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As Leis de regularização fundiária do território brasileiro.

2. MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO EM CORUMBIARA 1 A luta pela terra e a luta pela Reforma Agrária.

3.1. As Leis de regularização fundiária do território brasileiro.

Bauman 158, na obra “vida liquida”, diz que a globalização na sociedade liquida, “segundo as projeções atuais, dentro de mais ou menos duas décadas, dois em cada três seres humanos viverão em cidades. Apesar de acreditar que ainda temos um longo caminho para percorrer, até que o nosso planeta se torne a “aldeia global”, ele acredita que, as aldeias estão se tornando cada vez mais rapidamente globalizadas. O autor entende que a cultura camponesa, é incompleta e dependente, não pode ser adequadamente descrita, muito menos compreendida, exceto no arcabouço de sua vizinhança, incluindo uma cidade no qual seus habitantes estão vinculados pela interdependência. E o arcabouço necessário para compreender e explicar o rural é a do planeta. Incluir no quadro uma cidade próxima, grande que seja não basta. Diante da intensidade da visão de globalização do mundo rural de Bauman, faz-se necessário recorrer ao processo histórico da Regularização Fundiária Nacional, para compreender os problemas que afetam a construção do processo da Reforma Agrária no Brasil que levam ao embate dos movimentos sociais do campo no Estado de Rondônia.

A questão da Reforma Agrária está vinculada ao processo global da urbanização e industrialização, que provocou o êxodo rural. Para Hobsbawm 159, os trabalhadores que não foram absorvidos pelo mercado de trabalho, entraram para o mercado informal e paralelo. Apesar de o autor acreditar que, esses ainda esperam o historiador para serem pesquisados, para MST, no Brasil, esses camponeses, que durante o período da industrialização saíram do campo, se recusaram a proletarizar-se, e fazem o caminho inverso, saindo da cidade e voltando para o campo.

O processo de retorno para o campo é dificultado pelas elites agrárias, que através de um pacto entre oligarquias se mantém no poder, desde a colonização do Brasil. Porém o costume de tomar posse da terra, cultivar por um ano e depois migrar para outra área, é recorrente na historia da formação classe camponesa brasileira. O camponês sempre foi excluído da historia política brasileira, aparecendo apenas quando entra em conflito, com as forças que dominam as terras no país. Diante de tal situação cabe investigar como as Leis

158BAUMAN Zygmunt . Vida Liquida. Tradução: Carlos Alberto Medeiros, ZAHAR, Jorge Zahar Editor Rio de Janeiro, 2005.

159HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX 1.914 - 1.991. Companhia das letras, São Paulo, 1995.

82 brasileiras se adequaram historicamente, para privilegiar as oligarquias e excluir os camponeses do acesso a propriedade da terra.

Thompson, 160na obra “senhores e caçadores”, sugere que é fundamental perceber a relação entre o Costume e a Lei na definição de propriedade. Para ele, muito freqüentemente acreditou-se que a propriedade fosse definida apenas pelo processo legal. Thompson nos lembrou, contudo, que o costume teve sempre uma dimensão sociológica reconhecida, materializadas na expressão bastante corriqueira, nas normas legais da época e nas sentenças judiciais: “de acordo com os costumes”. “Portanto era um conjunto de práticas estabelecidas e experiências coletivascompartilhadas” que moldava o equilíbrio das relações sociais, pois o costume antecedia a lei e acabava por determinar tanto a sua forma quanto o seu conteúdo final.

O Regime de Sesmaria; primeira Lei que regulamentou e administrou a colonização do território brasileiro; excluía do direito á propriedade da terra, os índios, escravos, mestiços, bastardo e todos os agregados pelo Regime de Morgadio. Esses excluídos do direito á propriedade da terra, estabeleceram, o costume de posses, que era preenchido por alguns requisitos da Lei da Boa Razão; que deu direito a posse de terras para quem cumpria o quesito de cultivo e antiguidade na terra. A posse da terra desde então, incidia paralelamente ás leis que regulamentava a propriedade da terra.

Martins indica que, o problema do posseiro hoje, está mais na contradição do uso da terra como capital e menos na aplicação das Leis. Ele entende que a migração interna brasileira; que ocorre desde a colonização, assumindo grande importância com a chegada os migrantes estrangeiros para a colheita do café e depois se deslocou para a Amazônia e o Centro-Oeste do país; é um costume, dado incorporado na própria visão de mundo dessas pessoas. A visão de mundo dos camponeses, trás concepções, que opõe a cultura tradicional e a sociedade capitalista. Na questão da luta pela posse da terra, o que está em disputa, portando, são as duas formas de ocupação da terra: a propriedade e a posse. “Na verdade, o posseiro não valoriza a terra como terra. Ser proprietário da terra para ele não tem o menor sentido. O que tem o sentido para ele, isto sim, é ser dono do trabalho”161. Para o posseiro, a terra entra como um instrumento de trabalho. A terra tem também o significado ideológico de liberdade, liberdade de trabalho familiar, liberdade de trabalho autônomo, liberdade de locomoção, liberdade de decisão. Outro conceito importante para o posseiro é o significado de pobreza. “Pobreza para o posseiro, em geral, é não ter o que comer, não é o dinheiro. O que define a boa ou má vida, a boa ou má existência é afartura”. O deslocamento do posseiro se dá rumo à “Via

160THOMPSON, E. P. Senhores e caçadores. A origem da Lei negra. Editora, Paz e terra. São Paulo, 1997. 161MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil. As lutas sociais no campo e o seu lugar no processo político. Editora, Vozes, 3ª edição. Petrópolis, 1981, p. 131.

– Láctea”162

, que é o sinal mais vivo que existe no céu na época que antecede a preparação da terra para a colheita, que é quando se dão as migrações em direção a essas regiões novas163. Existem também as profecias, que são fechadas, de circulação interna, que prevê as regiões a serem ocupadas. O posseiro migra internamente no Brasil, baseado também no costume. Quando não havia Leis de regulamentação das terras, não havia conflitos por terra.

Thompson, argumenta que o estudo das Leis tem sido considerado pouco importante para diferentes vertentes políticas, tanto do campo conservador, quanto do campo da esquerda. Para certa tradição marxista, sofisticada mais altamente esquemática, a lei estaria no campo da superestrutura e resultaria da necessidade das forças produtivas e das relações de produção. Ela seria um instrumento de poder de classe com um conjunto de regras e sansões que confirmam e consolidam esse poder. Nessa perspectiva, o “domínio da lei seria apenas outra mascara para o domínio de uma classe. O revolucionário não precisa ter nenhum interesse pela lei a não ser como fenômeno de poder e de hipocrisia da classe dominante; seu objetivo seria simplesmente subvertê-la164. Para Thompson, a Lei pode ser vista como, ideologia ou como regras e sansão especifica que mantém uma relação ativa e definida como normas sociais. Ela pode ser compreendida, também, nos termos de sua própria lógica ou como regras e procedimentos específicos. A história das Leis que regulamentaram e administraram a colonização do território brasileiro demonstram que as Leis sempre beneficiaram a formação de Latifúndio e excluíram o agricultor. Durante o Regime de Sesmaria, que gerou a dependência e o bloqueio da ascensão do lavrador não proprietário, tal Regime não serviu ao cultivo e ao aproveitamento da terra, mas imobilizou o status do senhor de terras, utilizada menos em proveito da agricultura do que da expansão territorial, estimulada esta pelos agentes do rei no Brasil 165. Mesmo durante o Regime de Posses, quando não havia lei expressa, a instituição da ‘posse com cultura efetiva’, como modo de aquisição do domínio, só poderia ter sido estabelecida consuetudinariamente”. Nem por causa da ausência de regulamentação o sistema veio a servir para que as camadas menos abastadas pudessem ter acesso a terra. Os antigos sesmeiros, mais dotados de capacidade para abrirem novos espaços, foram os que puderam, com mais presteza e efetividade, ampliarem ainda mais suas possessões. A Lei de Terras, 1850, consolidou o poder do latifúndio, pois, criou o grande entrave para que se cumprisse a função social da 162

Martins revela o que observou junto aos camponeses, como algo místico, revelado aos poucos, como que segredo, o qual os relaciona a ação de enfrentamento dos posseiros do outro lado do Araguaia, que pra eles, ali se encontrava as terras da liberdade, onde poderiam permanecer e manter uma vida segundo seus costumes, o qual relacionou a um deslocamento numa mesma rota do sinal da Via láctea e também rumo ao por do Sol, ou seja, para o Oeste.

163MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil. As lutas sociais no campo e o seu lugar no processo político. Editora, Vozes, 3ª edição. Petrópolis, p. 133, 1981.

164THOMPSON, E. P. Senhores e caçadores. A origem da Lei negra. Editora, Paz e terra. São Paulo, p. 350, 1997.

165FAORO, Raymundo. Os donos do poder– a formação do patronato político brasileiro. 3ª edição, revista globo, p.36, 2001.

84 propriedade no Brasil, o Estado perdeu a autonomia sobre o território e as terras ficaram sobre o poder de quem tinha já tinha o domínio de posse. Para Boris Fausto a Lei 601 foi concebida como uma forma de evitar a posse da terra para os futuros emigrantes estrangeiros, afastar os posseiros pobres, e transformar os imigrantes em mão-de-obra livre, necessária para substituir a escrava. O Estatuto da Terra, implantado durante a Ditadura Militar, distribuiu as terras para as empresas privadas e institucionalizou a reforma agrária, esvaziando o discurso político ideológico, dos movimentos sociais do campo, impedindo a reforma agrária espontânea.

Apesar, das Leis agrárias, sempre cercear o direito á propriedade da terra, para os camponeses, a posse era o costume. O costume de posse criou precedente para o direito de propriedade. Às vezes a Lei foi alterada para beneficiar costume de posse, outras vezes a Lei ficava ofuscada; como no Estatuto da terra; fato que torna os conflitos agrários impunes, pois o próprio judiciário não tem clareza de decisão legal. Apesar das Leis que regulamentam a ocupação fundiária, beneficiarem apenas as grandes oligarquias, os costumes influenciaram nas decisões legais, em prol dos excluídos do direito á posse.

Quanto ao direito de acesso a terra pelos camponeses, é encaminhada hoje, pelo embate entre o direito á função social da propriedade e o direito á reforma agrária. Ambos direitos dependem do encaminhamento social dessa pauta, geralmente feito pelos movimentos sociais e o Estado. Segundo Thompson, pode ser um encaminhamento político, ideológico. Se a Lei que regulamenta as terras do território brasileiro hoje, não garante a Reforma agrária, a função social da terra, fica claramente comprometida, o que é mais importante para o trabalhador rural, as Leis ou os costumes? Para entender tal questionamento dos movimentos que luta pela em defesa da terra e da reforma agrária no Brasil é importante entender quais as Leis e costumes que regulamentava historicamente o território nacional.