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A operação dos gêneros “parábola” e “fábula” na narrativa de Paulo

7 A NARRATIVA COELHANA

7.3 AS MARCAS DA ORALIDADE E DA RELIGIÃO NA LINGUAGEM E NO

7.3.1 A operação dos gêneros “parábola” e “fábula” na narrativa de Paulo

O escritor Paulo Coelho é considerado atualmente o autor brasileiro mais lido no mundo e tem sua obra publicada em 168 países e traduzida para 80 idiomas. Entre seus maiores sucessos estão O Alquimista e o Diário de um mago. Na entrevista polêmica à Folha de São Paulo, em 04 de agosto de 2012, quando lançava seu 22º. romance, Manuscrito encontrado em Accra, o escritor defende a livre circulação dos seus livros, pirateados ou a preços baixíssimos. Conectado praticamente o dia inteiro, tornou-se um militante digital e suprimiu qualquer tipo de atravessador. É ele quem fala com o seu público. Considera-se um autor moderno, de literatura globalizada, apesar do que diga a crítica, lido de New York a Caruaru (PE), e na Mongólia. Ele reconhece que a linguagem da sua obra é simples, desprovida de elaboração apurada, criativa, quando comparada aos cânones.

Coelho traduz, para a literatura comercial moderna, o gênero da parábola. De larga tradição, dos Evangelhos à contística didática medieval, a parábola não se reduz à autoajuda porque nela opera o discurso ficcional, desestabilizando a aparente univocidade do ensinamento. Daí o fascínio de tantos leitores: simples e compreensível, a parábola preserva uma dose de mistério. A fresta que se abre entre a alegoria e seu sentido fundamenta uma das lições do copta: a circulação infinita dos relatos, negada tanto pelos defensores das hierarquias culturais como pelos guardiões da propriedade privada sobre os textos. (AVELAR, 2012)

Enfatizando a importância de se estudar gênero parábola para se analisar a narrativa coelhana, ação a ser iniciada nas próximas linhas deste trabalho, Avelar diz ainda em sua resenha:

O que esse crente (o que afirma que Paulo Coelho vende porque é autoajuda barata) não percebe é que os exemplos d’El Conde Lucanor 25 eram o Paulo Coelho de sua época, assim como Shakespeare, Dostoievski... também foram cultura do populacho em seu momento. Só depois, muito depois, na maioria dos casos, eles se

25

El conde Lucanor é uma obra narrativaespanholamedieval escrita entre 1330 e 1335 pelo infante

Dom João Manuel de Castela. É composta de cinco partes; a mais conhecida de todas é uma série de 51 contos moralizantes tomados de várias fontes, como Esopo e outros clássicos, bem como de contos tradicionais árabes.

transformaram em monumentos eruditos. A distinção entre cultura popular e cultura erudita não depende, portanto, de alguma característica própria, essencial, imanente dos textos. Ela se ancora nos mecanismos de produção, circulação, reprodução e consumo das obras – mecanismos que, evidentemente, se transformam com o tempo. [...] Em outras palavras, se quiser invocar a aparente naturalidade de alguma hierarquia estética para desqualificar Paulo Coelho, fique à vontade, mas não imagine que, com isso, você estará entendendo alguma coisa, porque essas hierarquias não são tão naturais como podem lhe parecer à primeira vista. (AVELAR, 2012)

Fato similar, já apontado neste trabalho, ocorreu também na Literatura Brasileira, com José de Alencar e Jorge Amado, escritores que, hoje, têm o seu espaço legitimado.

Buscando trilhar o caminho apontado por Idelber Avelar, toma-se a obra O gênero da parábola de Marco Antônio Domingues Sant’Anna, publicado em 2010, como referência de estudo sobre o gênero. Nota-se que essa obra faz um estudo minucioso a respeito do assunto, e o que foi publicado depois, geralmente faz referência a ela. Anterior ao livro de Sant’Anna, encontram-se informações bem restritas acerca do gênero.

Sant’Anna (2010) faz uma análise diacrônica do gênero, desde sua origem grega parabolé (colocar lado a lado com, manter ao lado, jogar para, comparar), demonstrando sua utilização na retórica de Aristóteles, na épica grega (Ilíada e Odisseia de Homero), passando por todo seu desenvolvimento no Antigo Testamento até a constituição da parábola como gênero literário no Novo Testamento, analisando as conhecidas parábolas de Jesus Cristo.

Nesse estudo, Sant’Anna (2010), estabelece as diferenças entre parábola, fábula e apólogo, apresentando as características do gênero em questão, a saber: a) é uma narrativa curta, de sentido alegórico, menos pragmática que a fábula e o apólogo; b) protagonizada por seres humanos; c) construída por meio de uma comparação; d) tem a finalidade de veicular um ensinamento moral de caráter profundo e transcendente; e) os textos mais clássicos são de origem bíblica.

O autor apresenta, ainda, as funções da parábola, a qual tem o objetivo de ensinar, utilizando uma narrativa breve bem próxima da oralidade, pois era contada para instruir, guiar ou influenciar ouvintes ao invés de entreter. E alerta:

[...] as funções da parábola não devem ser julgadas segundo critérios puramente estéticos. [...] as parábolas de Jesus não são – em todo caso não primariamente – obras de arte, nem querem inculcar somente princípios gerais, mas cada uma delas foi pronunciada uma situação concreta de vida de Jesus, situação única e muitas vezes imprevista. [...]originalmente, havia uma grande ênfase na comunicação oral, e não escrita, do gênero parabólico. (JEREMIAS, 1983, p. 15 apud SANT’ANNA, 2010, posições 2529, 2534).

O tom de ensinamento é recorrente na narrativa coelhana, por meio de experiências vividas pelos personagens principais dos romances, os quais estão sempre em busca de algo, de um caminho melhor, trilhando, cada um, “o caminho de Santiago”, para se tornarem pessoas melhores, “evoluídas”.

Em linha similar do gênero “parábola”, Paulo Coelho explora também, em sua escrita, a “fábula”. Em 2011, um ano antes da publicação de Manuscrito encontrado em Accra, o escritor publica o livro Fábulas: histórias de Esopo e La Fontaine para o nosso tempo. Nessa obra, Coelho “traduz”, isto é, reconta para a linguagem peculiar da sua narrativa, “adaptando-as aos dias de hoje” (nas palavras do próprio escritor) 124 fábulas de Esopo e La Fontaine.

Na apresentação dessa obra, Paulo Coelho faz referência a um dos seus programas preferidos quando criança: “No tempo em que os animais falavam...”. O programa era baseado nas fábulas do velho escravo, cuja existência é duvidosa e que provavelmente viveu em torno do século VII a.C. Suas histórias eram contadas nas praças das cidades da antiga Grécia e entretinham crianças e adultos com seus contos cheios de imaginação. Após sua morte, as gerações futuras encarregaram-se de transmitir essas histórias, as quais foram colocadas na forma escrita só depois de quatrocentos anos, por Demétrio de Falero. No império Romano, no governo de Augusto, as fábulas de Esopo foram traduzidas para o latim, por Fedro, amigo do imperador. No período das invasões bárbaras, elas foram conservadas como um tesouro espiritual, tendo mais valia do que o ouro e a prata que estavam sendo saqueadas. Com o advento da imprensa escrita, tornaram-se clássicos da

Literatura, posteriormente sendo adaptadas em versos pelo francês La Fontaine. (COELHO, 2011, p. 7-8)

Filosofia, lições políticas, discussões éticas, em contos muito curtos (todos eles não ultrapassam uma página), caracterizam esse livro de Paulo Coelho, resgatando histórias de fundo moral que muito influenciaram na constituição dos padrões da civilização ocidental. Direcionada para a família, como o próprio livro sugere, a obra caracteriza, mais uma vez, a aproximação da narrativa coelhana com a oralidade, reforçando o tom de ensinamento, servindo de guia para o indivíduo fragmentado e perdido da pós-modernidade, o qual se localiza em tempos e espaços incertos em que as instituições mais sagradas (família, escola, igreja, entre outras) vivem transformações profundas e quebras de paradigmas.

Contendo caráter pedagógico e doutrinário, a parábola e a fábula, carregadas de uma forte simbologia, suscitam a reflexão e a evolução do ser humano, entretanto, há diferenças entre esses gêneros, as quais são importantes a serem consideradas neste trabalho:

[...] Parábola é uma narrativa curta de sentido alegórico e moral. Nas parábolas não se encontram os animais, essencialmente falando, como nas fábulas, nem os seres inanimados, como nos apólogos. Entram apenas acidentalmente, pois a medida direta da parábola é o homem e sua destinação transcendente. Nas fábulas e apólogos, os bichos e as coisas referem-se indiretamente aos homens, contendo lições quase sempre críticas e satíricas. Nas parábolas, os ensinamentos procuram ser mais profundos e menos pragmáticos como nas duas outras espécies alegóricas. Melhores exemplos de parábolas não encontramos do que as que deixou Jesus no Novo Testamento, como a do Filho pródigo, a do Bom Samaritano, ao do Semeador etc. [...] (TAVARES apud ARANTES, 2006, p. 52)

A obra Maktub também contempla os gêneros parábola e fábula, pois consiste em uma coletânea de minicrônicas, fábulas e reflexões que desde 1993 o escritor vinha publicando na Folha de São Paulo.

Embora o gênero “fábula” faça parte da constituição da narrativa coelhana, percebe- se que a predominância é a do gênero “parábola”. Menos pragmático, conforme apontado, esse gênero possibilita ao escritor Paulo Coelho uma espécie de construção de narrativa paralela, isto é, “raspagens de outras histórias”, “traduzidas”

para uma linguagem contemporânea bem próxima da oralidade com a qual se identifica o leitor. Essas “raspagens” podem ser notadas, por exemplo, nas obras: a) O dom supremo (1991): tradução e adaptação do texto do escocês Henry Drummond); b) Cartas de amor de um profeta (1997): adaptação do livro de Khalil Gibran, cujo autor configura como um dos preferidos por Paulo Coelho; c) O demônio e a senhorita Prym (2000): obra inspirada no roteiro da peça A visita da velha senhora do dramaturgo suíço Friedrich Dürrematt, proponente do teatro épico; d) Histórias para pais, filhos e netos (2001): coletânea de 231 contos tradicionais de várias culturas, reflexões e experiências vividas pelo escritor, com 304 páginas ilustradas por Christina Oiticica com edições no Brasil e Irã; e)O gênio e as rosas. Ilustrado por Maurício de Souza: são histórias relatadas por amigos e leitores do escritor, narradas por ele. f)Fábulas: histórias de Esopo e La Fontaine para o nosso tempo (2011): releitura das fábulas de Esopo e La Fontaine; g) Manuscrito encontrado em Accra (2012): transcrição de um manuscrito. E O Alquimista e O Aleph fazem referências a textos do escritor Jorge Luís Borges.