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C APÍTULO Q UATRO

4.4 A noção de representação

Na Psicanálise, a noção de representação tem seu início com os estudos que Freud desenvolvia sobre as afasias. Segundo Rudge (1998, p. 71), no texto O inconsciente, Freud ―inaugurou uma concepção do psiquismo fundada na linguagem33‖ e se interessava pelas

questões da linguagem, porque ―visava apenas dar uma nova inteligibilidade‖ aos distúrbios afásicos. Freud ―aborda as representações como fatos emergentes em processos que ocorrem nas situações concretas de fala. A representação verbal intervém como um elemento envolvido no processo de falar ou de compreender‖. A linguagem, para Freud, tem o ―papel de condição das representações‖. (RUDGE, 1998, p 81). A representação articulada pelo desejo aparece na obra Interpretação dos sonhos como a ―representação do desejo como realizado‖. Rudge ainda assegura que ―a pulsão é condição da representação de palavra e objeto‖.

A noção de representação passa por mudanças significativas, ao longo da teoria freudiana. No texto A negativa, Freud postula que ―todas as representações provêm de percepções e são repetições dessas‖ (FREUD, 1925/1996, p. 267). Na segunda tópica, Freud faz a distinção entre as representações pré-conscientes e inconscientes, explicando que a primeira se vincula à palavra e a segunda acontece sobre um material que se apresenta não conhecido, mas recalcado (Vorstellungsrepräsentanz).

Com base em estudos

detalhados dos textos freudianos, Lacan traduziu o termo [Vorstellungsrepräsentanz] para o francês como représentants de la représentation, representantes de(a) representação, e concluiu que esses representantes podem ser igualados ao que na linguística se denominam significantes. (FINK, 1998, p. 25)

O ―inconsciente é estruturado como uma linguagem‖ afirma Lacan (1964/2008, p. 27). Com isso, está indicando que existe uma lógica estrutural entre os elementos inconscientes semelhante à lógica existente entre os elementos constituintes de qualquer linguagem. Ou seja, o inconsciente é constituído por uma cadeia de significantes que, obedecendo às regras de uma ―gramática‖ interna, promove deslizamentos, transformações e (re)combinações. Como essas operações estão fora do controle do eu, elas (as transformações, os deslizamentos

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―O Aparelho de Linguagem é concebido por Freud (a partir dos trabalhos sobre a patologia da linguagem) como uma estrutura, efeito da relação dinâmica entre os campos acústicos, visual e motor.‖ (MORAES, 1999, p. 59)

e (re)combinações) configuram-se como um Outro inassimilável à razão. Em Freud, o psiquismo se constitui por representações e, em Lacan, por significantes.

Lacan (1966/1998d, p. 862-863) postula que ―a letra mata, mas só ficamos sabendo disso pela própria letra‖, ou seja, ao ―concordarmos‖ ser inscritos na e pela linguagem, ―ganhamos‖ um corpo pulsional, um corpo de linguagem, porque nosso corpo biológico dá lugar ao significante. Nessa perspectiva, à medida que a linguagem possibilita a produção de algo, ela não possibilita tudo, pela própria condição de não abarcar o todo, apenas representar algo. Dessa operação de representar (parte d)o objeto, algo fica de fora, algo fica sem ser representado, instaurando, assim, a falta. Por essa razão, é possível entender que o ―sujeito castrado é o sujeito representado‖ (FINK, 1998, p. 97).

Pensamos a noção de representação a partir da formulação dos três registros postulados por Lacan: o real, o simbólico e o imaginário, na medida em que esse psicanalista associa a noção de representação em Freud, à noção de significantes, como constituintes do inconsciente. Nessa elaboração borromeana (RSI), a representação pensada no registro do imaginário (I) se dá justamente pela consistência mínima que pode ser atribuída a um objeto. O registro do simbólico (S) viabiliza que essa construção imaginária seja posta em palavras, em linguagem, insistindo sempre em sua nomeação e na relação de um significante com os outros. No registro do real (R), podemos conceber que há algo da ordem do inapreensível, do impossível, porém ex-sistindo como constitutivo de um objeto, sob a forma da ausência de um significante, aquilo que a linguagem não consegue abarcar.

Usamos a terminologia ―representação‖, ao longo desta tese, para nos referirmos a um tipo de elaboração dos professores pré-serviço que viabiliza uma consistência e um contorno mínimo de um objeto, seja sobre o ser professor, o ser aluno ou o ensinar. Entretanto, nessa construção imaginária, não deixamos de conceber a imbricação com os outros registros, S e R, porque entendemos que o imaginário não se constrói sozinho, mas no entrelaçamento desses três registros, a um só tempo.

Acrescentamos a essa elaboração que o nosso meio de acesso ao mundo é pela via da representação, como diria Freud, ou de significantes, segundo Lacan, que constroem nosso psiquismo, por um lado. Por outro, a noção de representação pensada como significante viabiliza conceber que um significado não está ―amarrado‖ ao significante, previamente. Ao contrário disso, o significante precede o significado, uma vez que a construção de um sentido de um determinado significante acontece com base no lugar que ele ocupa e nas relações que ele estabelece com os outros significantes na cadeia.

Nessa perspectiva, podemos pensar que as professoras pré-serviço, à medida que vão tomando para elas certos significantes advindos do Outro da formação acadêmica, associados aos significantes que as marcaram em suas histórias, vão construindo um modo de serem professoras e de ensinar. A noção de Outro que perpassa esta tese refere-se, inicialmente, ao campo teórico, à formação acadêmica de maneira geral (o tesouro dos significantes, como disse Lacan), mas refere-se também aos outros primordiais (nossos pais, familiares, mestres, etc) que se tornaram grandes outros, já que portaram algo que veio construir nossa subjetividade.

Assim, e ampliando a noção de Outro, como tesouro dos significantes e como linguagem; esse Outro é, ainda, o outro lugar, onde ―se pensa sem pensar‖ (QUINET, 2001, não paginado), e o Outro do laço social. Segundo Quinet (2001, não paginado), o Outro do laço social não é o semelhante, mas ―um lugar que pode ser ocupado por quatro tipos de outro, segundo a maneira como este é tratado‖: como agente, como verdade, como outro ou como objeto a. Estamos nos referindo aqui a uma forma de laço que fazemos com o outro, estabelecendo, assim, uma lógica discursiva. A essa lógica, Lacan, denominou discurso.

Essa construção pode apontar para o lugar em que colocamos o outro (ou somos colocados) com quem estabelecemos um laço social, em determinado momento, em determinada situação. Como temos investido na ideia de que as representações de ser professor não são construídas casualmente, importa-nos entender em que lugar as professoras pré-serviço foram colocadas (e se colocaram) no laço feito com seus mestres, na formação acadêmica. Nesse sentido, o próximo passo teórico a ser dado é em direção ao conceito de discurso, em Lacan.