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C ONSTRUINDO E ANALISANDO O CORPUS

1.9 Atualizando uma história

No final de 2011, solicitamos a Laila que nos relatasse como foram os anos subsequentes (2010 e 2011), para podermos acompanhar, mesmo que distante, sua história de ser professora. Destacamos que essas informações adicionais não serão analisadas, mas elas comporão esta tese a título de atualização de sua história.

Laila nos escreve:

―Em 2010, passei no concurso da Prefeitura. Continuei trabalhando com o ensino de inglês para alunos de 5ª a 8ª série. A experiência não foi muito boa. O choque de realidade foi imenso. A falta de recursos, salas cheias e a indisciplina foram alguns dos fatores que dificultavam muito o trabalho. Fui ficando desestimulada. Continuei estudando para concursos de magistérios e áreas administrativas.

Em 2011, muito frustrada com a educação, tendo passado por situações difíceis e constrangedoras dentro de sala de aula, me dediquei intensamente ao estudo para concursos fora do magistério. Estava trabalhando no início do ano, até abril, em três escolas, sendo duas de educação infantil (jardim até 4ª série). Passei em um concurso público para área administrativa e abandonei a carreira de docente. O novo trabalho tem relação com minha formação, porém foca mais na revisão e produção de textos. Não arrependi da troca. Me senti mais valorizada e passei por muito menos stress do que na sala de aula‖.

Deixar a sala de aula foi a saída que Laila encontrou para lidar com os impasses vivenciados em sua experiência, na sala de aula, a qual foi marcada por conflitos, medo, frustração e situações difíceis, usando as palavras dessa professora. Uma possibilidade de análise dessa resposta pode ser que Laila não parece suportar o rompimento da idealização da posição de professora e o esfacelamento das representações de ser professora, ser aluno e ensinar, até então construídas.

Com esses dizeres, concluímos o capítulo de análise de Laila e, na sequência, conheceremos um pouco da história da professora Mônica.

C

APÍTULO

D

OIS

M

ÔNICA

Possivelmente, eu trataria mais de perto a questão da relação aluno-professor, que são ambos, né, os dois seres constituídos por histórias, que se cruzam no momento da sala de aula, que se estranham, que se enfrentam e que às vezes se compreendem. Acho que a relação professor-aluno é que determina o sucesso ou a dificuldade de uma relação de ensino-aprendizagem.

Talvez isso tenha sido em parte traumática pra mim, essa relação. Ao invés de olhar mais pra língua, talvez, eu olharia mais pras pessoas que estão ali em sala de aula.

2 O relatório e a entrevista da professora Mônica: o ensino da gramática

Ao invés de tomar a palavra, gostaria de ser envolvido por ela e levado bem além de todo começo possível. A ordem do discurso

Foucault

O tema escolhido pela professora Mônica foi o ensino da gramática nas aulas de inglês. O texto que constituiu seu relatório é acentuadamente marcado por dizeres que nos remetem ao discurso da qualificação mediada pela reflexão e pela aplicação de metodologias e abordagens adequadas ao ensino da gramática nas aulas de língua estrangeira. Pensamos que dificilmente esse texto seria diferente, uma vez que se trata de um relatório de conclusão de estágio, o qual se insere em um âmbito de formação acadêmica e que será apreciado pela professora envolvida no processo do andamento do estágio.

Tal relatório constou de um estudo de caso e teve como objetivo geral ―descrever e analisar de que maneira, em que momentos e com qual(is) fundamento(s) teórico(s) de ensino a gramática é trabalhada em aulas de Língua Inglesa‖. Sua investigação se foca em ―como o estudo e o conhecimento das concepções teóricas e a consciência sobre a importância do processo reflexivo no ensino de língua estrangeira têm influenciado a prática efetiva dos professores‖.

Em linhas gerais, ela tece rápidas considerações sobre como alguns métodos e abordagens tratam o ensino da gramática em língua estrangeira. Os métodos citados foram: gramática e tradução, o direto, o audiolingual, o comunicativo e o integrativo. Na sequência, ela apresenta os objetivos de seu estudo, discute o tipo de pesquisa que irá desenvolver e indica os instrumentos de que lançará mão para a coleta e a análise dos dados. Ao final do relatório, a professora descreve algumas aulas assistidas e ministradas, analisando-as, e elabora sua conclusão.

Posteriormente, Mônica identifica qual(is) o(s) método(s) e abordagem(ns) foi(ram) adotado(s) nas dinâmicas trabalhadas nas aulas da professora colaboradora. Vejamos alguns desses momentos:

RM 1

Na primeira aula observada, foi realizada uma revisão do Present Continuous e do Simple Present (...) a explicitação da estrutura gramatical no quadro parece pertencer a

uma abordagem de ensino mais estruturalista, e pode ser caracterizada como fundamentada no método da Gramática e Tradução (...)

RM 2

na aula seguinte, (...), a professora realizou com os alunos um roleplay (...). Tratava-se de um diálogo situado em uma loja de roupas, (...). Esta atividade, como é possível observar, contrariamente ao estruturalismo presente no exemplo anterior, promoveu a interação entre os alunos e a construção conjunta do significado

RM 3

Finalmente, após uma atividade comunicativa de descrição de uma figura à escolha dos alunos, a professora solicitou que os alunos abrissem o livro didático

RM 4

Na primeira aula, em que a professora realizou uma revisão para a prova, foi realizado o seguinte exercício: “1. Fill in the blanks with the Present Continuous Tense or the Simple Present Tense.(…)”. Esta atividade, embora essencialmente estrutural, demandava que o aluno compreendesse o sentido da frase para, então, empregar a forma verbal correta. É possível enquadrá-la, portanto, no necessário rompimento entre formalismo e funcionalismo (...)

RM 5

Em outra aula observada, por outro lado, foi realizada a ―atividade do projeto Describe a Picture‖. (...) Esta atividade, por sua vez, caracterizava-se como comunicativa (CANALE E SWAIN, 1980), e apresentava a gramática de forma contextualizada e significativa para os alunos.

Trouxemos todos esses excertos para destacar o enfoque dado aos comentários sobre as aulas observadas. Enfoque esse que nos leva a perceber o cuidado com que Mônica identifica as teorias que estão sendo usadas pela professora colaboradora durante as aulas. Mônica descreve a atividade feita e aponta em que escopo teórico tal procedimento se enquadra. Assim procedendo, deixa entrever certa acuidade teórica com o processo de ensinar fortemente pautado em seus estudos, ao longo de sua graduação, acerca das metodologias.

Isso nos permite fazer uma inferência de que o foco de sua atenção para as aulas busca não somente investigar sobre sua questão de pesquisa, qual seja: ―como o estudo e o conhecimento das concepções teóricas e a consciência sobre a importância do processo reflexivo no ensino de língua estrangeira têm influenciado a prática efetiva dos professores?‖, mas também busca deixar sugerido que esse seria um caminho viável para o ensino da gramática nas aulas de LE.

Finalmente, ela nos relata alguns trechos de suas aulas e fala sobre suas tentativas de trabalhar com uma metodologia, depois outra... justificando a escolha de cada uma.

RM 6

busquei trabalhar a língua e a sua estrutura por meio da “Instrução Processual

RM 7

Acredito que me baseei no modelo teórico da Gramática Integrativa (SYSOYEV, 1999) apresentando o sentido do contexto de uso, depois explicitando a estrutura e

terminando com atividades de emprego da estrutura gramatical‖ (1ª aula regida –

23/10/2007).

RM 8

Houve momentos em que “passei de atividades contextualizadas, interessantes e

motivadoras, para puramente gramaticais e descontextualizadas”

Esse deslizamento pelas metodologias nos dá indícios de que já existe, em seu fazer docente, uma representação do que seria ensinar, e que um traço dessa representação poderia ser que a escolha do método certo iria conseguir atender às demandas de seu grupo.

Observamos que esse método certo parece estar ligado a uma abordagem específica, em um primeiro momento: à abordagem comunicativa. Tal fato faz com que ela se reorganize, e deslize nas atividades, cujo desenvolvimento foca a comunicação. Entretanto, no decorrer das atividades na aula, Mônica percebe que algo ainda lhe escapa. O que a coloca em um impasse. O efeito desse impasse, para o exercício profissional, é um conflito marcado por querer desenvolver aulas não estruturais e não conseguir fazê-lo, conforme ela mesma afirma em RM 8.

Pensamos que esse impasse esteja expresso em ―tentei, a todo o custo, evitar aulas estruturais‖. Esse dizer nos leva a pensar que constitui o imaginário dessa professora que trabalhar a estrutura da língua, da forma como ela afirma ter trabalhado, seja algo problemático, ou que não seja compatível com o ensino de língua estrangeira. Possivelmente, esse imaginário possa ter sido construído a partir da identificação com pressupostos teóricos advindos de determinados métodos e abordagens, em especial, aqueles que privilegiam a comunicação. Para essas metodologias, o enfoque no ensinar e aprender uma LE centra-se em não apenas saber sobre a língua, mas saber a língua para se comunicar.

Identificar-se com a abordagem comunicativa pode também estar ligado a uma questão de Mônica, advinda da sua história de aprender. Assim afirmamos, porque essa professora nos relata, na entrevista, que as explicações gramaticais não a agradavam. Ou seja, esse fato deixa brechas para pensarmos que uma abordagem que, a princípio, não privilegia o ensino das estruturas gramaticais parece ressoar como a possibilidade de resposta a essa questão de Mônica. Retomamos essa discussão na análise do excerto EM 5, mais adiante.

Dessa forma, a escolha do método certo nos pareceu constituir uma das representações do que seria ensinar uma língua estrangeira. Com isso, podemos inferir que há indícios de

uma inscrição no campo do Outro, nesse Outro teórico que fez parte de sua formação. Referimo-nos às operações de alienação e de separação para que a subjetividade se construa. Pensamos que, no relatório da professora Mônica, a operação de alienação configura-se como sendo bem marcante. Mencionamos isso, porque, inicialmente, ela parece ―dizer sim‖ às teorias e aos mesmos autores que estiveram presentes em sua graduação, constituindo-se desses pressupostos. Dentre esses pressupostos, iniciamos com a questão da escolha dos métodos no ensino da gramática em língua inglesa, que nos pareceu acentuada no relatório.