• Nenhum resultado encontrado

3. A POLÍTICA DE ACOLHIMENTO INSTITUCINAL PARA CRINAÇA E ADOLESCENTE E A INSERÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL

3.2 O Programa de Acolhimento Institucional à luz da atual Política de Proteção Social

3.2.1 A Nova Lei da Adoção e da Convivência Familiar

“Coroando” todo o processo de mudanças que envolveram o acolhimento institucional a partir da Caravana da Comissão de Direitos Humanos e da pesquisa

do IPEA, foi promulgada a Lei 12.10/2009 ou Nova Lei da Adoção ou da Convivência Familiar.

A Lei pode ser considerada a primeira grande revisão do Estatuto após sua formulação em 1990. Segundo o Promotor de Justiça Murillo José Digiácomo (2010) a nova lei não trata apenas sobre adoção, mas procura aperfeiçoar o que já está estabelecido na Lei 8.069/90 para “garantia do direito à convivência familiar, em suas mais variadas formas, a todas as crianças e adolescentes, sem perder de vista as normas e princípios por esta consagrada” (p.2).

Para tanto, a nova lei estabelece regras destinadas, acima de tudo, a fortalecer e preservar a integridade da família de origem, além de evitar ou abreviar o acolhimento institucional de crianças e adolescentes afastados das suas famílias. Por conseguinte, a responsabilidades das instituições é preservar os vínculos familiares, trabalho que, ao longo da história, não foi prioritário nas ações desenvolvidas pelos/as profissionais que se responsabilizaram pelas crianças e adolescentes acolhido/as.

O acolhimento é uma medida protetiva, provisória e excepcional, necessário quando direitos são violados, portanto, a instituição não pode ser pensada como lugar definitivo, mas um espaço transitório para reintegração familiar ou, não sendo esta possível, para colocação em famílias substitutas (Art. 101§1).

Nesses termos, a lei determina a reavaliação da situação das crianças e dos adolescentes por parte do Sistema Judiciário de seis em seis meses, tendo como prazo limite a permanência máxima na instituição de dois anos, salvo exceções e sob o aval da autoridade judiciária (art. 19,§1).

O dispositivo tem a finalidade de evitar que as crianças e os adolescentes permaneçam na instituição por tempo indeterminado, tendo em vista o resultado de pesquisas nacionais, como a pesquisa do IPEA/CONANDA (2004), sinalizada anteriormente, e outro levantamento nacional realizado em 2008 pelo MDS, através da Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS) em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), que mostrou a existência de 54 mil crianças e adolescentes em acolhimento institucional.

As pesquisas citadas confirmam que os dispositivos legais de excepcionalidade e provisoriedade da medida protetiva não foram respeitados.

Não obstante a necessidade de um reordenamento das instituições de acolhimento, no entendimento de que a permanência da criança e do adolescente

deve ser provisória e excepcional, a realidade vivenciada por aqueles que ingressam nos serviços de Alta Complexidade é permeada por relações conflituosas, ameaçadoras e de sobrevivência, uma realidade complexa, dependendo de cada situação e demandas exigidas. Deve-se sim, desenvolver um trabalho de qualidade, refletido, planejado e monitorado para realmente encontrar caminhos viáveis para o bem estar da criança e do adolescente.

A lei retoma o conceito de família extensa ou ampliada, introduzido pelo SUAS e pelo PNCFC (art.25, parágrafo único), isto é, o olhar sobre a família não se restringe ao núcleo familiar nuclear composto por mãe, pai e filho, mas, são incluídos os parentes próximos, cuja convivência e afinidade com a criança e adolescente têm preferência na adoção.

Outras alterações realizadas pela Lei 12.010/2009 são o atendimento personalizado em pequenos grupos e o desenvolvimento de atividades em regime de coeducação (Inciso III e IV). Isto significa que existe limitação no que tange ao número de crianças e adolescentes acolhidos/as nas instituições, devendo atingir o máximo de 20 por instituição, facilitando um melhor acompanhamento. Ainda, o atendimento não deve ser restritivo e seletivo, priorizando um determinado sexo, mas pautar-se na diferença e, por conseguinte, no acolhimento misto.

Como objetivo de fortalecer o vínculo familiar e preservar a convivência familiar, o Inciso V da Lei determina o não desmembramento do grupo de irmãos, resguardando as relações afetivas construídas no seio familiar. Almeida (2009) evidencia a importância em manter presente essa ligação fraternal:

Grupos de irmão em situação de abrigamento destoavam das demais crianças no sentido de se mostrarem mais apegadas uns aos outros do que às demais crianças abrigadas, e, principalmente o fato de um dos irmãos (menino ou menina), geralmente o mais velhos, assumir uma postura materna/maternal, no sentido de se responsabilizar pelos irmãos mais novos, provendo cuidados, atenção carinho e limites, enquanto os mais jovens se mostraram mais dependente. A vinculação entre irmãos se mostrou tão importante em alguns grupos que ao invés de se chamarem pelos nomes, chamavam-se de irmão ou irmã [...] (ALMEIDA, 2009, p. 13).

Observa-se a necessidade em redefinir papeis de responsabilidades entre irmãos, em vista à sobrevivência e reafirmação do núcleo familiar que, no momento, se encontra sem figura de referência. A situação reconstruída ameniza o sentimento

de abandono vivenciado pelas crianças e reforça laços de união, lealdade e afeto entre eles.

Contudo, deve-se ter o cuidado em não sobrecarregar os irmãos mais velhos na responsabilidade perante os menores, tendo em vista que, também, precisam de amparo e proteção para enfrentar/superar as perdas vivenciadas.

A responsabilidade com os irmãos menores pode continuar após voltarem para a família, papel que extrapola limites físicos, psicológicos, emocionais de quem assume tal função. São os adultos que possuem condições para responsabilizar-se pelo cuidado à criança e ao adolescente, preparando-os para a vida adulta.

Ulteriores modificações no dispositivo legal, que objetivam fortalecer a família e o processo de reintegração familiar, estão contidas nos Inciso VI, “Evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de criança e adolescente abrigado” e no Inciso VIII, “Preparação gradativa para o desligamento”.

Segundo Izar (2011), a transferência de crianças e adolescentes é uma prática comum entre instituição de acolhimento e os motivos que levam a essa ação não se referem ao fortalecimento do convívio familiar37, mas ao comportamento delas.

As razões que levam às transferências institucionais raramente estão relacionadas ao processo de reinserção familiar da criança/adolescente; razão esta que justificaria tal ação. Comumente, estão relacionadas a questões de desvio de comportamento ou inadequação à proposta educativa da instituição, ou seja, ao menor sinal de indisciplina ou contravenção às regras institucionais a criança/adolescente é encaminhada para outra instituição através de relatórios enviados à VIJ, que, diante da quantidade de processos existentes, raramente tem como verificar as alegações ali dispostas, acreditando na idoneidade da instituição (IZAR, 2011 p. 74). (Grifo do autor)

Por conseguinte, a transferência transforma-se em castigo para quem não se integra e não se submetem às regras impostas pela instituição, agravando pejorativamente a percepção da criança e do adolescente sobre si mesmos.

O retorno gradativo da criança e do adolescente à família pressupõe o trabalho realizado com elas, que, conforme sinalizado pelo PNCFC e o SUAS,

37 O artigo 92 do ECA salienta a importância do acolhimento institucional acontecer no mesmo bairro em que a

assume suas competências e responsabilidade parental, no sentido de tornar-se apta para proteger seus membros.

Ainda, há necessidade do acompanhamento à criança e ao adolescente que deve ser esclarecido sobre os motivos que levaram ao acolhimento e estar ciente do processo jurídico e das decisões a serem tomadas. Ressalta-se a importância da participação deles nas questões que se referem à própria vida, o que vai além da simples escuta. Além disso, todo o resguardo para que a criança seja tratada como sujeito de direito em condição peculiar de desenvolvimento. Um trabalho complexo, que demanda o envolvimento de uma equipe interdisciplinar e a intervenção de outras políticas, como as da saúde, educação, habitação, entre outras.

Na efetivação desses dispositivos, as instituições de acolhimento institucional sofrem maior controle por parte do Poder Judiciário e da Promotoria Pública, sob pena de sofrer infração administrativa, conforme o Artigo 258. Inclusive, o Poder Público é chamado a cumprir seus deveres, considerando a obrigatoriedade de Políticas Públicas Intersetoriais38 que, conforme Digiácomo (2010) “podem auxiliar e abreviar o tempo de permanência da criança e do adolescente na instituição, favorecendo o exercício da paternidade e maternidade responsáveis, de modo que a família possa exercer seu papel com a ajuda do poder público” (p.6).

A partir dessas considerações, torna-se evidente a existência de um severo controle das instituições de acolhimento e da família pelo Sistema Judiciário e pelo Poder Público, os quais objetivam acelerar a volta da criança e adolescente à família natural ou substituta.

Outra disposição estabelecida pela nova lei, diz respeito à criação, por parte do Judiciário, de cadastros estaduais e nacionais sobre a adoção (artigo50 §5º e 6º da Lei 8.069/90), bem como realizar, em conjunto a outras Entidades, a formação para casais ou indivíduos interessados em adotar. A lei procura eliminar o afastamento discriminatório da criança e do adolescente de sua família, ou seja, por simples decisão do Conselho Tutelar, mas passa “a exigir a deflagração, em tais casos, de processo judicial contencioso, no qual seja assegurado aos pais ou responsável o indispensável exercício do contraditório e da ampla defesa” (DIGIÁCOMO, 2010, p.8).

Mais uma vez é reafirmado o conceito do afastamento como medida extrema e excepcional, efetivada por decisão judicial justificada e contextualizada, não podendo admitir o afastamento por motivos considerados injustificáveis como os de pobreza.

A Lei confirma o direito fundamental à convivência familiar e a centralidade da família como instituição indispensável para a proteção dos indivíduos, principalmente os mais fragilizados como crianças, adolescentes e idosos. A ausência da convivência familiar os torna pessoas em situação de risco, comprometendo seu desenvolvimento físico, psíquico, afetivo entre outros.

O Capítulo seguinte trata sobre a atuação do/a assistente social nas instituições de acolhimento localizadas no município de João Pessoa, no intuito de elucidar seus limites e desafios, principalmente no que diz respeito à convivência familiar de crianças e adolescentes usuários/as deste serviço.

4. A CONVIVÊNCIA FAMILIAR DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES