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O Critério Etário e sua Diferenciação no Meio Rural

No documento MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS (páginas 134-138)

CAPÍTULO IV – O CONCEITO DE IDADE AVANÇADA

4.3. O Risco Social da Idade Avançada

4.3.2 O Critério Etário e sua Diferenciação no Meio Rural

Outra importante questão que decorre dos debates nos meios político e acadêmico refere-se à distinção do critério etário das aposentadorias por idade entre os trabalhadores urbanos e rurais, conforme determina a mesma redação do artigo 201, § 7o., inciso II, nos seguintes termos

§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de

previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes

condições:

(...)

II - sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os

trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam

suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. [destaca-se]

A atual redação desse dispositivo constitucional estabelece que o requisito etário para a aquisição do direito à aposentadoria por idade será inferior em cinco anos para os trabalhadores do meio rural (sessenta anos para os homens e cinquenta e cinco anos para as mulheres), enquanto homens e mulheres do meio urbano deverão cumprir as idades, respectivamente, de sessenta e cinco e sessenta anos para se aposentarem.

Na esteira dos questionamentos que fomentaram o debate sobre a isonomia no item anterior e prestando especial atenção ao que determina o princípio constitucional da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços

às populações urbanas e rurais315, o que deve ser analisado é se se justifica

dentro do atual contexto social a manutenção da diferença do critério etário mais benéfico para o acesso à aposentadoria por idade no âmbito rural316.

Nesse ponto entendemos que a principal característica que fundamenta e que justifica o tratamento diferenciado dispensado ao trabalhador rural é a persistência de condições de trabalho no campo que fazem com que esse trabalhador tenha, como regra, um desgaste maior do que o da cidade, recaindo sobre ele mais precocemente os efeitos do advento da idade avançada.

Em primeiro lugar, a saúde e a segurança do trabalhador rural passaram a ser uma preocupação do Estado brasileiro somente recentemente com a edição da Norma Regulamentadora n. 31, do Ministério do Trabalho, de 04 de março de 2005, que buscou regulamentar a segurança e a saúde no trabalho na agricultura, pecuária, silvicultura , exploração florestal e aquicultura.

A referida norma, editada com um atraso de trinta e dois anos, veio regulamentar o artigo 13 da Lei n. 5.889, de 08 de junho de 1973, que determinou ser de competência do antigo Ministério do Trabalho e Previdência Social estabelecer normas de segurança e higiene para os trabalhadores do meio rural.

Vale dizer que antes do ano de 2005 inexistiam normas aptas a regulamentar com precisão as condições de saúde e de segurança do trabalho no meio rural, o que fez com que esses trabalhadores fossem submetidos às mais diversas e prejudiciais condições de trabalho, comumente em prol de um maior rendimento dos insumos produzidos.

De outro lado, o baixo índice de mecanização das lavouras brasileiras implica a manutenção do contato permanente com as intempéries do clima e do meio ambiente rural, fazendo com que o trabalhador do campo, como regra, tenha

315

Trata-se de princípio constitucional já analisado no item 2.2. do Capítulo II da presente dissertação. 316 Importa revelar que a aposentadoria por idade é atualmente a espécie de aposentadoria responsável por proporcionar proteção social ao maior número de segurados no meio rural: em dezembro de 2008 5.141.644 de trabalhadores rurais eram beneficiários de aposentadoria por idade, contra apenas 12.697 de trabalhadores rurais beneficiários de aposentadoria por tempo de contribuição. in MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. Anuário Estatístico da Previdência Social. Brasília: MPS/Dataprev, 2009, p. 284.

um desgaste físico maior do que o trabalhador do meio urbano (ambiente no qual as exigências de esforço físico tendem a ser mais amenas).

Concordamos com Eliseu Alves, Evandro Mantovani e Antônio de Oliveira ao apontarem que “muitos imaginam que as máquinas e equipamentos estão aí para destruírem empregos e se esquecem de que elas são fundamentais para reduzir o sacrifício do trabalhador ” 317 e, consequentemente, proteger a sua saúde.

Infelizmente, recentes estudos318 indicam que o índice de mecanização das lavouras brasileiras ainda é baixo319 em função da “proteção da indústria nacional, taxas de juros elevadas e inexistência de crédito apropriado”320. Assim, com a exceção do trabalho em algumas poucas lavouras mecanizadas, na maioria do país a produção agrícola ainda depende fundamentalmente do exaustivo esforço físico dos seus trabalhadores.

Por fim, no meio urbano os trabalhadores beneficiam-se de uma maior presença estatal que facilita o acesso aos serviços de saúde, educação, transporte e cultura, diferentemente do que ocorre no meio rural, onde a atuação estatal tende a ser deficitária, em detrimento das condições de vida do rurícola.321

Aproveitando-se desse distanciamento do Estado no meio rural, não é rara a atuação de empregadores inescrupulosos que, aproveitando-se do baixo índice

317ALVES, Eliseu, MANTOVANI, Evandro, OLIVEIRA, Antonio de. Migração rural-urbana, agricultura

familiar e novas tecnologias: coletânea de artigos revistos. Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2006, p. 144.

318 Destacamos as obras: Migração rural-urbana, agricultura familiar e novas tecnologias: coletânea de

artigos revistos. Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2006. e Revista de política agrícola. Ano XVIII, n. 4 – Out./Nov./Dez. Brasília, DF: Secretaria Nacional de Política Agrícola, Companhia Nacional de Abastecimento, 2009.

319 “Em grãos são plantados 44 milhões de hectares. Ou seja, 56 hectares por trator. Não se consideram

nessa relação as áreas em florestas e pastagem plantadas. Logo, o índice de mecanização é ainda bastante baixo.” (Revista de política agrícola. Ano XVIII, n. 4 – Out./Nov./Dez. Brasília, DF: Secretaria Nacional de Política Agrícola, Companhia Nacional de Abastecimento, 2009. p. 16.) “Em primeiro lugar, a mecanização

não atingiu todas as culturas e é muito menos intensa no Norte e no Nordeste. E mesmo onde se implantou, com sucesso, o grau de mecanização ainda não tem o nível dos países do primeiro mundo. Em segundo lugar, a grande expansão da área sob agricultura, mais que anulou os efeitos da mecanização.” in ALVES, Eliseu, MANTOVANI, Evandro, OLIVEIRA, Antonio de. Op. cit., p. 37.

320ALVES, Eliseu, MANTOVANI, Evandro, OLIVEIRA, Antonio de. Op. cit., p. 61. 321

MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. Envelhecimento e dependência: desafios para a

de escolaridade dos trabalhadores daquele meio322, insistem em subtrair-lhes

direitos sociais, fazendo com que no meio ambiente de trabalho rural existam algumas das piores condições de trabalho da sociedade brasileira.323

Nesse contexto, Vitório Sorotiuk destaca a vulnerabilidade do trabalhador do campo

...é na área rural que ainda remanesce com maior intensidade

as condições de trabalho que mais se aproximam ao regime de escravidão ou de semiescravidão.

No espaço rural é menos presente a ação estatal direta e maior o poder direto do patrão sobre o empregado. De um lado as notificações sobre as condições de trabalho não são feitas pelo empregador e por outro, o trabalhador receoso da perda de emprego e do poder pessoal do patrão deixa de informar as condições de trabalho e os acidentes. A informalidade predomina no setor e em regra não existe a comunicação do acidente de trabalho. 324[destacamos]

Portanto, diante do contraste ainda existente entre o trabalho no campo e na cidade é perceptível a congruência entre a distinção do requisito etário das aposentadorias por idade dos trabalhadores urbanos e rurais com a desigualdade existente em ambos ambientes de trabalho.

Nesse sentido, acolhemos integralmente as lições do professor Wagner Balera

É perceptível, ao senso comum, que o rurícola se desgasta rapidamente e precocemente envelhece, em razão das condições adversas de seu trabalho. Sendo diversas as condições de trabalho, na cidade e no campo, diversamente hão de ser tratados, trabalhadores rurais e urbanos, para efeito de aposentadoria. O tratamento distinto pretende compensar suas diferenças e é

322 “Em 2000, a média de anos de estudo da população brasileira era cerca de sete anos de estudo, já a

população rural tinha em média de 3,4 anos.” in MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. Mudança

populacional: aspectos relevantes para a previdência. Coleção Previdência Social, v. 27. Brasília, 2008, p. 99.

323 Em função da persistente vulnerabilidade da população rural o Fórum Nacional de Previdência Social, realizado no ano de 2007, reconheceu a importância estratégica da política de previdência voltada aos trabalhadores rurais, destacando que a política previdenciária é a que tem mais contribuído para enfrentar o problema da pobreza das regiões mais desfavorecidas. in MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL.

Panorama da previdência social brasileira. 3ª ed. Brasília, 2008, p. 59. 324

SOROTIUK, Vitorio. “O trabalhador rural e o ambiente agrário” in ZIBETTI, Darcy Walmor (coord.).

proposta que obriga o Estado a dar início ao resgate da pesada dívida social que mantém com o homem do campo. 325

Assim, a antecipação em cinco anos para a aposentadoria por idade do trabalhador do campo mostra-se como um critério legitimamente manipulável em prol da disponibilização de proteção previdenciária aos trabalhadores rurais na mesma medida em que a usufruída pelos trabalhadores urbanos.

No documento MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS (páginas 134-138)