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O ensino não é a atividade norteadora do processo social de aprendizagem do qual o indivíduo sustenta a sua própria vida. A função da educação escolar deveria ser o de facilitar o processo social de aprendizagem. A facilitação da aprendizagem deveria ser o objetivo da educação, “o modo pelo qual podemos aprender a viver como pessoas em processo” (ROGERS, 1978, p. 111). Mas a escola supervaloriza o ensino. Supervaloriza porque o objetivo da educação institucionalizado na escola não é o de facilitar a aprendizagem, mas o de controlar os indivíduos.

O objetivo do ensino é transmitir, instruir outra pessoa sobre o que ela deveria saber ou pensar. É tentar guiar alguém para que esse alguém dê significado a algo da forma como deve ser dado. É negar o sujeito na relação sujeito/objeto, supervalorizando o objeto. A supervalorização do ensino justifica-se por uma pretensão de que somos sábios e de que os aprendizes são uns verdadeiros tolos, e de que realmente estamos seguros a respeito do que eles deveriam saber.

Outra justificativa para a supervalorização do ensino é a crença de que o que é ensinado é aprendido, e o que é apresentado é assimilado. Mas o transmissor de uma mensagem consegue imprimir na mente do receptor o mesmo sentido que ele dá a um objeto? A resposta é não! Pois, dar sentido a algo é uma tentativa individual de encontrar semelhanças com concepções que o indivíduo já carrega. Estabelecer sentido para as coisas é um processo que depende mais da experiência do receptor do que da habilidade comunicativa do transmissor. Para que ocorresse a transferência de sentido durante a transmissão, seria necessário que, em cada expressão do transmissor, estivessem presentes tanto as experiências quanto as relações de análise e classificação que lhe dão significado, de forma que elas fossem compartilhadas entre transmissor e receptor.

A supervalorização do ensino só tem sentido em uma concepção de sociedade imutável – se é que já existiu alguma –, e reveste-se como a principal bandeira dos conservadores. O conservadorismo e o autoritarismo são características presentes nas sociedades tradicionais, as quais concebem suas instituições como um corpo de

19 conhecimento universalmente válido sobre a realidade, colocando-as acima dos indivíduos. Em sociedades tradicionais o conservadorismo se constitui como a tentativa de manter essas instituições intactas. Nelas, valorar a percepção e a experiência individual é algo extremamente perigoso, já que nunca podem ser exatas e dignas de confiança. Pelo contrário, valorizá-las poderia desencadear um mundo de realidades em fluxo. A subjetividade é tida como egoísta e algo a ser controlado, e os indivíduos devem submeter-se às ideias postas e objetivadas.

A educação ancorada no ensino baseado na transmissão é em sua essência opressora, pois nega o direito ao conhecimento como busca subjetiva para estabelecer significado aos objetos do mundo. Nas palavras de Paulo Freire (2011), esse modelo de educação “é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro” (FREIRE, 2011. p. 81).

Esse modelo de educação, para ser valorizado pelos seus membros, precisa encontrar meios de controle que possam conservar sua comunidade totalmente isolada de qualquer influencia externa, de forma a não ser “contaminada” por outras realidades. Nessas sociedades o conhecimento produzido intersubjetivamente se cristaliza e é tomado por seus membros como algo natural e certo. A sedimentação intersubjetiva do conhecimento ocorre quando vários indivíduos participam de uma biografia comum, cujas experiências se incorporam em um acervo comum de conhecimento. Claro que, para que isso possa ocorrer, é necessário que a linguagem utilizada possa objetivar as experiências partilhadas e torná-las acessíveis a todos dentro dessa comunidade linguística, passando a ser assim a base e o instrumento do acervo coletivo do conhecimento (BERGER, 2003, p. 96), possibilitando a construção de uma concepção de tempo e espaço totalmente vinculada ao lugar.

Fica claro que, se vários indivíduos participam de uma experiência comum, essa experiência ficará sedimentada intersubjetivamente, formando, assim, um laço profundo entre os indivíduos da comunidade. “A sedimentação intersubjetiva só pode ser verdadeiramente chamada social quando se objetivou em um sistema de sinais desta ou daquela espécie, isto é, quando surge a possibilidade de repetir-se a objetivação das

experiências compartilhadas” (Id., Ibid., p. 96). Sendo esta experiência transmitida linguisticamente para as futuras gerações, ela torna-se acessível e fortemente significativa para indivíduos mesmo que nunca tenham passado por ela. Nessas sociedades é até aceitável ser autoritário e opressor. Como o poder é vinculado à necessidade de oprimir, os oprimidos também desejam ser opressores (FREIRE, 2011), pois quando as coisas fogem do controle – e não é difícil acontecer – o único meio de manter inabaláveis as instituições é através do uso da força e da violência. A crença em uma verdade absoluta e que o melhor para todos é lutar contra as mudanças passa a ser a ideologia sustentadora dessas sociedades.

Em uma educação baseada no ensino, a sua prática pedagógica confirma essa ideologia, pois a aula bem conduzida é aquela em que o professor consegue planejar todas as ações e inclusive prever as respostas que os alunos poderão dar aos seus questionamentos. Nessa situação o aluno assume um papel passivo, pois é muito mais fácil esperar que o professor diga o que ele tem que fazer ou dizer do que se pronunciar e correr o risco de ser censurado por cometer uma gafe, ou apresentar um comportamento destoante do que já se esperava a priori.

Os alunos facilmente aprendem esse comportamento, e a pergunta mais comum na sala de aula por parte deles é: o que o(a) senhor(a) quer que eu faça? O bom aluno é aquele que ouve pacientemente o professor durante toda a sua aula, sem se entreter com questões não permitidas, realizando todas as atividades solicitadas. O aluno é sempre conduzido, pois já existe um projeto pré-fabricado no qual ele deve se incluir. Vasconcelos traz um comentário bem esclarecedor do cotidiano da sala de aula:

O professor dá o ponto e pode até perguntar: “Alguma dúvida?”. “Vocês entenderam, né?”, antes de passar para os exercícios de aplicação e dar a lição de casa. Mas os alunos nem se dispõem a apresentar as dúvidas, pois já sabem, por experiências anteriores, que essa pergunta é mera formalidade, ou seja, de modo geral, o professor não está interessado na dúvida do aluno, nem disposto a explicar de novo. (VASCONCELOS, 2002, p. 19).

Não se estabelece nenhuma negociação de construção de significado na sala de aula, onde possa haver interação entre as ideias do professor e as ideias dos alunos, mas apenas justaposição:

21 alunos apresentam, solicita a atenção para o ponto que vai dar (“Muito bem, fizeram a parte de vocês, agora é minha vez”), simplesmente não levando em consideração o que foi colocado pelos alunos.... Muitos professores se confundem aqui, pois acham que dando tempo para os alunos falarem, já significa uma metodologia nova; o problema, em si,não está no aluno falar, mas em haver interação entre as falas (aluno-professor, professor-aluno, aluno-aluno). (Id, Ibid, p. 19). O aluno não problematiza e o professor não procura estabelecer diálogo com os esquemas de pensamento do aluno a fim de que ele possa entender a significância do conhecimento abordado. O aluno acaba se acomodando, tendo uma atitude passiva, pois faz parte dessa concepção de aprendizagem a visão de que as informações “recebidas” são obvias. Os obstáculos para o entendimento do conteúdo trabalhado são apenas de duas ordens: ou o professor não explicou direito ou o aluno não estava prestando a atenção devida. Isso porque está inclusa nessa prática a concepção que o conhecimento é algo objetivo e neutro, sendo suficiente apenas prestar atenção para poder “aprender”.