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Sarbanes-Oxley Act

No documento NVESTIMENTOSI NTERNACIONAIS E AC (páginas 156-161)

PARTE II – DA CONTRAPARTIDA SOCIAL

8.4. Sarbanes-Oxley Act

Pode parecer impróprio trazermos aqui uma matéria puramente contábil, econômico-financeira, que trata de governança corporativa no mercado de capitais, após falarmos intensamente sobre direitos humanos e responsabilidade social. Mas, veremos abaixo que a Sarbanes-Oxley Act (“SOA”), mais do que uma simples norma de governança corporativa americana, forçou uma mudança na forma com que negócios são conduzidos, não só nos Estados Unidos da América, onde foi emanada, como em todo o mundo, devido à responsabilização indireta assumida pelos diretores e presidentes das matrizes por atos cometidos em suas subsidiárias ao redor do mundo.

Vejamos o que dispõe a SOA, qual o seu objetivo, e em que medida poderemos aplicar seu conceito à contrapartida social a ser realizada pelas empresas que investem ao redor do mundo.

A SOA foi idealizada em 2002 em resposta às fraudes financeiras verificadas nas empresas norte-americanas (e.g., casos WorldCom e Enron), que maquiavam seus números contábeis para apresentar melhores resultados aos seus acionistas. Idealizada pelos congressistas norte-americanos Michael Oxley e Paul Sarbanes após o colapso da Enron e da WorldCom, tem por objetivo prevenir fraudes e aumentar a transparência de empresas de capital aberto.

A SOA contém 700 artigos e prevê multas de até US$ 5 milhões e penas de prisão de até 20 anos. Está principalmente direcionada às companhias listadas na Bolsa de Nova York, incluindo todas as suas subsidiárias (ou seja, empresas sediadas em outros países nos quais fizeram investimentos), o que inclui mais de mil outras empresas. Abrange também todas as companhias brasileiras (sociedades anônimas) que possuem ações emitidas na Bolsa de Nova York, as chamadas ADR (American

Depositary Receipts).

Dentre seus artigos mais controversos estão os de número 302 e 404. Reza o artigo 302 que, a cada trimestre, os executivos da empresa deverão assinar certificados assegurando a veracidade das informações financeiras da empresa,

incluindo a assunção de responsabilidade em caso de omissão ou informações incorretas.

Esse procedimento de certificação e assunção de responsabilidade foi o que fez com que esta lei chegasse até os demais países, incluindo o Brasil, pois as matrizes americanas passaram a exigir que os presidentes e diretores financeiros de suas subsidiárias assinassem também o certificado, atestando a veracidade das informações. Assim, a lei teve efeito em cascata, na medida em que todo o conglomerado de empresas, matriz e subsidiárias, passou a adotar medidas mais transparentes de controle financeiro e governança corporativa.

Por sua vez, o artigo 404 exige que o administrador e o auditor apresentem uma opinião sobre a qualidade dos controles adotados pela área financeira, sendo que o procedimento de controle adotado deve ser aprovado por um comitê de auditores. Inclui também o auditor independente, o qual deverá emitir um relatório distinto sobre a eficácia desses controles internos e dos procedimentos adotados para a elaboração dos relatórios financeiros.

Pode-se até inferir que os executivos das subsidiárias brasileiras poderão ser responsabilizados judicialmente, em processos abertos no Brasil, por erros ou omissões identificadas nos seus relatórios, opiniões, atestados ou informações financeiras.

Embora os artigos 302 e 404 sejam os mais comentados e analisados desde a edição da SOA, pelo menos no Brasil, consideramos importante verificar com mais detalhe algumas das demais obrigações impostas por esta lei, que atinge até os advogados da empresa.

As seções 101 e 102 da SOA criam um comitê de supervisão (Oversight

Board) que tem por objetivo fiscalizar a auditoria realizada nas companhias de capital

aberto. Esse comitê tem autoridade para estabelecer padrões para auditoria, valores éticos e controle de qualidade.

De acordo com a seção 104, o comitê de supervisão — que será financiado por meio de uma taxa anual a ser paga pelas empresas emissoras de ações em bolsa — deve conduzir ainda inspeções para verificar o grau de comprometimento e a adequação à lei de todas as empresas de auditoria registradas na bolsa de valores de Nova York.

O comitê auditor da companhia— que não deverá ser confundido com o Conselho Fiscal das S.A. brasileiras — composto por diretores independentes, que não poderão exercer outras funções na companhia, é diretamente responsável pela nomeação, pela remuneração e pela fiscalização dos auditores independentes. Esse comitê deverá ser financiado pela própria companhia (seção 301).

Fica considerado como antijurídico qualquer ato de diretor ou de subordinados que tenha como objetivo influenciar, coagir e manipular fraudulentamente os auditores independentes (seção 303).

A seção 304 obriga os presidentes e os diretores financeiros a devolver quaisquer bônus pagos ou lucros distribuídos, no caso de ser o relatório financeiro posteriormente corrigido por conta de erros cometidos, tendo em vista a não- observância das regras e leis do mercado de capitais.

No que diz respeito à atuação dos advogados, a seção 307 estabelece regras para a responsabilidade profissional destes. De acordo com a lei, os advogados ficam obrigados a reportar ao diretor jurídico da empresa qualquer evidência de violação material, pela companhia, das regras e leis do mercado de capitais ou de quebra do dever de fidúcia e, caso a administração não tome alguma providência, deverão informar ao comitê auditor.

A seção 401 aumenta a necessidade de divulgação de transações realizadas que não estejam contempladas no balanço financeiro da empresa, mesmo que estas transações não tivessem que ser divulgadas de acordo com os princípios contábeis geralmente aceitos (US GAAP).

A seção 402 proíbe a realização de empréstimos para os executivos da empresa.

No que tange à utilização de informações privilegiadas internas (insiders

trade), a seção 403 impõe que a empresa deverá divulgar o mais rápido possível, caso

detecte o uso de informações privilegiadas por seus funcionários e executivos.

De acordo com a seção 406, a empresa deverá divulgar o seu código de ética e também informar, caso faça qualquer alteração nele.

A seção 409 exige que a empresa divulgue o mais rápido possível qualquer alteração material nas condições financeiras ou nas operações da empresa.

A lei torna crime atos como (i) a certificação pelos executivos de informações sabidamente falsas, (ii) a alteração e a destruição de documentos financeiros, (iii) o falso testemunho, a inabilidade para produzir documentos ou cooperar com investigação (direcionada a contadores).

Também causou muita discussão entre as empresas de auditoria o fato de a lei (previsão posteriormente também adotada pela CVM) impedir que a mesma empresa de auditoria, que audita as demonstrações financeiras da empresa, preste também outros serviços que não de auditoria para a empresa. Não obstante, quaisquer outros serviços a serem prestados pelas empresas de auditoria deverão ser previamente aprovados pelo comitê auditor. Por fim, a empresa que presta serviços de auditoria deve, a cada cinco anos, alternar as pessoas encarregadas de prestar serviços àquela determinada empresa.

Nesse mesmo sentido, a empresa auditada não poderá contratar, pelo período de um ano, nenhum funcionário da empresa de auditoria para posições internas que tenham por função principal a fiscalização e a revisão das demonstrações financeiras.

No que diz respeito a fraudes constatadas na empresa, a seção 804 amplia o prazo prescricional de ações civis que tenham como alegação principal fraudes cometidas nas demonstrações financeiras.

Por fim, a seção 906 exige que Diretores Executivos e Diretores Financeiros assinem e certifiquem o relatório periódico contendo as demonstrações financeiras, declarando que este cumpre as exigências determinadas pelas leis do mercado de capitais estabelecidas pela SEC (Securities and Exchange Comission) e que representam verdadeiramente a condição financeira da companhia, bem como os resultados de suas operações. O descumprimento dessa obrigação pode acarretar multa de até US$5 milhões e até 20 anos de prisão.

O que pretendemos demonstrar com as regras acima analisadas é a possibilidade de fazer com que as empresas do setor privado e, em nosso caso, aquelas que realizam investimentos estrangeiros diretos, mudem a sua forma de agir, desde que pressionadas por uma legislação rigorosa, eficazmente aplicada e cobrada pelo governo.

A SOA, após a sua edição, fez com que milhares de empresas passassem a adotar medidas e procedimentos de fiscalização e avaliação da correição das suas demonstrações financeiras, o que as obrigou também a criar processos transparentes e éticos de checagem e publicação de informações. Obrigou-as a adotar um código de ética na condução dos negócios e tornar esse código disponível a qualquer pessoa.

Ainda, obrigou as grandes empresas de auditoria a adotar os mesmos procedimentos éticos e transparentes na prestação dos seus serviços, ao mesmo tempo que também as tornou co-responsáveis pelas informações publicadas e pelas demonstrações financeiras apresentadas.

Não obstante, gerou uma reação em cadeia que atingiu até as empresas subsidiárias localizadas em outras partes do mundo, como no Brasil, por exemplo, tornando também os diretores co-responsáveis pelas informações apresentadas pela matriz, impondo a eles uma mudança de cultura, de procedimentos e também a adoção de regras transparentes e éticas na condução da empresa.

Essa reação veio a envolver até os advogados que, por mais que possuam dever de sigilo das informações dos seus clientes, deverão informar qualquer descumprimento das regras do mercado de capitais.

Em outras palavras, a SOA teve impacto no mundo inteiro, de forma rápida e eficaz, simplesmente por ter sido elaborada, sancionada e aplicada de forma rigorosa. Acreditamos que o mesmo possa ocorrer com uma norma, seja ela nacional ou internacional, que obrigue as empresas a conduzir os seus negócios de forma responsável, que obrigue as grandes investidoras estrangeiras a aplicar seus recursos somente em empresas que atendam a determinados requisitos sociais, que cumpram com sua função social, que possuam responsabilidade e ética, que, por fim, dêem a sua contrapartida social.

Abaixo, analisaremos o estágio atual do comprometimento social, verificando que nossa sugestão está de acordo com os objetivos traçados pela Conferência do Milênio e que já há aqueles que estão dispostos a mudar a forma de conduzir os seus negócios, para incluir os princípios de direitos humanos como objetivos da empresa.

No documento NVESTIMENTOSI NTERNACIONAIS E AC (páginas 156-161)