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A origem: carta de concessão de sesmarias e Datas: 1500 – 1822.

2. MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO EM CORUMBIARA 1 A luta pela terra e a luta pela Reforma Agrária.

3.2. A origem: carta de concessão de sesmarias e Datas: 1500 – 1822.

A palavra sesmaria não tem origem certa, mas sabe-se que o termo é uma criação original do direito público Lusitano. Esse Instituto Jurídico Português foi criado em 1375 recepcionado pelas Ordenações do Reino de Portugal, baseada nas terras comunais que da Idade Média que eram cultivadas para o benefício comum, de todos os servos de uma determinada gleba. A Lei foi aplicada pela primeira vez em Portugal, pelo Rei Dom Fernando, em fins do século XIV, em virtude do abandono das terras peninsulares, que ameaçava o abastecimento de alimentos no país. Para por fim a crise de gêneros alimentícios o Rei decretou que “todos os que tivessem uma propriedade rural suas ou arrendada, ou por qualquer outro título, fossem obrigados a lavrá-las”, estabelecendo, ainda, que as terras que permanecessem incultas fossem entregues a lavradores interessados em nelas produzir. Sendo assim, o objetivo

da legislação era o de não permitir que as terras permanecessem incultas, impondo a obrigatoriedade do aproveitamento do solo. Caso o dono não pudesse explorá-lo deveria arrendá-la. Caso o contrário o rei tinha o direito de confiscar e distribuir a quem quisesse aproveitar. O regime de sesmaria foi também implantado nos Açores. O que justifica que o regime nasceu, assim, como uma verdadeira intervenção pública na posse das terras, voltando- se ao que poderia ser chamado, na linguagem de hoje, como a busca de a propriedade exercer sua “função social”. Se, em Portugal, as concessões eram utilizadas para a exploração de terras abandonadas, esvaziadas no período das navegações, que ficavam sobre supervisão de representantes do rei - que tinham o poder de outorgá-las e retirá-las de quem não as aproveitasse dentro do prazo estabelecido, no Brasil, não existiam terras abandonadas. Para Lima 166, no Brasil o regime foi assentado em outras bases, aqui, o sistema de sesmaria se estabeleceu não para resolver as questões do acesso a terra e de seu cultivo, mas para regularizar a própria colonização. Portanto, diferentemente do que aconteceu em Portugal, o regime de sesmarias não foi utilizado para resolver a inércia dos campos, nem para cumprir a função social da terra, mas, serviu como instrumento de ocupação primária do território. Assumindo assim, características peculiares. A Coroa Portuguesa precisou estabelecer um sistema jurídico capaz de assegurar a própria colonização.

Desde a chegada de Pedro Álvares Cabral em 1500, as terras brasileiras se constituíram em terras públicas sob o domínio real, era como se o Brasil fosse à fazenda do Rei. Somente após a Independência, em 1822, que as terras públicas do rei se constituíram em patrimônio Nacional e permaneceu assim durante todo o império até a Constituição de 1891 quando no artigo 64, as terras Nacionais foram distribuídas para os Estados em cujos limites se encontravam.

As primeiras concessões de sesmarias em terras continentais ocorreram á partir de 1534. A primeira pessoa com poderes para tanto no Brasil, foi Martim Afonso de Souza. Porem antes disso já havia sido doado em concessão, para Fernando de Noronha, a Ilha de São Pedro ao da Quaresma; por toda a sua vida e de seus descendentes. Mesmo assim, Martim Afonso de Souza pode ser considerado o primeiro Sesmeiro do Brasil, porque na época era chamado assim o funcionário do Rei que tinha o encargo de repartir as terras não aproveitadas entre os que nelas quisessem trabalhar. Depois, a expressão veio a designar o próprio beneficiário da redistribuição167, ou seja, sesmeiro era a pessoa que recebia a propriedade rural para cultivar.

166LIMA, Ruy Cirne e Costa Porto. Pequena história territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. 4ª edição. Editora ESAF. Brasília, 1988, p. 36.

167As Ordenações Afonsinas, de 1446, revelando, também, preocupações com o repovoamento dos campos e com a produção agrícola, repete o mandamento de D. Fernando e prevê a concessão de terras, em sesmarias, a quem delas quisesse extrair o devido proveito.

86 Segundo Porto 168para que o interessado viesse a ser contemplado com a concessão de uma sesmaria tinha que driblar uma burocracia dispendiosa e complicada. O que segundo ele dificultava a colonização total do território brasileiro. De outro lado, ainda que na essência o regime sesmarial não estivesse voltado à contemplação da alta nobreza reinol, veio a ser– em face de distorções significativas– um instrumento (quiçá o principal) de constituição de uma estrutura agrária marcada pelo signo da grande propriedade, eis que, como anota Porto, só os mais ricos tinham acesso às terras concedidas. Deixando claro seu caráter latifundiário. O pedido de sesmaria era feito ao representante do poder central - capitão mor, capitão geral ou governador da província- identificando o nome do solicitante, o local e área desejada:

“O pedido recebia as informações do provedor da Fazenda Real no município

de situação das terras, e do procurador da coroa, subindo assim instruído a despacho final. Deferido, lavrava-se na Secretaria de Estado a carta de sesmaria, como um título provisório, cabendo ao interessado suplicar ao rei, dentro em três anos, a carta de confirmação, que era o título definitivo (...). A concessão da carta da sesmaria, se fazia para que o concessionário usufruísse as terras como suas próprias, para ele e para todos os seus herdeiros,

ascendentes e descendentes(...)” (Junqueira, 1976, p. 69)169.

Para a cedência de sesmarias foi criado no dia 28 de setembro de 1534, o Instituto de cedência ou doação de sesmarias170. As terras eram doadas pelos donatários das capitanias hereditárias preliminarmente; porem necessitava da confirmação Régia. Logo após esse instituto deixou de existir devido o fracasso das capitanias hereditárias que foi substituído pelo governo geral estabelecido em 1548. A partir de então, as Sesmarias adquiriram o caráter de concessão administrativa sobre o domínio público com o encargo de cultivo, outorgadas pelos Governadores Gerais e Provinciais. A propriedade era concedida sob condição resolutiva, isto significava que o proprietário perderia sua propriedade se, ao final de 05 anos, a ela não tivesse dado, efetivamente, destinação produtiva. As Datas consistiam na transferência de terrenos das cidades e vilas para edificação particular concedida pelas Municipalidades.

Dentre outros deveres os sesmeiros tinham a obrigação de demarcar suas divisas. O que não acontecia. A princípio, as áreas concedidas não eram limitadas a uma determinada quantia. Depois, em face de excessos cometidos, começaram a ser estabelecidos limites. Em face disso, eram freqüentes os atos de apossamento puro e simples de glebas. A Carta Régia de dezembro de 1697 limitou a extensão das sesmarias a três léguas e o sesmeiro tinha o dever de demarcar as terras em três anos após o recebimento.

168PORTO, José da Costa. Formação Territorial do Brasil. Fundação Petrônio Portella, Brasilia, 1982.

169JUNQUEIRA, Messias. Justificativa e anteprojeto de lei de terras. São Paulo: Empresa Gráfica ‘Revista dos

Tribunais’ Ltda, 1942

170Nas palavras de Ruy Cirne Lima, este instituto foi marcado pelo “espírito latifundiário” e “dominialista” que assumiu como estatuto autônomo no Brasil. O que fomentou o paulatino processo de transferência de terras públicas ao domínio privado, p.30.

Apesar da obrigação de pagamento de Foros e tributações, que dependia da grandeza e da bondade das terras, á Coroa, foi criado em 17 de dezembro de 1548 o Regimento que introduziu o novo princípio: a concessão de Sesmarias livres de foros para a construção de engenhos de açúcar e estabelecimentos semelhantes, àqueles com possibilidade para fazê-lo. A definição do encargo de cultivo das Sesmarias, ou de edificação das Datas, concedidas administrativamente, sujeitas à obrigação do registro, medição, pagamento de foro e a possibilidade de confisco face o descumprimento das cláusulas contratuais, conformaram o regime jurídico da propriedade pública entre meados de 1500 a 1822.

A partir das últimas décadas do século XVII, a Coroa iniciou algumas tentativas de regularização das sesmarias. A primeira regularização foi no sentido de delimitar a extensão máxima das áreas a serem concedidas por sesmaria, foi em vão. As disposições acerca da obrigatoriedade do cultivo, um dos principais itens da Carta Régia de 1695, foram também inócuas. Para por fim a esses descumprimentos do regime de sesmaria o Rei criou as resoluções de 11 de abril e 02 de agosto de 1753 determinavam que “as terras dadas de sesmarias em que houvesse colonos cultivando o solo e pagando foro aos sesmeiros deveriam ser dadas (em sesmaria) aos reais cultivadores”. Para evitar os conflitos de terras entre posseiros e sesmeiros e promover a colonização do território, foi criado, o Alvará de 1795. Segundo o mesmo, as irregularidades e desordens na doação de sesmarias no Brasil provocaram a necessidade de elaborar um regimento próprio, capaz de obrigar a regularização e demarcação das sesmarias. O Alvará não deixava de salientar os abusos e desordens resultantes da ausência de um regimento a ser aplicado em “todo o Estado do Brasil”. Em 1809, mais um Alvará é promulgado pelo príncipe regente para retornar a condução da política de terras. Para MOTTA havia três pontos de preocupação do governo imperial quanto à concessão de sesmaria: o primeiro era cumprir o objetivo de ocupar e explorar as terras, o segundo era o surgimento das subclasses: arrendatários e lavradores e por último a incapacidade da Coroa verificar o cumprimento das exigências que permitia o surgimento do posseiro.

“O primeiro era que a implantação de um instituto jurídico, criado para

promover o cultivo, era utilizado para assegurar a colonização. Nas terras coloniais, a questão não se resumia à necessidade de aproveitamento das terras, mas implicava fundamentalmente ocupar e explorar estas terras dominá-las enquanto área colonial. Em segundo lugar, a obrigatoriedade e o incentivo ao cultivo estimulavam o crescimento de categorias sociais estranhas aos sesmeiros. Muitos deles, por exemplo, preferiram arrendar suas terras ou parte delas a arrendatários que, muitas vezes, sublocavam parcelas de terras a pequenos lavradores. A delegação de poder que acompanhava a prática dos grandes arrendamentos não só permitia o surgimento de um nova categoria social - o grande arrendatário – como colocava obstáculos ao trabalho da Coroa de verificar o cumprimento da exigência do cultivo e da demarcação de terras. Em terceiro lugar, a incapacidade da Coroa de efetivamente controlar o cumprimento de suas exigências estimulava o

88 crescimento da figura do posseiro, ou seja, aquele que se apossava de terras, pretensa ou realmente devolutas (Idem, 1998: 121/122)171.

O regime de sesmarias foi extinto no dia 17 de julho de 1822, através da Resolução n° 76, pelo Príncipe Regente D. Pedro. Sabe-se que o Príncipe assim procedeu ao haver-se indignado com o apelo que lhe foi dirigido por um morador do Rio de Janeiro, Manoel José dos Reis, que lhe suplicava pudesse continuar na posse de uma gleba, onde vivia com sua família há mais de vinte anos, a qual não se encontrava compreendida em nenhuma sesmaria. O regime foi totalmente abolido, com o Brasil já independente, em 22 de outubro de 1823, através de uma Provisão Imperial.

Para Faoro, o regime de sesmarias foi extinto porque perdeu o caráter administrativo que lhe fora infundido pelos legisladores de Portugal, para acentuar seu conteúdo dominial, “o regime das Sesmarias gerou, ao contrário de seus propósitos iniciais, a grande propriedade”172. O jurista identifica neste regime as origens da grande propriedade que tomou conta do país “com a dependência e o bloqueio da ascensão do lavrador não proprietário”. Para este autor, o regime Sesmarial “de fato, não serviu ao cultivo e ao aproveitamento da terra, mas imobilizou o status do senhor de terras, utilizada menos em proveito da agricultura do que da expansão territorial, estimulada esta pelos agentes do rei no Brasil”.O fim do regime de Sesmaria estava, mesmo antes da Resolução de 17 de julho de 1822, decretada pelos fatos – para Faoro, a exaustão dos bens a distribuir fecha um período histórico.

O fim das sesmarias e a não substituição imediata do sistema por uma nova regulamentação, deixou o território brasileiro, por muitos anos, à mercê de um regime determinado pela posse efetiva da terra.Durante o “Regime de Posses”, em lugar dos favores do poder público, a terra passa a ser adquirida pela herança, pela doação, pela compra e, sobretudo, pela ocupação – a posse, transmissível por sucessão e alienável pela compra e venda.

Apoderar-se de terras devolutas e cultivá-las tornou - e cousa corrente entre nossos colonizadores, e tais proporções esta pratica atingiu que pode, com o correr dos anos, vir a ser considerada como modo legitimo de aquisição do domínio, paralelamente a principio, e, após, em substituição ao nosso tão desvirtuado regime de Sesmarias. Os dois processos chegaram a ter-se por equivalentes. Depois da abolição das Sesmarias– então a posse passou a

campear livremente (…). Era a ocupação, tomando do lugar das concessões

do Poder Publico, e era igualmente o triunfo do colono humilde (…). (Faoro,

2001, p.38).

O Regime de Sesmaria, surgido em Portugal tinha como objetivo fazer com que a terra cumprisse a função social; de produzir alimentos. No Brasil, o objetivo era de regulamentar a ocupação do território brasileiro. A concessão de Datas e Sesmarias livres de foros, atrelada a 171MOTTA, Márcia Maria Menendes. Na Fronteira do Poder. Conflito e direito a terra no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro/Vicio de Leitura, 1998.

172

FAORO, Raymundo. Os donos do poder– a formação do patronato político brasileiro. 3ª edição, revista globo, p.43, 2001.

falta de fiscalização na delimitação das terras doadas, deu origem ao grande latifúndio. O Regime de Morgadio criou os agregados, que junto aos excluídos do direito á propriedade: índio, escravo, bastardo e o mestiço, formaram os camponeses, que criaram o costume de tomar posse da terra. Para os agregados do Regime de Morgandio, não era permitido o requerer concessão de sesmaria; em nome do camponês, mas apenas em nome do herdeiro primogênito. Tal situação constituiu uma aristocracia fundiária com poder de monopólio social e políticos. Essa situação marcou o fim o e o regime de Morgadio e do sistema de sesmaria. Porem manteve o caráter inicial da ocupação territorial baseado no costume sem o direito a propriedade.