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A Norma SA 8000

No documento NVESTIMENTOSI NTERNACIONAIS E AC (páginas 146-153)

PARTE II – DA CONTRAPARTIDA SOCIAL

8.2. A Norma SA 8000

A Norma SA 8000, desenvolvida na Inglaterra pela Social Accountability

International, em 1997, é, na realidade, uma certificação social. Foi elaborada com

base na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e em Convenções sobre o trabalho da OIT e é o primeiro regulamento visando certificar as empresas mundiais que agem com responsabilidade social.

Tem como objetivo principal trazer os requisitos de responsabilidade social para permitir que uma empresa possa: “(i) desenvolver, manter e executar políticas e procedimentos com o objetivo de gerenciar aqueles temas os quais ela possa controlar ou influenciar; e (ii) demonstrar para as partes interessadas que as políticas, procedimentos e práticas, estão em conformidade com os requisitos da norma”241.

241

Norma SA 8000. Social Accountability International. Out. 1997. Disponível em: <http://www.sa- intl.org>.

Para Francisco Paulo de Melo Neto242, a norma, “ao mesmo tempo que é utilizada pela empresa para humanizar sua gestão, também é instrumento que pode ser utilizado pela sociedade civil para monitorar o desempenho social das empresas”.

Interessante notarmos que uma das obrigações impostas pela Norma SA 8000 é que a empresa deve cumprir as leis nacionais e outras aplicáveis e, em caso de conflito de leis, deve ser aplicada aquela que for mais rigorosa em matéria de direitos humanos.

Consideramos faltar nesta norma que os requisitos mínimos de responsabilidade social sejam aplicados universalmente, independentemente da localização geográfica e do tamanho da empresa. Ou seja, uma vez adotados os princípios de responsabilidade social, todas as demais empresas, controladas ou coligadas243, da empresa certificada deveriam ser obrigadas a seguir tais princípios.

A Norma SA 8000 estabelece nove requisitos que devem ser observados para a obtenção do certificado de responsabilidade social:

(i) trabalho infantil; (ii) trabalho forçado; (iii) saúde e segurança;

(iv) liberdade de associação e direito à negociação coletiva; (v) discriminação;

(vi) práticas disciplinares; (vii) horário de trabalho; (viii) remuneração; e

(ix) sistemas de gestão.

242

MELO NETO, Francisco Paulo de. FROES, César. Responsabilidade Social e Cidadania

Empresarial: a administração do terceiro setor. Rio de Janeiro: Qualitymark Ed., 1999, p. 176.

243

O Art. 243 da Lei das S.A. nos esclarece o sentido de controlada e coligada: “O relatório anual da administração deve relacionar os investimentos da companhia em sociedades coligadas e controladas e mencionar as modificações ocorridas durante o exercício.

§ 1º São coligadas as sociedades quando uma participa, com 10% (dez por cento) ou mais, do capital da outra, sem controlá-la.

§ 2º Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores”. (grifos nossos).

Isto posto, vejamos, mais explicitamente, o que a Norma SA 8000 requer para que uma empresa possa ser certificada:

No tocante ao trabalho infantil, a norma estabelece, dentre outros requisitos, que a empresa não se deve envolver ou contratar trabalho infantil e que também não deverá expor trabalhadores jovens a trabalho insalubre ou perigoso.

Também, a empresa nunca deverá apoiar ou se envolver com a utilização de trabalho forçado, nem deve exigir dos seus funcionários nenhum tipo de depósitos ou garantias — mesmo que seja deixarem seus documentos pessoais com a empresa — para que possam trabalhar.

No que tange à saúde e à segurança, a empresa deve não apenas proporcionar um ambiente de trabalho seguro e saudável, tomando todas as medidas adequadas para prevenir acidentes e danos à saúde, mas também garantir que os funcionários recebam treinamento sobre saúde e segurança, instrumentos de proteção no trabalho, água potável e instalações apropriadas para as necessidades sanitárias e para o armazenamento de alimentos.

Pode parecer que algumas exigências da Norma SA 8000 sejam tão elementares que não deveriam estar incluídas nela, porém estamos nos referindo a uma norma que certifica empresas em todo o mundo e, se tais exigências se configuram como básicas em certos países, em outros podem ser de difícil alcance.

O item relativo ao direito de trabalho, à liberdade de associação e ao direito à negociação coletiva dispõe que a empresa deve respeitar o direito dos funcionários de associar-se a sindicatos e negociar de forma coletiva, primando para que o representante dos trabalhadores não seja discriminado nem sofra constrangimento por sua condição.

No que diz respeito à discriminação, a empresa não deverá contratar trabalhadores com base em critérios discriminatórios, nem poderá fazer distinção de

raça, classe social, nacionalidade, religião, deficiência, sexo, orientação sexual, associação a sindicato ou afiliação política.

O sexto requisito a ser observado concerne às práticas disciplinares e diz respeito à proibição da punição corporal, mental, da coerção física e do abuso verbal.

Quanto ao horário de trabalho, a Norma SA 8000 é até menos rigorosa do que a nossa CF, dispondo que os funcionários não devem ser rotineiramente solicitados a trabalhar acima de 48 horas por semana, devendo ter pelo menos um dia livre num período de sete dias de trabalho.

Ainda, quanto ao direito do trabalho e no que diz respeito à remuneração, a empresa deve adotar critérios salariais de acordo com os padrões mínimos da indústria, os quais devem ser suficientes para atender às necessidades básicas dos funcionários e proporcionar alguma renda extra.

O último quesito diz respeito ao sistema de gestão, à implementação, pela administração da empresa, de uma política de responsabilidade social e aos meios para assegurar o seu cumprimento, que se dará, principalmente, através do respeito de todos os requisitos acima apontados e do respeito às leis nacionais e internacionais.

Por fim, dentro deste último requisito, a norma exige que a empresa estabeleça procedimentos apropriados para avaliar e selecionar seus fornecedores com base em sua capacidade de atender os requisitos da norma, fazendo com que estes também se comprometam com as regras por ela estabelecidas.

No mais, a empresa fica obrigada a fornecer todo o tipo de informação a qualquer pessoa que esteja interessada em saber se as atividades exercidas pela empresa estão em conformidade com a norma, devendo inclusive tornar pública a sua obediência a ela.

Periodicamente, a administração da empresa deve reavaliar essa política, adequando-a no que for necessário e fazendo com que seja cumprida por todos os setores e níveis da empresa.

Nossa crítica a esta Norma é relativa à sua estreita abrangência, visto que leva em conta tão-somente os aspectos sociais dos direitos humanos e dá ênfase exclusiva aos direitos dos trabalhadores. Consideramos que uma certificação internacional deveria levar em conta, além dos direitos dos trabalhadores, os direitos da comunidade em que a empresa está inserida e, também, dos acionistas e dos investidores.

A Norma SA 8000 não equilibra os diferentes stakeholders envolvidos na empresa, como, por exemplo, o próprio governo, que deve ser respeitado através do pagamento de impostos e da obediência à legislação.

Outro equívoco constatado na norma é que esta não traz, entre as responsabilidades, o dever de respeito ao meio-ambiente, fundamental para que se tenha um desenvolvimento sustentável.

Consideramos que esta norma foca somente os trabalhadores da organização empresarial, esquecendo-se de toda a gama de atores que dependem da empresa, incluindo aí os consumidores.

Ademais, normas relativas ao direito do trabalho e do trabalhador não são novidades no âmbito internacional. Em 1977, a sessão 204º da OIT aprovou a Declaração Tripartite dos Princípios concernentes às Empresas Multinacionais e Política Social (Tripartite Declaration of Principles concerning Multinational

Enterprises and Social Policy).

Esta Declaração reconhece que as empresas multinacionais desempenham um papel importante na economia da maioria dos países e nas relações econômicas internacionais; portanto, objetiva encorajar a contribuição positiva que as multinacionais podem fazer para o desenvolvimento social e econômico e para a minimização e a solução das dificuldades que suas atividades podem gerar para o trabalhador e para a comunidade.

Ainda, a Declaração reconhece que as multinacionais, através dos investimentos estrangeiros diretos, podem trazer benefícios substanciais para o país de origem e para o país receptor desses investimentos, contribuindo para um uso mais eficiente do capital, da tecnologia e do trabalho. Neste sentido, ainda, as multinacionais podem contribuir significativamente, assim como viemos apontando, para a promoção do bem-estar social e econômico.

Estabelece a Declaração, por fim, que, diante das normas por ela estabelecidas, cabe aos Estados assegurar a internalização de suas regras e sua implementação pelas multinacionais. Ou seja, a Norma SA 8000 não é a primeira nem a única no mundo a tentar garantir direitos mínimos ao trabalhador.

Temos, porém, que aplaudir a Social Accountability International pela inovação que, ao incluir os fornecedores da empresa como parte integrante do processo de responsabilidade social, em parte coincide com a proposta que será por nós apresentada.

Pensamos que, para ser eficaz em termos de responsabilidade social, uma norma — seja certificadora ou jurídica — deveria abranger os seguintes requisitos mínimos:

1) Trabalhador (inclui: remuneração, férias, seguro, previdência, saúde, ambiente de trabalho, liberdades, transporte, lazer, aperfeiçoamento profissional, etc.).

2) Meio-ambiente (e.g., recursos naturais, preservação e manutenção).

3) Comunidade (inclui: moradia, segurança, saneamento, poluição, etc.).

4) Consumidores (inclui: ética, transparência nos negócios, etc.). 5) Terceiros (e.g., prestadores de serviços e fornecedores);

6) Investidores (e.g., acionistas, majoritários ou não, e investidores de Bolsa).

7) Mulher (respeito à mulher, não-discriminação, etc.). 8) Cultura (e.g., lazer).

Consideramos que, para auxiliar na realização dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais e contribuir para o desenvolvimento mundial do ser humano e da comunidade, os temas acima deveriam ser incluídos — embora não exclusivamente — na esfera de atuação das empresas internacionais.

Por exemplo, e nesse sentido, Maria Irma Neife Galhardo traz que “a doutrina tem considerado o equilíbrio de quatro fatores, também chamados de dimensões, para o início do caminho da Responsabilidade Social Empresarial. São elas:

- a responsabilidade econômica: sobrevivência e crescimento de bens e serviços, geração de empregos, renda e lucro.

- a responsabilidade legal: cumprimento e obediência às leis.

- a responsabilidade ética: comportamento segundo princípios éticos e morais, como honestidade, justiça, eqüidade, respeito, etc.

- a responsabilidade discricionária: também chamada de filantrópica. Referentes às ações voluntárias de extensão à sociedade.

Por fim, trazemos as palavras de Neil Kearney244 para ressaltar que “códigos de conduta corporativos não são, entretanto, substitutos de uma legislação nacional, editada e eficazmente implementada pelos governos [...]”.

O que propomos é uma norma por meio da qual o investidor estrangeiro somente possa investir em uma empresa nacional, caso ela cumpra todos os requisitos expostos acima e, na mesma medida, por eles também se responsabilize. Isto é, queremos vincular as duas partes na mesma obrigação, queremos fazer com que o par investidor-receptor (ambos) seja responsável pela implementação de políticas empresariais internas que atentem para aqueles requisitos mínimos e busquem incluí- los em sua atuação.

244

KEARNEY, Neil. Corporate Codes of Conduct: The Privatized Application of Labour Standards. In: STEINER, Henry, J. ALSTON, Philip. International Human Rights in Context (Law, Politics,

No documento NVESTIMENTOSI NTERNACIONAIS E AC (páginas 146-153)