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O processo de construção da Reforma Agrária brasileira.

2. MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO EM CORUMBIARA 1 A luta pela terra e a luta pela Reforma Agrária.

2.4. O processo de construção da Reforma Agrária brasileira.

Todos os países considerados desenvolvidos atualmente fizeram reforma agrária. Em geral, por iniciativa das classes dominantes industriais, que perceberam que a distribuição de terras garantia renda aos camponeses pobres, que poderiam se transformar em consumidores de seus produtos. As primeiras reformas agrárias aconteceram nos Estados Unidos, a partir de 1862, e depois em toda a Europa ocidental, até a 1ª Guerra Mundial. No período entre guerras, foram realizadas reformas agrárias em todos os países da Europa oriental. Depois da 2ª Guerra Mundial, Coréia, Japão e as Filipinas também passaram por processos de democratização do acesso a terra. A reforma agrária distribuiu terra, renda e trabalho, o que formou um mercado nacional nesses países, criando condições para o salto do desenvolvimento. Para Martins, no Brasil a Reforma Agrária efetiva, ainda não sobreveio, devido a nossa formação político social e econômico, que não permitiu a formação de uma burguesia industrial capaz de romper com o Estado absolutista que perdura até os dias atuais. A Reforma Agrária distributiva, quando acorre é apenas para manter o pacto político da elite agrária.

Segundo Oliveira a Reforma Agrária é definida, nos países do mundo Ocidental capitalista, ou de capitalismo tardio, com orientação e características parecidas, porem respeitando suas próprias peculiaridades de combinações feitas através de seus governos ou doutrina legal.

A reforma agrária constitui-se, portanto, em um conjunto de ações governamentais realizadas pelos países capitalistas visando modificar a estrutura fundiária de uma região ou de um país todo. Ela é feita através de mudanças na distribuição da propriedade e ou posse da terra e da renda com vista a assegurar melhorias nos ganhos sociais, políticos, culturais, técnicos, econômicos (crescimento da produção agrícola) e de reordenação do território. Este conjunto de atos de governo deriva de ações coordenadas, resultantes de conjunto de decisões governamentais ou a doutrina de um texto legal. (OLIVEIRA, 2007, p. 68).

Com base em estudo de modelos de Reforma Agrária no mundo, Souza 130definiu cinco modelos de Reforma Agrária: Reforma agrária ou desenvolvimento agropecuário: é o Processo de modernização da agricultura e pecuária baseada na incorporação de novas técnicas de produção e numa generosa canalização dos recursos públicos sem provocar mudanças na 129MARTINS, José de Souza. A sociedade vista do abismo, novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes sociais. Editora, Vozes. Petrópolis, 2002.

130 SOUZA, Marilsa Miranda. Capitalismo, questão agrária e meio ambiente em Rondônia. O caso de Jacinopolis. Dissertação de mestrado. Porto Velho, Unir 2006.

estrutura agrária. Reforma agrária tutelada: é o exercício de mudança em áreas limitadas e especificas, sob tutela do compartimento moderno. Reforma agrária modernizadora: é um conjunto de medidas modernizadoras da estrutura agrária inserida dentro de um projeto nacional de atualização histórica. Reforma agrária evolutiva: é o processo de mudança da estrutura agrária destinado a criar um contexto agrário flexível e acessível às inevitáveis transformações posteriores da sociedade global. Revolução Agrária: é a transformação qualitativa dos modos e relações de produção prevalecentes no agro, mediante a nacionalização dos recursos terra, capital e tecnologia. Os objetivos da revolução agrária são suprimir as contradições antagônicas que obstaculizam o desenvolvimento das forças produtivas, a eliminação progressiva, das contradições urbano-rural e a integração vertical (econômica, política e social) de todos os habitantes do País131. Os movimentos sociais do campo divergem sobre que reforma agrária defende para os produtores rurais brasileiros.

O MST é o movimento social brasileiro que traz um debate teórico mais definido á respeito da Reforma Agrária, não delibera sobre a forma como ela ocorrerá, entende que, o processo de correlações de força é desproporcional á implementação da verdadeira Reforma Agrária, mas declaram estar de acordo com a maioria da população do meio rural.

A proposta de mudanças no campo, aqui defendidas e almejadas pela imensa maioria da população do meio rural, representa um sonho. Uma utopia. Em busca da qual seguirá nossa luta permanente. A correlação de forças existentes atualmente em nossa sociedade não permite a sua implementação. As classes dominantes, que detém o governo e as leis, congregadas pelos interesses dos latifundiários, da burguesia e outros interesses estrangeiros, possuem ainda uma enorme força para manterem por muito tempo a atual situação. (MST, Programa de Reforma Agrária, 1995, p. 27).

A postura do MST, Para Martins132, é a mesma da CPT, e do MCC. Para ele os movimentos concordam com a Reforma Agrária evolutiva. Para Souza, a reforma agrária evolutiva não rompe com o capitalismo especulativo que se faz sobre a terra, no Brasil.

Primeiro, porque não elimina o monopólio da propriedade da terra, mas a colonização de terras inexploradas pertencentes ao Estado; segundo, porque beneficia os latifundiários parasitários que utilizam a terra apenas para especulação financeira com o pagamento de vultosas indenizações pelas terras desapropriadas. É a reforma agrária de mercado em que a terra é comprada pelo Estado, seguindo o exemplo instituído no Brasil desde 1850 com a Lei de Terras; terceiro, porque estimula o desenvolvimento do capitalismo no campo, conservando a grande propriedade arcaica e semi- feudal e as grandes propriedades de novo tipo voltadas a monocultura exportadora e controlada pelo capital estrangeiro e por ultimo, porque cria uma camada de camponeses ludibriados pelas promessas de prosperidade ao receber uma parcela de terra, contendo as idéias revolucionarias no campo. (SOUZA, 2006, p. 44 e 45).

Para Martins a Reforma Agrária no Brasil é “a abertura de possibilidades de acesso à propriedade da terra; fato histórico que acontece lentamente. Mas em seu constructo, ela

131 SOUZA, Marilsa Miranda. Capitalismo, questão agrária e meio ambiente em Rondônia. O caso de Jacinópolis. Dissertação de mestrado. Porto Velho, Unir 2006, p. 38-43.

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MARTINS, Marcio Marinho, Corumbia: Massacre ou Combate? A luta pela terra na fazenda Santa Elina e seus desdobramentos. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de Rondônia. 2009, p.111.

72 acontece através de um processolento e histórico que ele chama de “sociologia dos processos agrários”, ou seja, a análise da renda da terra, sobre a perspectiva histórica dos conflitos de interesses. Ele acredita que “não é o numero de desapropriação ou de assentamentos em terras desapropriadas ou compradas que define o perfil da reforma agrária brasileira, sua justeza ou não” 133

. Por outro lado, não se pode negar que, essas conquistas, que foram desejadas pelos agricultores familiares, em um momento histórico, seja parte da construção do processo. Dessa forma, a área de regularização fundiária do Município de Chupinguaia, o assentamento Adriana e os assentamentos onde foram espalhados os sobreviventes do Massacre de Corumbiara, fazem parte da sociologia do processo agrário de Rondônia. Porem há de se trabalhar a analise de renda e a perspectiva de interesses. No município de Theobroma, o governo comprou três fazendas em 1995 e 1996 para assentar os sobreviventes do Massacre de Corumbiara, já em 2000, foi feito reforma agrária em terras devolutas, ou seja, os assentamentos anteriores a 2000 beneficiaram mais os fazendeiros do que os trabalhadores rurais.

Conforme o pensamento de Martins a Reforma Agrária, pode ter vários significados políticos e ideológicos; em alguns momentos da historia ela foi apenas à distribuição de terras; mesmo que o movimento social discorde, essa era a reivindicação dos trabalhadores rurais, não dá para mudar a historia. Para o MST134, no balanço do processo de construção da Reforma Agrária entre 1980 e 1985, verifica-se que ouve um aumento importante do número de posseiros, demonstrando a ineficiência da Reforma Agrária baseado apenas na distribuição de terras. Tal situação pode ser percebida no município de Theobroma; onde foram criados três assentamentos para os sobreviventes do massacre de Corumbiara, hoje 70% dos moradores já saíram desses assentamentos. O aumento no numero dos posseiros revelam que os camponeses são expropriados de suas terras se recusam a proletarizar-se.

O que essa realidade dos números pode nos revelar de mais profundo é que nem sempre o processo de expropriação atua em termos absolutos no campo. Senão vejamos: O aumento dos posseiros revela que uma parte do campesinato expropriado recusa a proletarização e procura abrir na posse da terra o espaço para a continuidade do trabalho camponês, familiar. (Stédile, 1994, p.63)135.

Conclui-se que a Reforma Agrária, como afirma Hobsbawn136, é apenas um slogan que pode ter significados: político ideológico, econômico. Porem é esperar demais que a simples

133O sociólogo José de Souza Martins foi criticado pelos Movimentos Sociais do campo, porque elogiou o governo de FHC, por ter realizado algumas praticas do processo de Reforma Agrária. Ele se defende alegando que a Reforma Agrária é um processo que não pode ser negado historicamente.

134A análise dos dados contidos na tabela 4 mostra-nos que entre 1970 e 1985 ocorreu uma ampliação do número de posseiros, com consequente ampliação percentual no conjunto dos vários tipos de produtores no Brasil, pois eles passaram de 16% para 19% no total, pois um crescimento nestes quinze anos de 30%. Estes dados tornam-se mais importantes se verificarmos que esse rápido crescimento se deu, sobretudo entre 1980 e 1985, quando os posseiros passaram de 898.184 para 1.054.542. (Stédile, 1994, p.63).

135Stédile, João Pedro. A questão agrária hoje. Edita da universidade federal do Rio Grande do Sul, 3ª edição. Porto Alegre, 1994.

distribuição de terra mude a vida dos camponeses tradicionais 137. O MCC defendeu politicamente a Reforma Agrária enquanto a LCP defende a Reforma agrária ideológica. Aos sobreviventes do Massacre de Corumbiara, foi distribuído terra; que devido á vários fatores apontados no diário de Dona Alzira, que será exposto no ultimo capitulo; impossibilitava a permanência desses trabalhadores rurais no campo. Tal situação demonstra necessidade urgente, no Brasil, de se construir um projeto de Reforma Agrária para a Nação. Apesar da urgência, existem impossibilidades reais que impedem a construção desse projeto. Martins aponta dois problemas a serem superados, um ele chama de “tomada de consciência tardia” da Reforma Agrária; fato que tornou a distribuição de terra sempre mediada pela classe média; e o outro é o fato de que ao longo da historia da construção do processo da Reforma Agrária no Brasil, seus sujeitos, sempre foram sujeitos de emergência e transitoriedade.