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Diplomas Legais e Jurisprudência

1. A Noção de Claque

O fenómeno da violência associada ao futebol há muito que vem preocupando as forças de segurança, um pouco por todo o Mundo. Um dos factores que mais influencia a ocorrência de comportamentos exacerbados de violência é a existência de grupos de adeptos (com diferentes níveis de organização) com uma filosofia de apoio ao clube caracterizada pela adopção de símbolos, cânticos e comportamentos próprios. Estes grupos são, vulgarmente, conhecidos por claques de futebol.

Muitos deles constituem-se como associações fortemente estruturadas e com uma organização bem definida, usufruindo de espaço próprio, partilha de tarefas, planificação das actividades a desenvolver para o apoio aos respectivos clubes e mesmo a quotização dos elementos afectos à claque.

Contudo, importa salientar que a definição de claque de futebol aqui abordada nada tem em comum com a grande maioria dos adeptos presentes no estádio. Embora facilmente confundível, as claques de futebol apresentam-se mais organizadas e com objectivos comuns mais definidos, ultrapassando o simples apoio ao clube num espaço físico plenamente definido. Não se confunde assim com a grande maioria dos espectadores que se juntam nos estádios sem quaisquer laços sociais comuns.

2. O Hooliganismo

Ainda antes da Primeira Guerra Mundial ocorreram actos de violência relacionados com o futebol, revestidos sob a forma (espontânea e não organizada) de invasões de campo ou mesmo agressões a árbitros, jogadores ou adeptos adversários (Frosdick & Marsh, citado em Lopes, 2006).

A presença de grupos de adeptos perfeitamente definidos e destacados de entre os restantes espectadores é notada pela generalidade dos autores nos finais do século XIX e início do século XX (Dunning et al., 1992: 356-380).

Surge então por essa altura uma nova designação para definir o conjunto de jovens que se envolviam em desordens relacionadas com os encontros futebolísticos e que começavam a atingir proporções alarmantes na sociedade britânica, o hooliganismo (Dunning et al., 1992: 64).

Nesse sentido, a expressão hooligan significa "jovem violento e barulhento, rufia e desordeiro" que é responsável por causar problemas através da violência. Com o passar

86 dos anos, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, o fenómeno depressa adquiriu um carácter regular (Pereira, 2002, p. 101). A terminologia, fruto de uma crescente "mediatização de características sensacionalistas", foi-se direccionando para o conjunto de indivíduos pertencente às claques que se destacavam através de actos de vandalismo e que passaram a ter um reconhecimento nunca antes obtido (Seabra, 1999 citado em Lopes, 2006, p. 5).

Segundo Dunning, Murphy e Williams (1992) a subcultura hooligan veio emergir em Inglaterra por altura dos anos 70, frutos dos confrontos entre jovens skinheads, provocados pela rivalidade existente entre os bairros das áreas urbanas mais pobres e carentes.

A crescente mediatização permitiu que, quer os jovens, quer os próprios grupos, elevassem a sua reputação, o que provocou um encorajamento na adesão de novos elementos às "claques", tornando mais simples o recrutamento de jovens hooligan. Segundo Javaloy (1996), citado em Pereira (2002), podem ser definidas várias etapas no desenvolvimento do hooligan. Numa primeira fase, o sujeito apresenta "predisposição pessoal" e "vulnerabilidade à dependência", isto é, caracteriza-se por ser um indivíduo com baixa auto-estima e com falta de estímulos e de oportunidades para experimentar níveis elevados de excitação e adrenalina. Essas características pessoais vão contribuir para que, ao assistir a um desafio de futebol, e vendo os hooligan ou envolvendo-se acidentalmente com eles, o sujeito descubra "o carácter agradável da experiência de elevado grau de excitação". Seguidamente, o sujeito, ao interagir com os restantes hooligan em alguns incidentes mais violentos, vai reter uma importante fonte de gratificação. Uma vez inserido no grupo, o indivíduo vai tendo um "protagonismo crescente na actividade hooligan", através das, cada vez mais frequentes, participações em confrontos com a polícia ou com outros grupos de adeptos. Numa fase mais avançada do processo de desenvolvimento do hooligan, ocorre a progressiva evolução na actividade, manifestada através do interesse em, efectivamente, tornar-se um verdadeiro hooligan, planificando as viagens de acompanhamento do clube (incluindo a outros países) e envolvendo-se nas actividades mais violentas. Por fim, e segundo Javaloy (1996), o culminar do desenvolvimento do hooligan dá-se com o "estabelecimento do compromisso", altura em que o sujeito consegue um alto estatuto no grupo, "planificando toda a sua vida em torno do hooliganismo" e liderando alguns dos combates, aderindo plenamente à violência no futebol (Pereira, 2002, p. 101-102). Ainda relacionado com o desenvolvimento dos elementos hooligan, Dunning (1999) acrescenta que a utilização da violência no contexto dos espectáculos desportivos constitui, por si só, um "meio central de formação de identidades, de obtenção de status ou reputação e de obtenção de prazer" (citado em Nogueira, 2008: 26).

87 Embora, um pouco por toda a Europa, a violência relacionada com os espectáculos desportivos não fosse totalmente desconhecida, a insistência da imprensa inglesa nesta temática contribuiu para que o hooliganismo se começasse a desenvolver noutras zonas da Europa, fruto da cobertura mediática que ia sofrendo e da capacidade de influência nos jovens de outros países (Murphy, Williams & Dunning, 1994, citados em Lopes, 2006). Em meados dos anos setenta, a subcultura hooligan foi tornando-se cada vez mais evidente em países do Norte da Europa (principalmente: Bélgica, Holanda e Alemanha), como forma de resistência ao comportamento provocador dos hooligan ingleses, aquando da sua deslocação por ocasião das competições ou espectáculos desportivos internacionais (Marivoet, 2009).

Como afirmam Stott, Adang, Livingstone e Schreiber (2008), os incidentes ocorridos em Heysel85 foram causadores de uma resposta rígida por parte da UEFA, uma vez que, para marcar uma posição repressiva sobre qualquer acto de violência, proibiram todos os clubes de futebol inglês a participar nas competições europeias, por um período de cinco anos. Os mesmos autores referem-se a Dunning quando afirmam que, mais do que qualquer outro acontecimento, foi o acidente de Heysel que fixou na consciência das pessoas de todo o mundo a ideia do hooliganismo como uma English disease.

Nos finais dos anos setenta, alguns britânicos afectos à cultura hooligan começaram a adoptar um estilo distinto, denominado de casual. A subcultura casual rapidamente trespassou para outros países da Europa, chegando nos primeiros anos da década de oitenta a países como Alemanha, Holanda e Bélgica. A este novo estilo, designado por alguns autores por "estilo moderno", está associado o uso de roupas de marca, nomeadamente, Armani, Stone Island, Burberry, Ralph Lauren ou Lacoste. Segundo Salomé Marivoet (2009), o comportamento público dos casual's teve um crescimento muito cauteloso e discreto, contrastando deste modo com os "old-fashioned hooligans and skinheads" e com os tradicionais adeptos de futebol, optando por uma premeditação estratégica e baseando-se nas novas tecnologias para coordenar as suas acções de violência e confronto (preferencialmente, optão pela luta corpo-a-corpo com "combates" previamente marcados com os seus adversários).