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Regressão da economia maranhense no começo do século XX e as origens da

Anexo I Meireles: Exportações do Maranhão no período da Segunda Guerra

5 A SUPEREXPLORAÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO E A

5.2 A crise econômica no Maranhão na transição entre os séculos XIX e XX:

5.2.1 Regressão da economia maranhense no começo do século XX e as origens da

Passados três décadas do início da loucura industrial, o Maranhão se afastava cada vez mais do apogeu econômico alcançado entre o último quartel do século XVIII e meados do século XIX. Com a produção de algodão desarticulada pela abolição da escravatura e com a crise no sistema fabril iniciada ainda na década de 1890, a única novidade no começo do século XX foi a demanda, então inusitada, pelas amêndoas de babaçu, principalmente a partir de 1916.

Esses temas foram registrados com enfoques diversos. Henrique Costa Fernandes em

Administrações Maranhenses (2003 [1ª ed. 1929]), narrou mais os feitos dos governantes e a situação das finanças públicas, enquanto Eurico Teles de Macedo em O Maranhão e suas

Riquezas (2001 [1ª ed. 1947]) se preocupou mais com a falta de produtividade (que ele chamava de eficiência) da economia local e denunciou a grilagem sem meias palavras. Para uma melhor apreensão da realidade das primeiras décadas do século XX é importante rever esses autores. Fernandes (2003) transcreve um minucioso relatório sobre o governo de Godofredo Viana (1923-1926), assinado pelo Sr. Benedito de Barros e Vasconcelos. Tratando da receita do Estado, esse relatório informa:

Essa própria receita, obtida dificultosamente, apenas se aplicava na manutenção dos funcionários e dos serviços indispensáveis de todo à existência política do Estado. E é de ver-se que até esse necessário indispensável já se não podia acudir a tempo e suficientemente. A anemia econômica e financeira deslocara a velha e tradicional terra maranhense de entre as mais ricas e auspiciosas do País para as menos prósperas e ativas de todas. [...]

Ao menor embaraço, aos primeiros sintomas de uma crise em perspectiva, alguns administradores entregam-se ao desânimo, e o primeiro passo é fazerem tornar o Estado à mera atividade burocrática, arrecadando mal o que é possível e pagando dificultosamente até mesmo o indispensável, enquanto a Providência Divina traga um socorro na desgraça alheia ou um fato de inesperada consequência, como o surto

imponente do babaçu, em 1916 (FERNANDES, 2003, p. 114-115, grifo nosso).

A título de ilustração que demonstra a continuidade desse marasmo administrativo (dialeticamente reflexo e causa do marasmo econômico) no decorrer do século XX, segue um trecho do Relatório apresentado pelo governo Eugênio Barros, tratando do déficit orçamentário e do baixo nível de investimento no período de 1953 a 1956:

O que se via no Orçamento era que, no total da despesa prevista, 68% se destinavam ao pagamento de pessoal, 26% para o material de expediente e tão-somente 6% para as obras [...], isto mostra que, em matéria de administração pública, continuamos ainda em pleno ciclo colonial. Cobramos impostos para pagar o funcionalismo e

mantemos o funcionalismo para cobrar os impostos (MEIRELES, 1992, p.111,

Eurico Teles de Macedo, engenheiro que veio ao Maranhão participar da construção da estrada de ferro São Luís-Caxias, toca mais no pano de fundo social das questões econômicas, partindo de problemas técnicos da produção. Sua análise da agricultura do Maranhão nas três primeiras décadas do século XX é indispensável. Muito tempo antes da teoria marxista da dependência ele já via na “parcimônia dos salários”, a saída encontrada pelas elites agrárias locais para compensar sua incompetência produtiva.

Mesmo a lavoura de cana que, em tempos idos, fora das mais prósperas, à exceção da do Engenho d’Água de Cristino da Cruz e da do Engenho Central, toda ela acompanhava os métodos da derrubada de matas para plantar canaviais, sem seleção de dementes, as canas sendo de baixo teor sacarino, excessivamente duras para as moendas de velhíssimos engenhos, cujas caldeiras vazavam a todo instante, interrompendo a safra, sem que seus proprietários se apercebessem do suicídio que se aproximava para sua indústria. Contudo, ainda assim prosperavam muito

lentamente, porem à custa, Deus sabe, de que parcimônia de salários [...]. E

alguns deles fracassaram completamente [...], e outros, continuaram a lavoura de cana nos mesmos métodos [...].

O arado poderia resolver, como em Pernambuco e na Bahia, o problema da cana, porém essa simplicíssima ferramenta, que exigiria apenas uma junta de bois, existente nos engenhos, fiava paralisada porque os canaviais estavam com os primitivos tocos das derrubadas e nem se pensava em destoca-los para aproveitamento como lenha nas fornalhas [...].

Esse o quadro da lavoura de cana de açúcar no Maranhão até o ano de 1930 e, ao que estou informado, em nada tem sido alterado substancialmente até hoje [1947], pois os próprios filhos dos proprietários dos engenhos, quando formados, procuram profissão completamente diversa da dos pais e se fixam nas cidades, deixando os engenhos em mãos de administradores que terão de fazer milagres para satisfazê-los nas suas ambições de dinheiro (MACEDO, 2001, pp. 221-222, grifo nosso).

Não se pode deixar de observar, nesse testemunho de época, feito por um técnico gabaritado, o papel negativo das elites locais na construção do atraso. Mas a denúncia que vem a seguir é mais contundente e explicativa. Ela faz a ligação do atraso técnico da produção com uma nova expropriação do homem do campo, o que não poderia acontecer sem a conivência do Estado. Macedo primeiro faz um cálculo da renda per capta do Maranhão para mostrar que naquela situação, era impossível qualquer passo adiante. Exalta a perspectiva social da produção em contraste com a individualista e faz a grave denúncia de uma realidade que perdurou por toda a segunda metade do século XX: a grilagem. Defende uma estrutura agrária baseada na pequena propriedade, o que demandava uma reforma agrária. Em trechos aqui não citados acusa o descaso do governo, trata da “eficiência” e oferece alternativas ainda hoje válidas para o desenvolvimento do Maranhão.

O Maranhão possui mais de três centenas de milhares de quilômetros quadrados de terras, que, ao fim de um ano, produzem mais de 300 milhões de cruzeiros [o cruzeiro entrou em vigor em 1942. O livro de Macedo é de 1947. Ele se refere a esse período], os quais, distribuídos pela população de 1 milhão e 200 mil habitantes, dão a baixa cifra de 214 cruzeiros anualmente para cada maranhense! A renda anual por hectare é de dez cruzeiros!

Com tais índices, a sociedade vegeta, apenas. Os seres humanos mais não conseguem que manter a vida, nada construindo para as gerações vindouras; o patrimônio permanece o mesmo, senão até sofrendo sucessivas depreciações em cada ano; enfim, as localidades, os sítios se convertendo em taperas, em desolados sinais de uma vida forasteira, rápida e quase selvagem dos antigos habitantes. Eis a razão porque a exploração da terra exige cooperação, vida social bem estimulada, amparo do governo, sem olhar despesas nem sacrifícios, legislação forte, positiva, asseguradora dos direitos da pequena propriedade para aqueles que diretamente fazem a terra produzir e não para aqueles que vivem de explorar o trabalho alheio, muitas vezes armados de escrituras e títulos de propriedade fraudulentamente forjados, verdadeiros grileiros, que espertamente se apoderam de vastíssimos tratos de terras (MACEDO, 2001, p. 246, colchetes nossos).

O Maranhão das primeiras décadas do século XX pode ser assim retratado: produção agrícola e exportações em queda; empobrecimento geral da população; resistência do núcleo industrial têxtil, mas sem investimento em inovação e somente uma esperança, vinda na esteira da primeira Guerra: a amêndoa de babaçu.

Viveiros (1992) expõe o reflexo dessa guerra no preço dos produtos de exportação do estado. Ele informa o crescimento do preço da tonelada de algodão, que teve um pequeno alento nesse período, mas o destaque é a entrada em cena de um produto que, até então, não tinha importância econômica, e havia sido cotado pela primeira vez, apenas em 1891 (140 réis o kg). Viveiros (1992, v. 3, p. 218) explica porque o babaçu passou a ter destaque na pauta de exportações do Maranhão:

[...] e o babaçu, porque era gordura, cuja carência entre as nações em guerra era tal, que levava a Alemanha a construir usinas para extraí-la de cadáveres.

Assombram os números que expressão a exportação da amêndoa de babaçu: 588 quilos em 1912, 16.972 em 913, 19.462 em 914, 836.408 em 1915, 4.010.100 em 1918, 5.603.200 em 919. E não desce mais da casa dos milhões, mesmo depois da guerra.

Como se verifica, o babaçu entrou em nossa economia de maneira soberana. Vinha de um longo passado de utilidades humildes, em que a sua palmeira só entrava na construção dos casebres. Depois, durante o império, iluminou com óleo as fazendas rurais, onde era juntado no mato pelas crianças escravas, quebrado e reduzido a azeite pelos escravos adultos nos serões do cativeiro. Valor mercantil ele não tinha, talvez pela abundância com que se apresentava.

Após a Guerra, o algodão desceu ao ocaso e o babaçu se firmou como novo centro da economia local, ao lado do arroz de produção extensiva. No mais, o interior voltou à economia de subsistência.

5.3 A metodologia da cesta básica de alimentos (CBA) e do salário mínimo necessário