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A NOÇÃO DE COMPETÊNCIA – UM RECORTE HISTÓRICO

Ainda antes do século passado, o estudioso e diplomata alemão Wilhelm von Humboldt (1767-1835) refletia sobre a relação entre língua e pensamento, língua e cognição (poder mental, para ser mais preciso) e sobre som-forma e uso. Segundo Humboldt (1988), o princípio som-forma é constitutivo e guia para a diversidade de línguas. Por estar intimamente ligado ao poder mental e por “ser um elemento do organismo humano inteiro” (HUMBOLDT, 1988, p. 54), esse princípio constitutivo da língua, o princípio som-forma, está ligado ao panorama coletivo da nação falante da língua. No entanto, esse vínculo necessário entre som-forma, poder mental e aparência coletiva da nação seria velado e inescrutável. Percebemos, com isso, que o pensador alemão estava lançando mão de preocupações centrais até hoje para a área dos estudos da linguagem, como a relação entre língua e pensamento além de considerar a contribuição dessa relação para a formação da cultura de um povo.

O outro princípio constitutivo da língua, ou seja, o uso do som/forma, se presta a duas funções, a saber, a designação de objetos (que poderia ser uma visão, embora arcaica, da representatividade da língua) e a conexão de pensamentos. Se a língua é necessária para conectar pensamentos, de forma que nossa faculdade mental depende, em grande parte, da língua, temos, em Humboldt, uma perspectiva incipiente sobre o poder constitutivo da língua. Para o autor alemão, a função linguística de conectar pensamentos é baseada nos requerimentos que o próprio pensamento impõe à língua. Dessa imposição derivam as leis gerais da língua. Essa relação de dependência entre pensamento e língua, de onde surgem as leis desta última, é a mesma para todos os seres humanos, até que entrem em jogo “a individualidade de dotações mentais ou desenvolvimentos subsequentes” (HUMBOLDT, 1988, p. 54)3.

Segundo Humboldt, pensamento e língua são intrínsecos. A língua exerce poder sobre os indivíduos, de forma que uma inteira geração de pessoas seria governada pela língua e pelas experiências nela marcadas. Se, com a aquisição de uma língua estrangeira, adquirimos também uma perspectiva distinta sobre o mundo e, se de fato, a língua e o pensamento são um, a diversidade de línguas representa uma diversidade de visões de mundo e de formas de pensar. Essa concepção de Humboldt, a despeito de todos os perigos de sua interpretação que podem levar a posicionamentos raciais negativos, é precursora da relatividade linguística. Além disso, ao vermos que Humboldt já considerava que a língua restringe o falante, mas que este reage a isso, então temos que a regularidade da língua e a liberdade individual do homem entram em

tensão, o que nos remete às posteriores e mais elaboradas noções de força centrípeta e força centrífuga de Bakhtin (1981).

Outra possível influência de Humboldt na área dos estudos da linguagem pode ser ilustrada com sua ideia de que uma mesma palavra nunca significa exatamente a mesma coisa para indivíduos distintos falantes de uma mesma língua (HUMBOLDT, 1988, p. 63). Além disso, ele considera que a compreensão dos sons é de uma natureza diferente da compreensão das palavras. Ora, a compreensão das palavras inclui a associação de palavras a conceitos (HUMBOLDT, 1988). Essa visão de que, ainda que lançando mão de uma mesma língua, dois indivíduos nunca falarão da mesma forma é parcialmente retomada na noção de parole, de Saussure (2003), a qual é idiossincrática e foge do escopo da linguística da langue. E a relação entre palavras e conceitos remete-nos à relação entre significante e significado, do mesmo linguista suíço. Aproximar, ainda que de forma incipiente, Humboldt e Saussure é interessante, já que ambos exerceram certa influência sobre parte da teoria gerativista de Chomsky (1965; 1998).

O formalismo mentalista de Chomsky, além de opor-se ao behaviorismo (cf. CAMPBELL; WALES, 1970), opôs-se ao estruturalismo saussureano. Para Chomsky, assim como para Saussure, a língua pode ser percebida dicotomicamente. Mas, em vez de langue e

parole (SAUSSURE, 2003), o linguista americano propôs as noções de competência e performance. Para Chomsky, competência seria uma noção análoga a conhecimento da língua,

“o conhecimento do falante-ouvinte de sua língua”

(CHOMSKY, 1965, p. 4, tradução

nossa)

4 e performance, o uso real desse conhecimento em situações concretas.

Semelhantemente a Saussure, que priorizou a langue em vez da parole, Chomsky reconheceu como o objeto da linguística aquilo que denominou de competência. Portanto, a noção de competência, tão preciosa ao campo do ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras, foi cunhada por Chomsky (cf. CHOMSKY, 1965 1998) e opunha-se à noção de performance. Em termos de organização epistemológica, a dicotomia competência – performance retomava a dicotomia língua – fala (langue – parole) de Saussure (2003). Em termos de conceitos, contudo, Chomsky contrariava a visão saussureana de língua enquanto repertório de signos sociais ao privilegiar a concepção mentalista de competência, ou seja, o conhecimento que o falante-ouvinte tem de sua língua (CHOMSKY, 1965), um fenômeno inato, enfocando seu caráter biológico (cf. ANDRADE, 2009; ARAKI, 2015). A competência em Chomsky é

linguística e é responsável pela gramaticalidade da língua. O próprio linguista norte-americano aponta ter-se inspirado na perspectiva humboldtiana da relação entre língua e pensamento:

A distinção que eu estou notando aqui está relacionada à distinção langue-parole de Saussure; mas é necessariamente para rejeitar seu conceito de língua como meramente um inventário de itens e, antes, retornar à concepção humboldtiana de competência subjacente como um sistema de processos gerativos (CHOMSKY, 1965, p. 4)5. É relevante destacar que Chomsky percebia os aspectos da língua relacionados ao uso, como o entorno sociocultural e os fatores psicológicos (como memória, hesitação, falsos inícios), como pertencentes ao domínio da performance, não da competência:

A teoria linguística preocupa-se primariamente com um falante-ouvinte ideal, em uma comunidade de fala completamente homogênea, que conhece uma língua perfeitamente e não é afetado por tais condições gramaticalmente irrelevantes como limitações de memória, distrações, mudança de atenção e interesse e erros (aleatórios ou característicos) ao aplicar seu conhecimento da língua em performance real (CHOMSKY, 1965, p. 3)6.

A análise linguística deveria se incumbir do sistema de regras subjacente ao uso. Esse uso não poderia refletir diretamente a competência. Portanto, a teoria linguística é mentalista no sentido de que se ocupa de compreender a realidade mental subjacente ao comportamento linguístico, por meio da percepção de regularidades da língua que apontariam para princípios biológicos que proporcionam a atividade verbal:

A gramática de uma língua particular, então, deve ser suplementada por uma gramática universal que acomoda o aspecto criativo do uso da língua e expressa as regularidades profundamente assentadas que, sendo universais, são omitidas da própria gramática. Portanto, é bem próprio para uma gramática discutir apenas exceções e irregularidades em algum detalhe. É apenas quando suplementada por uma gramática universal que a gramática de uma língua provê uma apreciação completa da competência do falante-ouvinte (CHOMSKY, 1965, p. 6)7.

Ao investigar a noção de competência, o interesse de Chomsky era compreender como se davam os processos criativos da língua. Para isso, um analista deveria enfocar o que um falante realmente conhece, não o que esse relata sobre seu conhecimento. Daí surge a necessidade de caracterizar, com a maior neutralidade possível, esse conhecimento da língua.

5 “The distinction I am noting here is related to the langue-parole distinction of Saussure; but it is necessary to reject his concept of langue as merely a systematic inventory of items and to return rather to the Humboldtian conception of underlying competence as a system of generative processes” (CHOMSKY, 1965, p. 4).

6 “Linguistic theory is concerned primarily with an ideal speaker-listener, in a completely homogeneous speech- community, who knows a language perfectly and is unaffected by such grammatically irrelevant conditions as memory limitations, distractions, shift of attention and interest, and errors (random or characteristic) in applying his knowledge of the language in actual performance” (ibid., p. 3).

7 “The grammar of a particular language, then, is to be supplemented by a universal grammar that accommodates the creative aspect of language use and expresses the deep-seated regularities which, being universal, are omitted from the grammar itself. Therefore it is quite proper for a grammar to discuss only exceptions and irregularities in any detail. It is only when supplemented by a universal grammar that the grammar of a language provides a full account of the speaker-hearer's competence” (ibid., p. 6).

Para tanto, isolava-se o objeto de estudo dos fatores socioculturais, privilegiando o nível da sentença (CHOMSKY, 1965).

Posteriormente, Hymes (1972) refuta a noção de que apenas a gramaticalidade figura na constituição da competência. Motivado por questões sociais que precisavam da atenção dos estudos da linguagem, como os problemas linguísticos enfrentados por crianças em desvantagem social, Hymes defendia que um trabalho “[...] motivado por necessidades práticas pode ajudar a construir a teoria de que precisamos” (HYMES, 1972, p. 269). Para o autor, a teoria chomskyana é falha ao deixar de fora da noção de competência fatores socioculturais e uma evidência da insuficiência da linguística gerativista seria a realidade de crianças em situação escolar, enfrentando dificuldades linguísticas, ao serem comparadas com a criança fluente, que domina a língua, vislumbrada pelo gerativismo. É relevante salientar, contudo, que a interpretação mais fraca da distinção chomskyana entre conhecimento ou habilidade e uso é aceita por muitos linguistas. Mas a interpretação forte dessa teoria, que aponta, como vimos nos parágrafos anteriores, para um sistema linguístico (gramática) internalizado por um falante nativo ideal, que se distingue de uma performance, que envolve questões psicológicas, essa é uma questão mais polêmica (CANALE; SWAIN, 1980).

Campbell e Wales (1970) afirmam que os linguistas gerativistas, apesar de preocupados com uma interpretação forte da noção de competência, ocupavam-se, na verdade, de descrever um outro tipo de competência, a qual omite a habilidade linguística mais importante, que é a de produzir ou compreender enunciados que são apropriados, ainda que nem sempre sejam muito gramaticais. Preocupados com aquisição da língua por crianças nativas, considerando uma perspectiva psicológica, Campbell e Wales (1970) declaram que a primeira preocupação dos estudos linguísticos deveriam ser as variáveis do ambiente, já que são os dados mais acessíveis à investigação. Os autores admitem a existência de fatores inatos na estruturação das informações, mas asseveram que toda aquisição comportamental depende, em parte, da interação entre o que é predisposto e o ambiente. Portanto, para se compreender melhor se o que afeta um determinado aspecto da aquisição é de ordem mental ou sociocultural, faz-se necessário levar em consideração o contexto dos enunciados.

Hymes (1972) estende sua crítica ao fato de a teoria da competência linguística do gerativismo delinear objetos ideais, abstraídos de componentes socioculturais que deveriam ser incluídos em sua descrição. Tais componentes, apesar de admitidos em uma teoria da

performance pelos gerativistas, são ignorados ou depreciados por esses, mesmo porque a noção

Hymes (1972) compreende que a vida social afeta não apenas a performance exterior, mas também a competência interna. Portanto, aponta para a necessidade de “transcender a noção de competência perfeita, comunidade de fala homogênea e independência de aspectos socioculturais” (HYMES, 1972, p. 274). O antropólogo e linguista ainda indicou que o falante- ouvinte idealmente fluente em vários lugares do mundo seria multilíngue e que, mesmo um monolíngue idealmente fluente seria um perito em variedades funcionais de uma mesma língua. Ainda assim, tal fluência, e a competência subjacente, não implicam em produzir sentenças perfeitamente gramaticais o tempo todo, dado que há ocasiões que demandam que o falante seja “apropriadamente agramatical” (HYMES, 1972, p. 277). Ser apropriado é central para a teoria hymesiana:

Temos, então, de considerar o fato de que uma criança normal adquire conhecimento de sentenças, não apenas enquanto gramaticais, mas também enquanto apropriadas. Ele ou ela adquire competência em relação a quando falar, quando não, e em relação a sobre o que conversar com quem, quando, onde, de que maneira. Em resumo, uma criança torna-se hábil a realizar um repertório de atos de fala, participar de eventos de fala e avaliar sua realização por outros. Essa competência, além do mais, integra atitudes, valores e motivações concernentes à língua, suas características e usos, e integra competência e atitudes concernentes à inter-relação da língua com outros códigos de conduta comunicativa [...] (HYMES, 1972, p. 277, 278)8.

Portanto, o modelo de língua de Hymes volta-se para a vida social e a conduta comunicativa. O foco não é mais o nível da sentença, mesmo porque uma sentença com o mesmo valor gramatical pode, em situações diferentes, constituir uma declaração, um pedido, uma ordem, um lamento etc. Semelhantemente, sentenças gramaticalmente diferentes podem desempenhar a mesma função comunicativa. Competência deixa de ser apenas conhecimento gramatical inconsciente da própria língua e passa a se envolver com elementos extralinguísticos – gestos e palavras podem ser intercambiáveis. Atitudes, motivações e valores também entram em jogo na comunicação e, portanto, na competência comunicativa. Com o foco no uso linguístico contextualmente apropriado, entende-se que a mesma matriz mental para a aquisição do conhecimento, que permite a formação de sentenças, permite a aquisição de conhecimento de um conjunto de maneiras pelas quais se emprega uma sentença. A competência comunicativa compreende, portanto, uma forma de conhecimento cultural tácito, pelo qual a exposição a uma

8 “We have then to account for the fact that a normal child acquires knowledge of sentences, not only as grammatical, but also as appropriate. He or she acquires competence as to when to speak, when not, and as to what to talk about with whom, when, where, in what manner. In short, a child becomes able to accomplish a repertoire of speech acts, to take part in speech events, and to evaluate their accomplishment by others. This competence, moreover, is integral with attitudes, values, and motivations concerning language, its features and uses, and integral with competence for, and attitudes toward, the interrelation of language with the other code of communicative conduct […]” (HYMES, 1972, p. 277 et seq.).

experiência finita com atos de fala e o componente sociocultural relacionado a tais atos permitem o desenvolvimento de uma teoria geral de fala que é apropriada em sua comunidade. Outro aspecto relevante é que, para Hymes, competência não é análoga a conhecimento, mas inclui também um conjunto de habilidades. Tanto conhecimento tácito quanto habilidade para o uso constituem a competência comunicativa de um indivíduo:

“Eu devo tomar competência como o termo mais geral para as capacidades de uma pessoa. (Essa escolha está no espírito – se, agora, em oposição à letra – da preocupação, na teoria linguística, com a capacidade subjacente.) Competência depende tanto de conhecimento (tácito) quanto de (habilidade para) uso. O

conhecimento se distingue, então, tanto da competência (como uma parte desta)

quanto da possibilidade sistêmica (com a qual sua relação é uma questão empírica)” (HYMES, 1972, p. 282, tradução nossa).9

Para Hymes (1972), a competência diz respeito à capacidade, mas ele não limita tal capacidade a uma perspectiva mentalista de gramaticalidade. A pesar de ainda distinta de uma noção de performance, a competência, no sentido hymesiano, está posta em relação ao uso. Para que esta seja integrada a uma teoria de comunicação e cultura e, com isso, promova maior introspecção teórica, o autor sugere quatro parâmetros para a investigação linguística. Tais parâmetros podem ser relacionados, ainda, ao conhecimento e à habilidade para uso. São eles: se o objeto de análise é, e em que grau é, i- formalmente possível, ii- factível, iii- apropriado em relação a um contexto e iv- de fato realizada (performance) (HYMES, 1972; CANALE; SWAIN, 1980). Um enunciado é considerado formalmente possível se for gramatical, cultural e comunicativo. Para ser factível, o enunciado será realizado dentro das limitações impostas por fatores psicológicos, os quais comumente também impõem limites à cultura, tais como limitações de memória e mecanismos de percepção. Um enunciado apropriado é adequado, feliz e bem-sucedido em relação a um determinado contexto. Finalmente, a performance diz respeito às ocorrências e probabilidade de ocorrência de determinada estrutura.

Com isso, na competência comunicativa não se separam os fatores cognitivos dos psicológicos e volitivos (HYMES, 1972). Tal visão de competência influenciará a noção de

performance, que não é vista como sendo idêntica a um registro comportamental, tampouco

como uma realização parcial imperfeita da competência, mas engloba uma interação entre competência de cada indivíduo envolvido em um evento e as propriedades do evento. Finalmente, é possível afirmar que a noção de competência em Hymes (1972) não exclui o caráter inato (especialmente nos primeiros anos da criança, como sugerido por ele próprio), mas

9 I should take competence as the most general term for the capabilities of a person. (This choice is in the spirit, if at present against the letter, of the concern in linguistic theory for underlying capability.) Competence is dependent upon both (tacit) knowledge and (ability for) use. Knowledge is distinct, then, both from competence (as its part) and from systemic possibility (to which its relation is an empirical matter.) (HYMES, 1972, p. 282).

inclui ainda a socialização do indivíduo que é contínua ao longo dos anos e que exerce influência sobre sua competência. Ou seja, a competência comunicativa é alterada por fatores sociais.

Portanto, a noção mais ampla de competência defendida por Campbell e Wales (1970) e por Hymes (1972), a de competência comunicativa, inclui tanto a competência gramatical (conhecimento implícito e explícito de regras gramaticais) quanto a competência sociocultural, ou contextual (conhecimento das regras de uso da língua) (CANALE; SWAIN, 1980). Canale e Swain (1980) defendem essa noção em detrimento tanto das perspectivas que excluem a competência gramatical como das perspectivas que excluem a competência sociocultural do escopo da competência comunicativa. Esses autores afirmam ser possível distinguir regularidades em relação ao conhecimento de regras gramaticais e ao conhecimento das regras [socioculturais] de uso da língua da recorrência de aspectos não essenciais e menos específicos da performance. Dessa forma, opõem-se aos estudiosos que afirmam ser a teoria da competência comunicativa uma teoria da performance.

Canale e Swain (1980) enfatizam que um programa de ensino-aprendizagem de língua estrangeira que visa a promoção de competência comunicativa deve abordar tanto aspectos de competência gramatical quanto aspectos de competência sociocultural. Destacam, ainda, que a metodologia de ensino e os instrumentos avaliativos na sala de aula comunicativa não devem visar apenas a competência, mas também a performance, ou seja, “a verdadeira demonstração deste conhecimento em situações reais de segunda língua e para propósitos de comunicação

autêntica” (CANALE; SWAIN, 1980, p. 6)10. Mesmo porque, pelo fato de apenas a

performance ser observável, não é possível medir competência diretamente.

Diferentemente de Hymes (1972), que expande sua noção de competência de forma a abranger não apenas conhecimento, mas também habilidade, Canale e Swain (1980) compreendem competência, quer comunicativa, gramatical ou sociocomunicativa, apenas como conhecimento em uma determinada esfera, sem incluir habilidade para uso. Além de caracterizarem fatores como volição, motivação e patologias como pertinentes à performance comunicativa, entendem não haver embasamento teórico suficiente para incorporar essa noção de habilidade para uso na noção de competência, nem haver aporte teórico que dê conta da noção de habilidade e apoie o desenvolvimento de programas de ensino-aprendizagem que se voltem também para esse componente. Além disso, temiam que a inclusão de habilidade para uso em competência pudesse resultar em noções como déficit linguístico ou comunicativo,

10 “[…] the actual demonstration of this knowledge in real second language situations and for authentic com- munication purposes” (CANALE; SWAIN, 1980, p. 6).

desdobrando-se em diferenças de classe social e poder. Aspectos psicolinguísticos, como memória e estratégias de percepção, também deveriam ser incorporados numa teoria de

performance comunicativa, não de competência. O fortalecimento da teoria da competência

comunicativa depende do desenvolvimento de investigações da relação e interação entre conhecimento de gramática e conhecimento de regras socioculturais, mas também da investigação desses componentes fora dessa relação.

Antes de detalhar sua própria proposta de competência comunicativa, Canale e Swain (1980) discutem teorias de competência comunicativa anteriores, organizando-as em três grupos – as teorias de habilidades de comunicação básica, as teorias de comunicação mais abrangentes e as teorias integradas. Os autores compreendem que as teorias de habilidades de comunicação básica são mais próximas da realidade dos programas de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras e enfatizam o nível mínimo de habilidades comunicativas – mormente orais – demandado para a lide com as situações mais comuns de interação em língua estrangeira pelas quais um aprendiz pode passar (CANALE; SWAIN, 1980). Como limitações dessas teorias, os autores apontam a então inexistência de descrição de quaisquer regras de língua que apoiem a apropriação dos enunciados, bem como a falta de especificação de qual é o nível mínimo de habilidades necessário para a comunicação. Ainda assim, tais teorias apontam para esse nível mínimo e defendem que a produção de significados seja privilegiada desde o início do currículo. Os autores destacam evidências que sugerem a ênfase da acurácia gramatical e de significante comunicação desde o início dos programas de ensino-aprendizagem de línguas