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AS PRINCIPAIS VERTENTES RELACIONADAS À ESTÉTICA

5 AS CONSTRIBUIÇÕES DA ESTÉTICA DA RECEPÇÃO PARA

5.2 AS PRINCIPAIS VERTENTES RELACIONADAS À ESTÉTICA

5.2.1 A Sociologia da Literatura

Já abordada anteriormente, é necessário, aqui, retomar a Sociologia da Literatura, com objetivo de explicitar suas relações com a Estética da Recepção. A primeira aparece, inicialmente, como um segmento da Sociologia do Saber, com a publicação do livro A sociologia da formação do gosto literário, em 1923, do autor L. L. Schüching, o qual foi editado, em 1931 e em 1944, sendo publicado também na Inglaterra com o título A sociologia do gosto literário, popularizando-se a partir dessa publicação.

Com base nessa obra, foram realizadas pesquisas de cunho sociológico, na Inglaterra, das quais resultaram estudos de formação do público leitor, as preferências de leitura das camadas populares e a literatura de massa. Mas, em 1958, é Robert Escarpit e outros membros da Escola de Bordéus, na França, que dão continuidade aos estudos sobre a Sociologia da Literatura.Robert Escarpit diferencia sua perspectiva das demais, como: a sociologia da literatura praticada na extinta União Soviética, a qual toma a obra literária como testemunho político e ideológico; e a de G. Lukács e seu discípulo, LucienGoldmann, os quais compreendem a ficção como modo de representar as estruturas sociais.

Nos estudos de Escarpit, a Sociologia da Literatura investiga principalmente os mecanismos de distribuição e circulação do veículo da literatura: o livro. Considera a condição social do escritor e investiga os circuitos percorridos pelos textos, examinando por que a cultura se divide em erudita e de massa. As políticas de popularização do livro e da leitura, a interferência do mercado na produção e difusão de uma obra, o tempo de permanência de uma criação artística no horizonte do consumo do presente ou a duração do prestígio de um autor também são investigados por Escarpit.

Atualmente, a Sociologia da Literatura se diversifica nas vertentes que propõem novas alternativas metodológicas, como fazem Pierre Bourdieu, Jacques Dubois, Jacques Leenhardt, entre outros, ou investigam a história da leitura, conduzida por, entre outros, Roger Chartier, Robert Darnton e Rolf Engelsing. (ZILBERMAN, 1989, p. 16-18). Destes, Pierre Bourdieu e Roger Chartier fundamentam este trabalho, em momentos diferentes.

Embora seja considerada uma vertente da Estética da Recepção, a Sociologia da Literatura apresenta algumas diferenças em relação àquela:

A relação entre literatura e público não se resolve no fato de cada obra possuir seu público específico, histórica e sociologicamente definível; de cada escritor depender do meio, das concepções e da ideologia de seu público; ou no fato de o sucesso literário pressupor um livro “que exprima aquilo que o grupo esperava, um livro que revela ao grupo sua própria imagem”. A sociologia da literatura não está contemplando seu objeto de forma suficientemente dialética ao definir com tamanha estreiteza de visão do círculo formado por escritor, obra e público. Tal definição pode ser invertida: há obras que, no momento de sua publicação, não podem ser relacionadas a nenhum público específico, mas rompem tão completamente o horizonte conhecido de expectativas literárias que seu público somente começa a formar-se aos poucos. Quando, então, o novo horizonte de expectativas logrou já adquirir para si validade mais geral, o poder do novo cânone estético pode vir a revelar-se no fato de o público passar a sentir como envelhecidas as obras até então de sucesso, recusando-lhes suas graças. É somente tendo em vista essa mudança de horizonte que a análise do efeito literário adentra a dimensão de uma história da literatura escrita pelo leitor, e as curvas estatísticas dos best-sellers proporcionam conhecimento histórico. (JAUSS, 1994, p. 32-33)

Considerando a crítica de Jauss à Sociologia da Literatura, esta não tem seu valor diminuído, pois ao buscar compreender o fato literário no seu contexto, caracterizado pela circulação e pelo consumo, demonstra a preocupação com o leitor, que atua na recepção do texto literário, assim como a Estética da Recepção. Portanto, é possível um diálogo entre essas teorias, no sentido de se analisar a recepção da obra de Paulo Coelho.

5.2.2 O Estruturalismo tcheco

Outra influência na teoria de Jauss é aquela cujas ideias foram herdadas do formalismo russo: o estruturalismo tcheco, que fundado em 1926, estreou suas teses em 1929, durante o I Congresso de Filologia Eslava.O formalismo russo construiu conceitos que descrevem o fato literário na sua relação com o leitor. Influenciado por essa teoria, o Círculo Linguístico de Praga buscou construir uma teoria sobre a atividade do leitor e as transformações históricas por que passa a literatura.

Embora o formalismo russo considere a presença do leitor, este tem seu papel reduzido, sendo colocado em uma condição passiva. Outra limitação do formalismo russo é a afirmação de que a história da literatura tem um funcionamento autômato, não conseguindo, portanto, articular a literatura com a sociedade e a ideologia. Assim, na metade da década de 1930, o estruturalismo vai se distanciando gradativamente do formalismo russo.

Ao contrário do formalismo, que introduz o sujeito da percepção no sistema teórico porque necessita dele enquanto sintoma de que as convenções foram desestabilizadas pela arte de vanguarda, a estética estrutural de Mukarovsky concebe o recebedor como uma consciência ativa, com papel determinante, ao facultar a passagem da obra da condição de coisa inerte à de objeto significativo. Além disso, Mukarovsky entende o recebedor não como um indivíduo particular, e sim enquanto consciência coletiva, categoria que, segundo M. Cervenka, “é – ao lado da categoria de função – o mais importante elo para a passagem da visão imanente da obra de arte para a sociológica”. Poder-se-ia acrescentar: para a resolução do problema relativo à formulação de uma nova história da literatura, vinculada à recepção, de que se encarrega, no início dos anos 40, Felix Vodikca, seguidor de Mukarovsky.

Este sabe que a recepção da obra de arte não se dá de modo direto, como acreditaram os formalistas, interpondo-se entre o sujeito e o

objeto estético um código que possibilita a concretização do segundo pelo primeiro. (ZILBERMAN, 1989, p. 21-22)

A obra de arte passa a ser um signo autônomo e comunicativo. Pode ainda se revelar como signo estético, desde que o espectador assim o perceba. Para Vodikca, a principal tarefa da história da literatura é investigar o impacto das obras sobre o público, cuja necessidade promove a mobilidade das obras no tempo.

Apenas registrando, aqui, uma observação a partir das práticas de sala de aula da autora deste trabalho, atualmente, na intenção de promover uma melhor recepção, pelos alunos, dos conteúdos previstos pelo currículo de Literatura do Ensino Médio, no Brasil, os livros didáticos, por exemplo, procuram estabelecer diálogos entre obras de diferentes épocas de produção, a fim de que os alunos possam fazer comparações, observando semelhanças e diferenças entre épocas e características estéticas, dentre outros. Ao se estabelecer, por exemplo, diálogos de obras mais distantes do momento em que vive o aluno com obras mais próximas ao contexto dele, aquelas podem fazer mais sentido, motivando-o à leitura e à interpretação.

[...]O estruturalismo tcheco, rico em sugestões a respeito da concepção do recebedor como personagem indispensável do processo de constituição do objeto estético e foco a partir do qual cabe revisar a história da literatura, quase se converteu por sua própria conta numa estética da recepção. Como tal, exerce evidente influência sobre os primeiros textos de Jauss voltados ao tópico. Além disto, soube refletir sobre a questão do recebedor desde a perspectiva estética, e não unicamente empírica, elaborando uma teoria sobre o valor e a história. Seu impacto sobre a ciência literária ocidental a partir dos anos 60, quando se traduziram suas teses para o inglês, francês e alemão, não foi negligenciável, razão por que vários dos conceitos aqui expostos reapareceram nas páginas subsequentes. (ZILBERMAN, 1989, p. 24)

Jauss, portanto, desenvolve sua teoria a partir dos estudos do estruturalismo de Praga. Ao considerar a função dialética da arte, formadora e modificadora da percepção, Jauss aproxima-se muito dos formalistas, porém não, totalmente, pois aquele demonstra insatisfação com a separação entre a literatura e a vida prática. Para os formalistas, a arte é um objeto autônomo de investigação. Isso provocou uma distância entre literatura e história, ao passo que Jauss, já na sua primeira tese,

considera a natureza histórica da literatura, a qual se manifesta durante o processo de recepção e efeito, isto é, no ato da leitura.

5.2.3 O Reader-Response Criticism5

As teorias apresentadas precederam a Estética da Recepção, influenciando na sua construção. Já o Reader-Response Criticismfoi produzida paralelamente à teoria de Jauss, compartilhando algumas ideias. O ponto em comum com os autores dessa teoria reside no fato de que todos recusam a metodologia do New Criticism, defendendo a autonomia da obra de arte que, submetida a uma interpretação, deve considerar-se apenas seus elementos internos. Aquela teoria não chega, todavia, a representar uma ruptura radical com esta, no sentido que continua a considerar a obra de arte uma manifestação superior e autossuficiente de linguagem, contudo, é possível perceber algum rompimento:

Louise Rosenblatt, numa exposição recente, resume sua tese principal: ela compreende a leitura como transação [transaction] entre o texto e o leitor. Trata-se de um processo de mão dupla, segundo o qual “o texto guia e constrange, mas é também aberto, exigindo a contribuição do leitor. Este deve recorrer seletivamente à sua experiência e sensibilidade para obter os símbolos verbais a partir dos sinais do texto e dar substância a esses símbolos, organizando-os num sentido que é visto como correspondendo ao texto”. Assim, o significado da obra depende totalmente dos sentidos que o leitor deposita nela. Também seu caráter estético depende do destinatário: se este não o vivencia como obra de arte e busca aí outro tipo de experiência (uma informação, por exemplo), o texto perde sua qualidade artística. Para L. Rosenblatt, “é o leitor que deve adotar predominantemente um ou outro [estético ou não estético] modelo de atividade durante a transação com o texto” (p. 20), do que advém a classificação deste.

Relativismo similar encontra-se em Stanley Fish [...] Ao invés de descrever a significação congelada do texto, busca examinar como o destinatário dá à obra um sentido, entendido como “o que está acontecendo entre as palavras e a mente do leitor”. (p. 28). (ZILBERMAN, 1989, p. 26-27)

Esses estudos são importantes para a Estética da Recepção, uma vez que resgatam a figura do leitor, dando-lhe autonomia, ao considerar que este não é produto nem

5 Segundo Zilberman (1989, p. 24), optou-se por assim conservar a escrita, por não se ter uma

construção do texto, mas o contrário: o texto é que vem a ser produto do leitor. Especificamente em Fish, o sentido do texto é tomado como um processo construído durante a leitura, mediante as operações mentais do leitor. Logo, o texto se configura como experiência do leitor (nunca concluída), perdendo toda a sua objetividade, sendo esta uma ilusão. Valoriza-se, aqui, a subjetividade que cada leitor confere ao texto.

Finalmente, Zilberman (1989, p. 28) aponta as limitações dessa teoria, reiterando suas contribuições:

[...]Noutra formulação, Fish não explica o principal: como as interpretações se impõem umas sobre as outras ou como as mudanças acontecem. No fundo, estão presentes relações de poder, infelizmente deixadas em aberto. A conclusão de Pratt amplia as observações de William E. Cain, para quem Fish avizinha-se a um tópico de natureza política, sem enfrentá-lo e deixando seu leitor insatisfeito.

Ainda assim, é nos ensaios de Fish e Rosenblatt que o leitor aparece como entidade real, de carne e osso, cujas experiências são objeto de consideração e dados fundamentais para o conhecimento da natureza do texto. Neles encontra-se também a ruptura com a noção de autossuficiência da obra literária, resíduo idealista de que o Reader-Response Criticism não se libertou. Apesar dos limites, com aqueles estudiosos uma crítica voltada a leitor deixa de ser aspiração e parece converter-se em realidade.

A partir desses estudos, começa-se a questionar como o texto literário é lido e compreendido, na escola, ocorrendo, muitas vezes, que esta impõe e dirige as ações dos leitores, estabelecendo convenções, geralmente aceitas pela comunidade como únicas, configurando-se em uma posição hegemônica.

5.3 AS TESES DE JAUSS E A CONSTRUÇÃO DA TEORIA DA ESTÉTICA DA