as atualizações de pensões negativas deveriam salvaguardar as de valor mais baixo, fazendo sentir os seus efeitos de forma progressiva em razão do valor da pensão;

253 O Tribunal Constitucional afirmou mesmo que a redução nas pensões não salva a CGA. De acordo com este tribunal “o autofinanciamento

da CGA já está comprometido com a insuficiência das quotizações para pagar as pensões existentes no momento do seu pagamento e não é a redução de pensões que o vai salvar. A redução de pensões não é uma medida com virtualidade para garantir a sustentabilidade de um sistema

que, por ser fechado, é em si mesmo insustentável a médio e longo prazo”253, sendo necessária a tal reforma estrutural com base em múltiplos

fatores de cálculo, salvaguardando no entanto os direitos adquiridos.

254 Neste mesmo sentido diz a autora Suzana Tavares da Silva dá os exemplos da Itália, Noruega, Suécia e Polónia em que foram aplicadas

novas formas de cálculo e também a atualização dos cálculos como é o caso da Alemanha. Cfr. Suzana Tavares da SILVA, O problema da justiça intergeracional em jeito de comentário ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 187/2013,op.cit, página 15. Cfr. artigo 100º LBSS.

255 Cfr. Nazaré da Costa CABRAL, Redução de pensões em curso de atribuição e o principio da proteção da confiança : algumas reflexões

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b) A existência de uma limitação temporal para as atualizações negativas, ou seja, não poderia haver uma perda no valor da pensão por um período superior a três anos consecutivos, estando assim proibídas as perdas ad eternum.

A escassez de contribuições do lado da receita, o aumento dos pensionistas 256 e o

aumento do período de benefício das pensões, associada ao aumento da esperança media de vida são as principais causas do inevitável desiquilíbrio financeiro da CGA.

Acresce ainda o facto de o Estado contribuir anualmente, há quase duas décadas, para a CGA com verbas sempre crescentes, superiores às que resultariam da taxa do empregador comum sucessivamente em vigor no âmbito do RGSS257.

Da nossa parte realçamos que, é necessário um amplo consenso entre o Estado e os pensionistas para a sustentabilidade deste sistema previdencial, sendo necessário cedências de ambas as partes.

O Tribunal Constitucional deixou em aberto a possibilidade de reformas estruturais tendo em vista o futuro da CGA, deixando ao legislador a possibilidade de legislar no sentido de preservar a sustentabilidade e justiça intergeracional desde que, a norma jurídica seja desenhada em obediência ao princípio da proteção da confiança.

Todavia, a par das medidas sugeridas, serão também necessárias medidas que promovam o crescimento económico de forma a exisitr um aumento das contribuições, tornando assim o Estado Social, neste domínio, sustentável258.