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A Nomenclatura Adequada: Velhice ou Idade Avançada?

No documento MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS (páginas 109-113)

CAPÍTULO IV – O CONCEITO DE IDADE AVANÇADA

4.2. A Nomenclatura Adequada: Velhice ou Idade Avançada?

O risco social que decorre do implacável processo de envelhecimento do ser humano é amplamente tratado pela doutrina e pela jurisprudência como velhice ou idade avançada. Contudo, antes de buscarmos definir a contingência previdenciária de que tratamos convém determinar qual o termo mais adequado para designá-la.

Tradicionalmente o risco social em comento foi nominado no direito pátrio pelo termo velhice, que constava inclusive na redação original da Constituição Federal de 1988, no inciso I do artigo 201245. Na esfera constitucional a Emenda à Constituição no 20, de 15 de dezembro de 1998, foi a responsável por extirpar o termo velhice da Carta Magna, procedendo a sua substituição pela expressão idade avançada no âmbito da Previdência Social246.

Na legislação ordinária, o Plano de Benefícios da Previdência Social (Lei no

8.213/1991) foi o precursor da mudança da nomenclatura relativa ao risco em comento, especialmente ao alterar o nome do benefício “aposentadoria por velhice”, que passou a ser designado “aposentadoria por idade”.

Assim foi na década de 1990 que ganhou força a tendência de substituição do termo “velhice” pela locução “idade avançada”, liderada pelas alterações procedidas na legislação vigente. Importa revelar que tal mudança na nomenclatura não decorreu de um mero capricho legislativo, mas sim de um esforço em se superar o estigma pessimista que impregna a expressão “velhice”, que “veste roupas escuras” segundo a prosopopéia de Jean-Pierre Dubois-

LÓPEZ CUMBRE, Lourdes. (Coord) Tratado de jubilación. Homenaje a Luis Enrique de la Villa Gil Madri: Iustel, 2007, p. 110-111.

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“Art. 201. Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a:

I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte, incluídos os resultantes de acidentes do trabalho, velhice e reclusão;

246 Uma análise atenta ao texto constitucional revela que a expressão “velhice” continua a ser utilizada ao se tratar da assistência social (art. 203, I) e do dever dos filhos de ajuda e amparo aos pais na terceira idade, carência ou enfermidade (art. 229).

Dumée247. Revela o autor francês que essa alteração no contexto brasileiro

acompanha tendência observada em todo o mundo: na França, por exemplo, no ano de 1985 seu governo retirou de diversos textos administrativos a expressão “velhice” em função da sua conotação negativa.

Celso Barroso Leite248, identificando já no ano de 1973 um panorama desfavorável envolvendo o termo “velhice”, sugeria a sua substituição por termos alternativos e eufemísticos, o que o Legislativo somente concluiu quase duas décadas depois.

A carga axiológica negativa que recai sob a expressão velhice decorre do antigo e ultrapassado estereótipo que confunde a velhice com a melancolia, com a decadência, com a doença e com a incapacidade. Esse posicionamento decorre de informações antigas e pré-concebidas sobre a velhice que ajudaram a consolidar “valores em relação aos velhos como sendo fracos, aborrecidos e incapazes”249.

Simone de Beauvoir, escritora feminista francesa do século XX, em sua clássica obra “La Vejez” contextualizou com sucesso essa visão pessimista da velhice que, no contexto então vigente, era sinônimo de involução250. Sendo idosa (com sessenta e dois anos de idade) à época da publicação da obra, a autora pôde sentir na pele o preconceito e a condição de abandono experimentada pelo cidadão com idade avançada.

Atualmente essa visão mostra-se radicalmente obsoleta. Se adequada para o passado, certamente não é válida para os dias atuais e de modo algum será válida para o futuro próximo da população idosa, conforme leciona José Juan Toharia Cortês, professor catedrático de sociologia da Universidad Autónoma de Madrid

247 DUBOIS-DUMÉE, Jean Pierre. Envelhecer sem ficar velho – a aventura espiritual. Tradução de Yvone Maria de CamposTeixeira da Silva. São Paulo: Paulinas, 1999, p. 21.

248 LEITE, Celso Barroso. Previdência social: atualidade e tendências. São Paulo: LTr, 1973, p. 82. 249 JUNQUEIRA, Ester Dalva Silvestre. Velho. E por que não? Bauru: EDUSC, 1998, p. 43. 250

BEAUVOIR, Simone de. La vejez. Traducción de Aurora Bernárdez. Buenos Aires (AR): Editorial Sudamericana, 1970, p. 644.

las ideas que todos tenemos acerca de la vejez fueron adquiridas inconscientemente, a lo largo de nuestra infancia. Son por tanto ideas forzosa y radicalmente obsoletas, válidas si acaso para quienes entonces eran personas ancianas, pero difícilmente para quienes ahora lo son y, en modo alguno, para quienes lo serán en unos años.251

A antiga visão de que os velhos poderiam “ser descartados (...) considerados inúteis ou peso morto”252, além de altamente discriminatória e preconceituosa, já foi felizmente superada, o que implica a necessidade urgente, no meio social, de desconstrução e adaptação do antigo paradigma do velho ao atual contexto social da idade avançada, pautado pelo reconhecimento e valorização do cidadão idoso.

Atualmente não há dúvida de que o idoso pode contribuir para a sociedade assim como qualquer outro cidadão, especialmente com a sua experiência que decorre do conhecimento adquirido ao longo do transcurso de sua existência, bastando para tanto a disponibilização de condições de vida e de trabalho compatíveis com as suas condições físicas e psicológicas, como regra, mais desgastadas com o acúmulo dos anos.

Estudo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP –, em parceria com o Serviço Social do Comércio – SESC –, ressalta que os idosos são pouco aproveitados no mercado de trabalho, apesar da existência de espaço e de carência pela sua contribuição em prol de mundo melhor

O mercado de trabalho é muito grande e há áreas quase intocadas; entre elas, o trabalho de inclusão (social, econômica, profissional), no qual há muito a ser feito. As pessoas com grande experiência profissional e de vida podem efetivamente ajudar o país e o mundo a serem lugares melhores para se viver. A importância das novas habilidades, como possibilidade de inserção social do idoso, é processo não apenas de (re) socialização, mas condição importante na crença do indivíduo em poder fazer algo por ele mesmo e pela sociedade.253

251CORTÊS, José Juan Toharia.Tratado de jubilación. Homenaje a Luis Enrique de la Villa Gil Madri: Iustel, 2007, p. 116.

252

Velhices: reflexões contemporâneas. São Paulo: SESC:PUC, 2006, p. 50. 253

Se é verdade que o desgaste físico por vezes o impede de continuar exercendo o mesmo ofício de quando jovem, não há oposição algum para que o idoso exerça tantas outras atividades, especialmente as de cunho voluntário e de transmissão do conhecimento, as quais contribuem para uma idade avançada produtiva e bem sucedida. Ignorar a disponibilidade do coletivo idoso para contribuir com a sociedade é abrir mão de um capital humano e laboral altamente experiente e, acima de tudo, uma atitude injustificadamente segregadora.

Enfim, o advento da idade avançada não retira do idoso a sua condição de “ator social”254, sendo ele parte de um segmento da sociedade que continua a ser consumidor e formador de opinião.

Assim, Ester Junqueira255 constata que chamar um cidadão de “velho” pode constituir uma ofensa em função da carga pejorativa atribuída ao termo256, razão pela qual o legislador preferiu abdicar do seu uso, pelo menos até que a sua concepção negativa seja desconstruída e adaptada ao atual contexto que prestigia a dignidade da pessoa humana.

Entendemos, então, que a preferência pela utilização da expressão “idade avançada” revela um caráter pedagógico: ao implicar o abandono de expressão carregada de preconceito, a mudança na nomenclatura facilita a imposição e a consolidação de um novo tratamento para com o idoso e para com o advento da velhice.257

Dessa forma, o presente trabalho utiliza-se preferencialmente da atual denominação constitucional do risco social (“idade avançada”), acolhendo a salutar alteração legislativa de caráter eminentemente pedagógico. Passamos a

254 Trata-se de expressão utilizada pela professora Ruth Gelehrter da Costa Lopes. op. cit., p. 27. 255

Op.cit., p. 84-85. 256

Eliana Fiorini Vargas relata que “o adjetivo ‘velho’ e o substantivo ‘velhice’ estão impregnados de

preconceitos. Associam-se essas palavras a ‘feio’, ‘doente’, ‘incapaz’ ou dependente”. in VARGAS, Eliana Fiorini. A aposentadoria por idade no direito brasileiro.São Paulo, 2005.179p. Dissertação de Mestrado em Direito Previdenciário –Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. p. 97.

257 Nessa esteira Denise Moreno é enfática: “a simples troca de nomenclaturas não tem o condão de

rejuvenescer os beneficiários da aposentadoria mas, certamente, tem a peculiaridade de reduzir a enorme carga de preconceito e discriminação.”in MORENO, Denise Gasparini. Direito à velhice digna.São Paulo, 2002.286p. Dissertação de Mestrado em Direito Previdenciário – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, p. 16.

seguir a examinar efetivamente qual o risco social que representa o advento da idade avançada.

No documento MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS (páginas 109-113)