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AS TESES DE JAUSS E A CONSTRUÇÃO DA TEORIA DA

5 AS CONSTRIBUIÇÕES DA ESTÉTICA DA RECEPÇÃO PARA

5.3 AS TESES DE JAUSS E A CONSTRUÇÃO DA TEORIA DA

A primeira tese de Jauss postula que a história da literatura se constrói na dinâmica da obra literária com o leitor, considerando a experiência e efeito estéticos. Portanto, o texto literário é constantemente atualizado pelo leitor, ao longo do tempo, como resultado das diferentes leituras realizadas por um único leitor e/ou vários. Percebe- se, portanto, o caráter mutável da obra, e não indiferente ao tempo. Retoma-se,

aqui, a subjetividade do leitor, a qual, em estado de desequilíbrio ou exagero, pode vir a constituir apenas uma visão impressionista do texto, o que é combatido por Jauss.

Na segunda tese, Jauss tenta evitar o perigo de se incorrer em uma visão impressionista, advertindo que, para se descrever a experiência literária do leitor, não é preciso recorrer à psicologia, mas sim a um “sistema objetivo de expectativas”:

[...]Em vez de lidar com o leitor real, indivíduo com suas idiossincrasias e particularidades, Jauss busca determinar seu virtual “saber prévio” (p. 174). Para tanto, ele não interroga as pessoas, que só poderiam fornecer poucas informações, se questionadas hoje, menos ainda em épocas anteriores. Sua consulta é dirigida às próprias obras; pois, na medida em que participam de um processo de comunicação e precisam ser compreendidas, elas apropriam-se de elementos do código vigente. [...] Logo, a obra predetermina a recepção, oferecendo orientações a seu destinatário. Segundo Jauss, ela evoca o “horizonte de expectativas e as regras do jogo” familiares ao leitor, “que são imediatamente alteradas, corrigidas, transformadas ou também apenas reproduzidas” (p. 175). (ZILBERMAN, 1989, p. 34)

Jauss até considera que cada leitor possa ter uma recepção única, mas, há coincidências nessas recepções individuais, o que se transforma em um fato social, podendo, a obra, por isso, ser compreendida em seu tempo, o que se sobrepõe ao subjetivo, condicionando a ação do texto. Todavia, o próprio Jauss (1994, p. 28) reconhece as limitações dessa segunda tese:

[...] De fato, essa teoria limita o subjetivismo do efeito, mas deixa em aberto a questão de a partir de que dados se pode apreender e alojar num sistema de normas o efeito de uma obra particular sobre determinado público. Há, entretanto, meios empíricos nos quais até hoje não se pensou – dados literários a partir dos quais, para cada obra, uma disposição específica do público se deixa averiguar, disposição esta que antecede tanto a reação psíquica quanto a compreensão subjetiva do leitor.

Buscando um parâmetro para a obra literária no tempo, Jauss tenta justificar a necessidade de se delimitar um certo público para uma determinada obra, para depois, e somente depois, consentir a “subjetividade da interpretação e do gosto dos diversos leitores ou camadas de leitores”.

O horizonte de expectativa de uma obra como determinante para seu valor estético é abordado, na terceira tese:

A maneira pela qual uma obra literária, no momento histórico da sua aparição, atende, supera, decepciona ou contraria as expectativas de seu público inicial oferece-nos claramente um critério para a determinação de seu valor estético. [...] À medida que essa distância se reduz, que não se demanda da consciência receptora nenhuma guinada rumo ao horizonte da experiência ainda desconhecida, a obra se aproxima da esfera da arte “culinária” ou ligeira. Esta última deixa-se caracterizar, segundo a estética da recepção, pelo fato de não exigir nenhuma mudança de horizonte, mas sim de simplesmente atender a expectativas que delineiam uma tendência dominante do gosto, na medida em que se satisfaz a demanda pela reprodução do belo usual, confirma sentimentos familiares, sanciona as fantasias do desejo, torna palatáveis – na condição de “sensação” – as experiências não corriqueiras ou mesmo lança problemas morais, mas apenas para “solucioná-los” no sentido edificante, qual questões já previamente decididas. (JAUSS, 1994, p. 32)

Na análise de Zilberman (1989, p. 35), Jauss se aproxima bastante, nessa tese, com os formalistas e os estruturalistas, pois “concorda em que só é boa a criação que contraria a percepção usual do sujeito”. E estabelece esse valor utilizando o critério da distância estética entre obra e público, podendo ser maior ou menor, mudar com o tempo, desaparecer. A autora considera simplista essa fórmula de Jauss, o qual estabelece uma oposição entre a “arte autêntica” e a “arte culinária”, também conhecida como literatura de massa. Nesse ponto, percebe-se uma contradição, em Jauss, quando “solidariza-se” à posição de Adorno e dos teóricos da Escola de Frankfurt, tão combatidos pelo teórico de Constança, cuja crítica será apresentada, posteriormente.

Por ora, este trabalho considera insuficiente essa terceira tese de Jauss pela correspondência com a Teoria Crítica de Adorno, nas áreas de estética e filosofia, que considera um leitor ideal, colocando o leitor de obras produzidas no âmbito da indústria cultural à margem, em uma posição tão inferior quanto à literatura que ele lê/consome.Contudo, essa questão será retomada quando este trabalho tratar da recepção da obra de Paulo Coelho pelo leitor.

Na quarta tese, ocorre um comprometimento maior com a hermenêutica, examinando melhor as relações do texto com a época de seu surgimento e as

variações das compreensões das obras no decurso do tempo. Nessa tese, a presença do leitor se torna mais atuante e imprescindível no processo de comunicação entre texto e público.

Essas quatro primeiras teses têm caráter de premissas, servindo de base para o projeto estético-recepcional de uma história da literatura. Esse projeto investiga a historicidade da literatura sob três aspectos, respectivamente, na quinta, sexta e sétima teses: a) diacronicamente, referente à recepção das obras literárias ao longo do tempo; b) sincronicamente, mostrando o sistema de relações da literatura numa dada época e a sucessão desses sistemas; c) no relacionamento entre literatura e vida prática. (ZILBERMAN, 1989, p. 33 e 37)

Na quinta tese, explorando o aspecto diacrônico da obra literária, Jauss postula que uma nova obra literária não é apenas uma categoria estética, não se limitando, portanto, aos fatores de inovação, surpresa, superação, reagrupamento e estranhamento. O novo torna-se categoria histórica, podendo transpor o período em que surgiu, cujo poder de ação pode diminuir ou aumentar, suscitando uma revisão do passado pelo presente. Assim:

[...] Pode ocorrer aí de o significado virtual de uma obra permanecer longamente desconhecido, até que a “evolução literária” tenha atingido o horizonte no qual a atualização de uma forma mais recente permita, então, encontrar o acesso à compreensão da mais antiga e incompreendida. Assim foi que somente a lírica obscura de Mallarmé e de sua escola é que preparou o terreno para o retorno à já longamente desprezada e esquecida poesia barroca e, em particular, para a reinterpretação filológica e o “renascimento” de Gôngora. (JAUSS, 1994, p. 44)

Com essa tese, especificamente, Jauss questiona a visão isolada da obra literária, exposta numa sequência cronológica, propondo uma construção de avanços e recuos, cujo caráter móvel leva a história da literatura a manter-se vigilante e aberta a diferentes recepções da obra, no decorrer do tempo.

A sexta tese expõe o aspecto sincrônico, estabelecendo um sistema de relações com obras de um determinado momento histórico, percebidas pelo público como obras de sua atualidade, apresentando uma unidade de horizonte. Segundo

Zilberman (1989, p. 38), “é preciso proceder à análise do simultâneo, [...] a fim de definir que obras têm caráter articulador. [...] Estas, postas em destaque, são as que provocam efeitos, sendo encaradas, pois, também desde a perspectiva de sua recepção”.

A última tese busca investigar as relações entre literatura e vida prática, propondo a emancipação do leitor pela leitura:

A experiência da leitura logra libertá-lo das opressões e dos dilemas de sua práxis de vida, na medida em que o obriga a uma nova percepção das coisas. O horizonte de expectativa da literatura distingue-se daquele da práxis histórica pelo fato de não apenas conservar as experiências vividas, mas também antecipar possibilidades não concretizadas, expandir o espaço limitado do comportamento social rumo a novos desejos, pretensões e objetivos, abrindo, assim, novos caminhos para a experiência futura. (JAUSS, 1994, p. 52)

A literatura rompe o automatismo da percepção cotidiana, repercutindo no comportamento social. A obra literária pode levar o leitor à percepção estética e à reflexão moral, atualizando-se, respectivamente, na esfera sensorial e ética. Conforme Jauss:

[...]Uma obra literária pode, pois, mediante uma forma estética inabitual, romper as expectativas de seus leitores e, ao mesmo tempo, colocá-los diante de uma questão cuja solução a moral sancionada pela religião ou pelo Estado ficou lhes devendo.(1994, p. 56)

Ainda, na última tese, a teoria de Jauss evita adotar a postura marxista de que a literatura é reflexo da sociedade, recusando, portanto, a mímese, quando entendida a partir de um conceito platônico. A premissa de Jauss é a de que a arte não é mera reprodução da sociedade, mas desempenha um papel ativo, pois “participa do processo de ‘pré-formação e motivação do comportamento social’” (1994, p. 50). Para ele, a obra de arte cria a sua própria realidade, sendo um processo independente, mas inserida em uma relação de troca com o receptor.

Fazendo um balanço dos princípios teóricos da Estética da Recepção, Zilberman (p. 39-40) aponta limitações e avanços. O texto de Jauss apresenta-se provocador,

propondo uma nova história da literatura e enfatizando o papel do público, como elemento ativo e determinante. Contudo, ao formular o conceito de distância estética, “reduz o impacto da obra de arte a uma medida quantitativa e fixa”. Noções de recepção e efeito também se confundem. Posteriormente, quando se dedica à hermenêutica, as fronteiras conceituais ficam mais nítidas. A teoria também apresenta insuficiência quando descreve a experiência do leitor, a qual deveria ser “a matéria central de uma estética voltada à análise da recepção”. Mas Jauss percebe a lacuna e procura saná-la.

No texto “Os horizontes do ler”, Jauss (1994, p. 78) fala sobre o futuro da teoria da recepção, desejando que desta resulte “a ainda inexistente forma sintética, necessariamente narrativa, de uma história das artes que alcance novamente o nível perdido do historicismo clássico”; e que seu “nome não seja mais atrelado à teoria da recepção, [...] pois só se pode falar verdadeiramente de uma metodologia quando ela se transformou já numa autoridade sem autor”.