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A origem da economia maranhense: o açúcar, as companhias de comércio e o

Anexo I Meireles: Exportações do Maranhão no período da Segunda Guerra

2 O DECLÍNIO DO ALGODÃO E A INDUSTRIALIZAÇÃO DA DÉCADA

2.1 Antecedentes históricos da economia maranhense

2.1.4 A origem da economia maranhense: o açúcar, as companhias de comércio e o

No século XVI o açúcar começou a ser produzido em escala comercial para abastecer a Europa. Portugal plantava cana de açúcar nas ilhas de Cabo Verde, Açores e Madeira. A

partir da “descoberta” das novas terras por Cabral, a coroa portuguesa procurou vincular a colonização do Brasil ao mercantilismo e assim, além da exploração do pau-brasil, colonos foram enviados com a missão específica de produzir açúcar. Em 1550 já existiam vários engenhos no litoral brasileiro, principalmente nas capitanias de Pernambuco e São Vicente. Cem anos depois, por volta de 1650, o Brasil já era o maior produtor mundial de açúcar de cana (REGO; MARQUES, 2005) e o Maranhão participava dessa estatística ao ponto de ser a tomada dos engenhos de açúcar de São Luís, Itapecuru e Tapuitapera, o motivo da invasão holandesa de 1641.

Assim surgiu o Maranhão no cenário econômico do império colonial português, através de duas guerras (1612-1615 contra os franceses e 1641-1644 contra os holandeses), em plena efervescência do mercantilismo em todos os oceanos da Terra. O Maranhão estava no meio de uma luta de potenciais mundiais por territórios para o extrativismo e para a produção de mercadorias. Era uma disputa por hegemonia econômica, política e militar. Por tudo isso, para discutir sua formação econômica é necessário conhecer como se deu sua inserção no mercado internacional desde a expulsão dos franceses em 1615, até o boom do algodão no último quartel do século XVIII, que possibilitou alguma acumulação de capital que seria, depois, aplicado na industrialização iniciada no último decênio do século XIX, principalmente em São Luís, Caxias e Codó.

A gênese da economia do Maranhão (produção de açúcar) aconteceu de forma totalmente integrada ao processo de expansão ultramarina dos países europeus, ocorrida entre os séculos XV e XVIII e coincidiu com a etapa de acumulação de capital por parte da burguesia mercantil, que iria redundar no modo de produção capitalista. Na segunda metade do século XVIII, a máquina a vapor aperfeiçoada por James Watt, deu à Inglaterra a dianteira na produção industrial em larga escala, principalmente de têxteis. Esse fato histórico aumentou exponencialmente a demanda mundial por algodão. E o algodão foi a “tarefa” destinada ao Maranhão pela nova divisão internacional do trabalho, embora o açúcar continuasse a ter destaque na pauta de exportações, em todo o vasto período que vai da fundação de São Luís, até o início do período republicano. Mas, por todo o século XVII a situação econômica da capitania permaneceu precária (GAIOSO, 2011), com poucos e rudimentares engenhos de açúcar e uma produção de algodão, de baixa qualidade, para o consumo das fazendas e da população, além do problema da falta de mão de obra para a produção extensiva nas vastidões do seu território.

Somente 115 anos após o fim da União Ibérica, com a entronização do rei D. José I (1570-1577), a situação econômica do Maranhão começou a mudar. Em 1755 Marquês de

Pombal criou a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, e a burguesia agroexportadora maranhense conheceu um período de grande prosperidade, mesmo debaixo do jugo do sistema monopolístico metropolitano. Como conseguiu? À custa de um sistema de exploração ancorado no trabalho escravo4 e na abundância do fator de produção terra, bem como na garantia dos mercados externos dada pela Companhia, em função do lugar da capitania na divisão internacional do trabalho, apesar da deterioração dos termos de troca.

Com a Companhia de Comércio fornecendo os escravos e financiamento, além de cuidar das importações e da garantia de espaço nos mercados externos, a elite local logo se adaptou ao monopólio da mesma e passou a colaborar com esse sistema de acumulação, garantindo para si lucros significativos, que se traduziram na construção de uma impressionante estrutura urbana na cidade de São Luís, marcada pelo casario azulejado de inspiração lusitana. Mas a base para o fornecimento de escravos para a Companhia – fator primordial para seu sucesso – veio de um tratado multilateral que pôs fim à guerra da sucessão espanhola: o tratado de Utrecht (1713-1714). A Inglaterra foi a grande beneficiária desse tratado, diante de uma Espanha arrasada pela guerra intestina. Coube à Inglaterra o abastecimento de escravos para todas as colônias espanholas, além do fornecimento direto de certos produtos, quebrando assim o pacto colonial (STEIN, 1976). Como Portugal, nesse período, já dependia da Inglaterra para proteção do seu reino, a mesma exclusividade foi concedida aos britânicos, que ficaram senhores do lucrativo comércio de seres humanos transmutados em instrumentos compulsórios de trabalho.

Em termos de conjuntura mundial, o surgimento da Companhia Geral coincide com o limiar da primeira revolução industrial, momento que marca o início do domínio do ciclo

britânico de acumulação. O algodão é o principal produto de exportação, em torno do qual

gira toda a economia da capitania. Ainda sobre a conjuntura, depois da criação da Companhia em 1755, o mundo seria sacudido pela revolução americana (1776), evento positivo para as exportações maranhenses, e revolução francesa (1789), que daria o golpe final nas instituições de natureza feudal que ainda resistiam na Europa e criavam obstáculos ao desenvolvimento capitalista. No Brasil, nesse mesmo ano de 1789, ocorreu o mais importante movimento

4 Cabe aqui um recorte de natureza teórica. No período do trabalho escravo, não se pode falar na categoria

mariniana da superexploração, porque o escravo era ele em si um misto de detentor de força de trabalho e bem de capital, cuja depreciação era o próprio definhamento de sua vida. A exploração a que estava submetido era o limite máximo de uma hipotética escala de medição dessa categoria. Dentro do paradigma teórico do marxismo, não se pode comparar a situação de um escravo com a de um trabalhador assalariado, pois, para além do grau de exploração de ambos, aquele não possuía nenhum direito enquanto este vende no mercado sua força de trabalho dentro de um regramento institucional, ou seja, conseguiu o direito de ser explorado dentro da lei, que assegura alguns limites à essa exploração. Mas, apesar dessas diferenças técnicas, a superexploração mariniana e o escravismo da Idade Moderna resultaram ambos em acumulação de capital via extorsão da força de trabalho.

nativista da história do país: a Inconfidência Mineira. Mas sua marca esteve mais no idealismo de seus líderes que na capacidade de organização e articulação, pelo menos regional, de uma luta pró-independência. A tabela abaixo (exibida na íntegra em uma próxima seção na tabela 4) mostra o crescimento das exportações de algodão no período de existência da Companhia, e sua continuidade após a dissolução da mesma.

Tabela 1-Exportações de Algodão em pluma (1760-1799)

Ano Nº de sacas(90 kg) Arrobas

1760 130 780 1769 5.094 30.564 1777 6.290 37.740 1782 9.914 59.484 1786 12.015 72.090 1792 14.873 89.238 1795 27.187 163.122 1799 30.287 181.722

Fonte: Elaboração própria com base em dados de Viveiros (1954, v. 1, p. 75).

Entusiasta do progresso, Viveiros conta como era a produção de algodão antes da Companhia, como ficou com a mesma e depois da mesma:

Como se vê no mapa acima, o Maranhão que, no seu primeiro século de vida mal produzia algodão para o consumo interno, limitado aliás à fabricação de grosseiro pano, chamado caseiro e de redes, teve, graças aos esforços da Companhia de Comércio, em 1760, a sua primeira exportação com 130 sacas de 90 quilos, no valor aproximado de 3.120 cruzeiros (cotando-se a arroba a 4,00, segundo cálculo de Temístocles Aranha), e daí por diante, numa escala quase sempre crescente, atingiu no último ano do século cerca de 30.000 sacas, que naquela mesma base de preço5 dariam 720.000,00 cruzeiros, ou seja, 240 vezes o valor da primeira exportação (VIVEIROS, 1954, v. 1, p. 75).

Mas não foi só com o algodão que a Companhia trabalhou. No período de sua atuação, cresceu sobremaneira a produção de arroz e a exportação de peles conheceu grande desempenho, como demonstram as tabelas seguintes. O curioso é que a Companhia não apoiou a produção de açúcar (VIVEIROS, 1954), mercadoria tão apreciada na Europa.

Talvez algum acordo comercial com companhias de comércio de outras potências coloniais? Não se sabe, mas é certo que empresa capitalista não dispensa lucro e a produção de açúcar – em sistema de produção organizado com as normas da Companhia do Grão-Pará e

5Viveiros escreveu em 1954 quando a moeda era o Cruzeiro. Ele converteu os réis do século XVIII para cruzeiros de sua época, para fazer a comparação.

Maranhão –, era lucro certo, mesmo com o custo do monopólio, uma vez que a produção seria necessariamente em escala, por conta do modelo (plantation) adotado pelas empresas mercantis em suas colônias de exploração.

Tabela 2 – Exportação de arroz branco, tipo Carolina (1766-1777)

Ano Arrobas Navios de exportação

1766 2.847

1772 64.959 13

1773 100.000 15

1774 102.944

1777 360.000

Fonte: Elaboração própria com base em dados de Viveiros (1954, v. 1, p. 76).

Tabela 3 – Exportações de peles (1760-1771) Ano Quantidade de peles

1760 21.810 1763 21.765 1765 45.235 1767 31.625 1769 16.512 1771 11.460

Fonte: Elaboração própria com base em dados de Viveiros (1954, p. v. 1, 76).

Sobre a oscilação das exportações de peles, Viveiros (1954, v. 1, p. 77) explica o caso “pelos repetidos alvarás e cartas régias, ora delimitando, ora suspendendo mesmo a exportação do couro [...]”. Em seguida ele discorre sobre a mudança da pauta de exportações em relação ao século anterior, que ainda era muito centrado nas atividades de extrativismo. Mas o interessante de sua informação é o impacto que o crescimento econômico proporcionado pelas atividades da Companhia causou no povoamento.

Além destes produtos a Companhia exportava outros em menor escala, como gengibre (21.000 arrobas em 11 anos), cacau, goma, etc. O que não figurava no seu negócio eram os artigos comerciáveis do século XVII: cravo, anil, resinas. É que o ciclo da indústria extrativa tinha terminado e começara o do algodão e do arroz [...]. Consequência lógica da criação da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão [...] foi, sem dúvida, o povoamento do imenso território daquele Estado. [...] já mostramos como esse povoamento caminhou morosamente, durante a primeira centúria da capitania do Maranhão, não obstante a propaganda largamente feita no Reino por Simão Estácio da Silveira, em 1624 (VIVEIROS, 1954, v. 1, p. 75, grifo nosso).

A questão do povoamento, que tem tudo a ver com a formação futura de um exército industrial de reserva, está intimamente ligada aos limites do território e nível de atividade econômica. Em todo período colonial não havia rigor nos marcos de fronteiras. Fazendo um breve recorte sobre essa questão, o Maranhão surgiu como unidade geográfica e política em 1534, quando a coroa portuguesa (D. João III) dividiu o território brasileiro em capitanias hereditárias. Entre 1580 e 1640 Portugal esteve sob o domínio espanhol, na chamada União Ibérica, que fez várias reformas administrativas nas colônias portuguesas. A mais importante foi feita em 1621, quando Felipe III dividiu o Brasil em dois: Estado do Maranhão, com capital em São Luís e Estado do Brasil com capital em Salvador. Em 1755, no governo de D. José I, sendo primeiro ministro o Marquês de Pombal, o Estado do Maranhão foi incorporado ao Estado do Brasil. Em seguida ocorreram pelo menos mais seis divisões. Somente em 1920 o Maranhão alcançou a atual conformação territorial (FERREIRA, 2008). Estudos mostram que essas modificações territoriais foram todas influenciadas por fatores econômicos.

A ocupação do território maranhense esteve atrelada à exploração econômica referente à produção de cana-de-açúcar, do algodão e do babaçu, desde o período colonial até os primeiros anos da República. Essa, contudo, sofreu várias transformações derivadas das necessidades da França (fundou a capital), de Portugal (retomou dos invasores duas vezes e efetivou estratégias de ocupação), Holanda (invadiu e dominou uma vez por vinte e sete meses) e Inglaterra (interferiu em acordos econômicos), que viabilizaram o domínio e posse (assentamentos, entradas, engenhos), áreas de produção, escravização indígena e negra africana, exploração de recursos, e ações de políticas territoriais (fortes, missões, vias de acesso), culminando na ampliação do povoamento (FERREIRA, 2008, p. 20).

As investigações de Ferreira (2008) dão conta da estrita ligação entre atividade econômica, forma do Estado, grau de dependência, de um lado e densidade e distribuição populacional, de outro. Embora esse tema não seja objeto desta pesquisa, estas breves observações são importantes, pois, após a abolição, o Maranhão já tinha um contingente populacional considerável (PAXECO, 1923), formada não apenas por ex-escravos, mas por uma forte miscigenação que tinha em comum a pobreza e o analfabetismo. Uma massa tecnicamente despreparada, mas disponível para trabalhos braçais de baixo conteúdo técnico. Foi essa massa, no papel de exército de reserva, que deu suporte à superexploração iniciada no final do século XIX.

Há um documento oficial que mostra outra faceta dessa realidade. Trata-se da carta régia enviada ao governador do período da mudança do Estado do Maranhão e Grão-Pará para Estado Grão-Pará e Maranhão, que passou a ter como capital, Belém. Era ele Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal, que o havia indicado. A carta, assinado pelo próprio D. José I, datava de 31 de maio de 1751. Nos trechos transcritos abaixo

fica claro que o rei determinava (como era o interesse do capital inglês) o papel do Maranhão na divisão internacional do trabalho. Nas recomendações ao novo governador, destacam-se, preliminarmente, a proibição da escravização do íncola e oficialização da escravização do negro africano. Em meio a outras determinaçᵇes surge a seguinte: “j) que o Governo incentivasse o comércio, a lavoura e as indústrias extrativas [...]” (VIVEIROS, 1954, v. 1, p. 78). Ora, o contexto internacional marcava o início da revolução industrial, mas o rei de Portugal ordenava ao governante que seus colonos deveriam se ocupar da agricultura e extrativismo, na esfera da produção, e do comércio, na esfera da circulação. Isso significava, tecnicamente, que não deveriam se ocupar na manufatura. Estava indicado um futuro que se cumpriu: o Maranhão permaneceu pelos séculos seguintes como exportador de produtos primários!