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A persistência de uma concepção de aprendizagem presente no âmbito escolar tem gerado grandes dificuldades para o desenvolvimento de uma prática pedagógica em prol da emancipação dos indivíduos. Essa concepção de aprendizagem é sustentada por um modelo de Escola que conserva práticas pedagógicas e uma relação com o conhecimento oriunda de uma longa tradição escolar. A superação dessas dificuldades torna-se, muitas vezes, complicada porque esse problema, além de ser de âmbito epistemológico, envolve modelos de pensamento, princípios e métodos de educação já há muito solidificados em torno do que reconhecemos como um paradigma estabelecido de educação. Podemos definir paradigma como as realizações universalmente reconhecidas que fornecem, por um determinado tempo, problemas e soluções modelares para uma comunidade (KUHN, 2011, p. 13). Possuem como base para a sua prática, esquemas de pensamento e premissas que determinam a compreensão dos fatos e que são utilizadas de forma predominantemente acrítica, por serem já aceitas como verdades estabelecidas.

Um paradigma se fixa culturalmente em uma comunidade quando esta passa a trabalhar determinadas premissas como verdades, internalizando-as de maneira a formar uma mentalidade objetiva. Essas premissas tornam-se então conceitos objetivados e formalizados. Essa parece ser a maneira como as comunidades constroem sua cultura: na sua tentativa de interpretar o mundo, projetam significados em conceitos e os objetivam. A objetivação desses conceitos finda por ser aproveitada como atalhos para uma comunicação, que servem como úteis rótulos abreviados de uma definição, pois o uso desses conceitos pode ser feito sem perda das informações dadas e evita perda de tempo ao ter que, em toda comunicação, precisar retomar a sua definição. Popper (1987) explica como essa prática ocorre na ciência de forma que ela se desenvolva com base em um paradigma já estabelecido, evitando disputas a respeito dessas definições:

Em ciência, cuidamos de que as afirmativas que fazemos nunca dependam da significação de nossos termos. Mesmo onde os termos são definidos, nunca tentamos derivar qualquer informação da

definição, ou basear nela qualquer argumento. Eis porque nossos termos causam tão pouco incômodo. Não os sobrecarregamos. Tentamos dar-lhes o menor peso possível. Não tomamos muito a sério sua "significação". Estamos sempre conscientes de que nossos termos são um pouco vagos (visto como aprendemos a usá-los apenas em aplicações práticas) e alcançamos a precisão, não reduzindo-lhes a penumbra de vaguidão, mas antes conservando-os bem dentro dela, cuidadosamente enunciando nossas sentenças de modo tal que as possíveis sombras de significação não tenham importância. Eis como evitamos as disputas a respeito de palavras (POPPER, 1987, p. 26). Essa explicação da forma como se estabelecem paradigmas em uma comunidade faz-nos compreender que, na verdade, nossa maneira de pensar e de agir é condicionada a uma determinada forma porque fazemos parte de um processo histórico-cultural do qual somos herdeiros. Por isso que, conceitos objetivados como aprendizagem, educação, ou até mesmo democracia, apesar de abarcarem em si um conjunto de símbolos construídos culturalmente, são tratados por nós como entidades independentes, com autonomia própria. Ao fazermos isso, desumanizamos sua concepção e os aceitamos como se a forma como os compreendemos representasse a conquista de sua essência. Com isso, suas definições se solidificam em nossa visão de mundo de forma acrítica, obliterando a responsabilidade dos homens do governo de suas próprias ações.

Kuhn (2011), em sua crítica à prática de um paradigma adotado por uma determinada comunidade, afirma que o principal problema ocorre porque depois que o paradigma se estabelece seus propagadores não questionam as premissas das quais o sustentam, algo que ocorria nos debates frequentes característicos da fase pré- paradigmática. Depois de estabelecido, a comunidade deixa de discutir seus princípios e premissas e passa a desenvolver esquemas intelectuais, interpretações e explicações, considerando a verdade dessas premissas como fato consumado. Questionar essas premissas possibilita a retomada da reflexão e do poder de crítica sobre a prática da comunidade. Para superar o paradigma de educação, torna-se tarefa da modernidade expor e questionar suas premissas desvelando as intenções ocultas na sua objetivação.

A necessidade atual de superação do paradigma de educação estabelecido na comunidade escolar deve-se ao fato de que a sua prática está gerando uma incompatibilidade com as atuais necessidades formativas, produzindo contradições com a efetiva forma de ver o mundo e uma lógica constatação de que sua prática não é mais adequada aos anseios atuais da sociedade. A principal crítica feita ao paradigma da

17 comunidade escolar está na sua concepção de aprendizagem, um problema de ordem epistemológica. Em sua concepção de aprendizagem existe uma suposição teórica que avaliza a prática instrucional do professor como uma conduta aceitável para uma concepção de educação que objetiva a formação de pessoas para atuarem na sociedade de forma crítica e autônoma. Afirmamos que essa concepção de aprendizagem ao invés de formar pessoas críticas e com autonomia acaba, pelo contrário, promovendo consciências alienadas, reprodutoras e dependentes.

A dificuldade de superação dessa concepção de aprendizagem ocorre porque quem participa das tomadas de decisão na Escola é vítima dessa mesma concepção. Fomos educados sob uma concepção de aprendizagem que é a mesma que deve ser criticada. Estamos, então, dependentes dos fatos, por isso, mudar esse sistema requer um exercício de imaginação que transcenda a realidade atual. Transcender os fatos requer coragem e ousadia, necessárias, pois os fatos não podem determinar os fins que iremos seguir. A racionalidade moderna busca justificar as regras pelos fatos, como se os fatos representassem a essência da realidade. Mas as normas são feitas pelo homem, nós que introduzimos propósito e significação na natureza e na história e não podemos justificar a permanência da atual forma de educação pelos fatos. A igualdade de direitos não é fato, mas uma exigência política. Como afirma Popper (1974), fato não é norma, como também nenhuma norma pode derivar de um fato. O próprio conceito de "fato" é um produto, um produto de alienação social (HORKHEIRMER, 2002). O fato origina- se de uma intenção, pela vontade de acontecer, e não por retratar a essência de algo. Justificar as nossas ações pelos fatos é tornar a inteligência submissa aos mecanismos do sistema, ao invés de comandá-los, que é o ideal. Nenhuma ação humana é neutra e livre de intenções, quanto mais o ato de educar.

Na base dos esquemas de pensamentos que justificam a prática da atual concepção de aprendizagem existem premissas internalizadas na comunidade escolar que alicerçam e condicionam suas ações. Faz-se necessário questionar essas premissas no intuito de desvelar as intenções presentes em tais afirmações e demonstrar o quão são contraditórias às necessidades atuais de educação. Dentre essas premissas, resolvemos discutir nesse presente estudo algumas delas consideradas fundantes dos esquemas de pensamentos predominantes na atual concepção de aprendizagem, entre elas estão a supervalorização do ensino, a dicotomização da razão, a reificação do conhecimento e a racionalidade técnica.