• Nenhum resultado encontrado

A organização formal da governança entre os implementadores

5. INTERAÇÃO ENTRE GESTORES, COORDENADORES E FORMADORES

5.1 Governança formal e governança reticular

5.1.1 A organização formal da governança entre os implementadores

A partir da descrição da estrutura institucional constituída para o ACDC, destacam-se algumas circunstâncias sobre o processo de produção relativa ao dia a dia do trabalho dos formadores. A discussão apresentada nesta seção parte da análise dos grupos identificados pela estrutura de relacionamento entre gestores e implementadores do ACDC e sua forma de interação.

Ao integrar o projeto, as organizações estavam em busca de maior diversidade de conhecimentos relativos à temática em questão; capilaridade para alcançar as escolas e, por meio delas, a sociedade; recursos para o desenvolvimento do trabalho; legitimação, por meio da integração de organizações públicas; uso da educação como via para trabalhar as questões de identidade cultural e de valorização da história e da cultura afro-brasileira; avanço na discussão político-racial; e poder de articulação que o projeto oferecia às instituições. De outro lado, algumas instituições implementadoras, e além dos próprios formadores, tinham a expectativa de conhecer o material do ACDC, de aproximar-se dos demais componentes da rede e de aumentar seu espaço de expressão em âmbito nacional. De tal modo, a conciliação dos objetivos significou um desafio a ser enfrentado, particularmente no que se refere à constituição de seus contratos e processos. Ainda assim, esses atores construíram um espaço de confiança, evidenciado pela percepção do ACDC como um palco para o debate sobre a questão racial no Brasil, representando a ampliação da proposta original do projeto. Mais que ministrar a formação, fazendo chegar o conteúdo produzido ao aluno e à sociedade em geral, havia uma expectativa maior em termos de seu envolvimento não só no conhecimento embarcado no material, mas também no processo de coordenação da sub-rede de implementação.

As relações eram reguladas por diferentes contratos, que tinham por objetivo estabelecer as grandes diretrizes que pautavam as ações dos atores e resultavam da experiência da FRM e da Petrobras em outras parcerias. Os contratos estabeleciam quais seriam os papéis de cada uma das sub-redes e definiam que a FRM apontaria os caminhos a serem seguidos pelos articuladores, implementadores e educadores e que ela faria a coordenação geral da rede.

A sub-rede de implementadores coordenava os trabalhos desenvolvidos nos polos, onde aconteciam as formações, no âmbito da sub-rede de educadores. Essa coordenação possuía

90 uma autonomia relativa na constituição da estrutura dos polos e na adoção de materiais e metodologias paralelas ao material didático do ACDC. Mudanças no roteiro deveriam ser previamente comunicadas, destacando, com isso, a característica vertical de coordenação da rede nas mãos do núcleo de gestão executiva.

A divisão de tarefas já estava pré-acordada entre nós, na nossa instituição, e ninguém tomava nenhuma decisão se não trouxesse para o grupo todo. A coordenação era quem batia o martelo, mas era discutido no coletivo. Não havia possibilidade de ninguém tomar nenhuma decisão aleatória sem discutir anteriormente. E quando se apresentava alguma situação extraordinária, procurava-se a coordenação do ACDC e a Coordenação da própria instituição, para poder trazer a situação e tentar resolver [ator 39].

A necessidade de entrega de informações à Petrobras, instituição financiadora do projeto, demandou um número grande de processos e mecanismos de controle, para registrar tudo o que ocorria no campo. Como eram vários momentos em diferentes regiões, durante as formações eram feitas avaliações dos encontros por meio do preenchimento de formulários contendo indicadores, para a produção de relatórios. Além disso, eram feitas pesquisas, de ordem qualitativa e quantitativa, por meio de institutos de pesquisa contratados para esse fim, para verificar se as metas estabelecidas estavam sendo atingidas.

Contudo, a rede foi marcada por conflitos que se originavam de diferentes fontes: diferenças no entendimento sobre os objetivos da rede; o conteúdo pedagógico, caracterizado por diferentes pontos de vista; a metodologia de formação; e críticas em relação à coordenação, particularmente à ausência de mecanismos que fomentassem a interação.

[...] quando se convida para implementar organizações com um acúmulo, inclusive maiores do que o acúmulo do Canal Futura em relação à temática, vamos dizer que houve tensões ideológicas, tensões de encaminhamento, tensões de “organização com organização”. Tensões, por exemplo, nos acordos institucionais. E, então, tensões sempre existiram e foram ajustadas pelo reconhecimento de que eu sou da instituição X e me candidatei a trabalhar um projeto do Canal Futura. Logo, eu reconheço este canal, este grupo, como o grupo gestor habilitado neste projeto. Era quase uma relação patrão-empregado [ator 5].

Essa circunstância era vista de forma impositiva por alguns implementadores. Pelo fato de esses atores entenderem a rede numa perspectiva aberta, esperava-se uma estrutura de governança mais flexível e com maior possibilidade de interação e trocas.

Nessa perspectiva, ainda que o contrato e a definição de um plano de trabalho despontem como elementos apaziguadores desses conflitos, havia momentos em que era necessário tomar decisões centralizadas. Nesses casos, não havia espaço para negociação. A gestão dos conflitos era caracterizada por uma posição unilateral da FRM. Ainda assim, integrar a rede de pessoas e organizações num espaço de expressão nacional era visto pelos implementadores como um fator positivo.

A adesão dos indivíduos ao projeto ocorria a partir da sua própria militância na questão étnico-racial e educacional. Nesse sentido, não havia mecanismos de recompensa ou de punição estabelecidos para regulação da forma de se trabalhar. A expectativa desses indivíduos era de contribuir para a implementação da lei, engajando-se profissionalmente num projeto que, de fato, trouxesse uma contribuição positiva para os professores, os jovens, as comunidades e as instituições do movimento social.