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Anexo I Meireles: Exportações do Maranhão no período da Segunda Guerra

2 O DECLÍNIO DO ALGODÃO E A INDUSTRIALIZAÇÃO DA DÉCADA

2.1 Antecedentes históricos da economia maranhense

2.1.8 O viés esquecido da luta de classes

Veio a República, depois o século XX, e a atividade econômica só retrocedeu. Esse é o roteiro da história econômica tradicional. Nas análises econômicas sobre o Maranhão do século XIX, pouco é falado sobre a Balaiada (1838-1841), e esse pouco traz sempre a visão profundamente preconceituosa dos vencedores. Dunshee de Abranches, em O Cativeiro (2012 [1. ed. 1941]), falando do plano do filólogo Sotero dos Reis para colocar na presidência da província o general Andréas “que já dera mostras do seu valor, tratando ‘no Pará como cães hidrófobos essa negralhada metida a patriota’” (ABRANCHES, 2012, p. 92), mostra como era a visão das elites sobre qualquer movimento de negros e pobres contra exploração e a opressão. Documentos importantes sobre esse movimento, como Memória Histórica

Documentada da Revolução da Província do Maranhão de Domingos José Gonçalves de Magalhães (2001 [1. ed. 1848]), secretário do coronel Luís Alves de Lima e Silva e A

Balaiada 1839 de Rodrigo Otávio (2001 [1. ed. 1901]), que colheu o depoimento do tenente coronel Ricardo Leão Sabino que combateu os balaios, são exemplos marcantes de uma história contada de acordo com os interesses dos setores dominantes da sociedade, para os quais, “preto” e pobre existiam para trabalhar até morrer e não para protestarem contra qualquer coisa.

Essas obras desqualificam a todo instante o movimento e seus integrantes. Mas uma movimentação em armas que reuniu trabalhadores livres de várias partes do estado e mais de três mil escravos não pode ter sido apenas uma anarquia da ralé, como diziam os fazendeiros da época. Aquilo era luta de classes! Abranches (2012) lamentava que aquela luta tivesse sido farta em combatentes, mas carente de líderes. E nós acrescentamos: e de programa, organização e centralização de comando. O certo é que, apesar de não ter alterado a estrutura agrária, social e política da província, aquele movimento mostrou às elites que a opressão desmedida poderia provocar revoltas capazes de desarticular a ordem vigente e causar danos profundos ao sistema produtivo.

Em termos da economia, a Balaiada, pelo menos durante dois anos (1839-1840), abalou profundamente a produção das fazendas dos vales do Mearim, Itapecuru e médio Parnaíba, mas muitos comentadores tratam-na lateralmente. Viveiros (1954, v. 1) não lhe dedica capítulo específico, fazendo referências lacônicas como a da p. 213 (da obra citada): “O biênio de 1838-1840 é absorvido pela Balaiada”.

É digno de nota, porém, o caráter contraditório da maioria das publicações sobre a balaiada, que geralmente a apresentam como agitação de menor importância, pelo nível socioeconômico de seus militantes. A base filosófica de todas é o positivismo, para quem a “ordem” que divide o mundo entre pobres e ricos, vem de Deus. Mesmo com duras críticas aos balaios, as publicações dessa linha mostram que o povo mais humilde da província não aceitou impassível o peso da acumulação de capital que acontecia às suas custas. Nesse sentido, os citados trabalhos de Domingos José Gonçalves de Magalhães e Rodrigo Otávio, embora retratem a Balaiada pela ótica quase eugênica dos vencedores, servem como registro histórico de que uma luta popular importante aconteceu. Um tipo de luta que ganha outras cores no veemente combate a essa visão representada pelo corajoso texto de Dunshee de Abranches (2012), onde ele faz, na verdade, um libelo histórico-antropológico de denúncia da escravização de negros no Maranhão.

Do mesmo modo, a resistência do Quilombo dos Palmares, no século XVII, quase não é citada quando se trata da economia açucareira da capitania de Pernambuco. Zumbi foi morto em 1695, mas já em 1678 Ganga Zumba, seu predecessor, negociava acordos de paz com

autoridades pernambucanas (CARNEIRO, 1966; FREITAS, 1973). Estes recortes são chamamentos ao aprofundamento das pesquisas nessas direções tão pouco estudadas do ponto de vista econômico. E para isso, é preciso ir além do mainstream.

 BOX 2 - O mapa da contextualização geral

O Mapa 15(A), que fecha os Anexos desta pesquisa (impresso em papel A3 pela quantidade de informações nele contidas), faz uma contextualização geral, envolvendo os ciclos de Kondratieff; os eventos políticos mundiais com repercussão econômica; os ciclos sistêmicos de acumulação e acontecimentos importantes da história do Brasil e do Maranhão. Ele permite situar o Maranhão na história mundial (o seu lugar na divisão internacional do trabalho e suas correlações cronológicas), deixando mais fácil a leitura das estatísticas econômicas de cada período da história local – especialmente a balança comercial – com todos esses acontecimentos mundiais. A constatação final é que o sentido da colonização detectado lá nos anos 1940 por Caio Prado Júnior (concentração de capital e centro dinâmico externo), continuou a persistir no Maranhão até onde esta pesquisa alcança (primeira década do século XXI). Uma economia que continuou baseada na monocultura extensiva (e depois, intensiva) e em enclaves, ambos exportadores de commodities agrícolas e minerais, além de semielaborados, sem sinergia com a produção estritamente local e sem contribuições significativas para o desenvolvimento do Estado, que não fica, sequer, com o imposto, que não incide sobre as exportações.

Daqui levaram o baixo custo da mão de obra e os benefícios fiscais, além do uso do território como plataforma de exportações, não cuidando, até a primeira década do século XXI, de nenhum tipo de verticalização. Veja-se o exemplo do alumínio. Qualquer semelhança com o tempo do monopólio comercial metropolitano e do pacto colonial, não é mera coincidência. O mapa 15(A) permite uma visão gráfica desse triste lugar que o Maranhão ocupa no mundo. Mas, mudanças políticas efetivas, na medida em que venham a extirpar as bases do estado oligárquico, poderão abrir uma etapa verdadeiramente nova na história do desenvolvimento do Maranhão, ainda nos marcos do capitalismo.