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A origem do risco e conceitos chave para sua operacionalização

Esquema 11- Minimização lógica

5.1.1 A origem do risco e conceitos chave para sua operacionalização

No que se refere à etimologia da palavra risco se destaca que sua emergência teve origem no catalão no século XIV, nas línguas latinas no século XVI e nas anglo-saxônicas no século XVII (SPINK, 2001). Apesar desta origem relativamente recente, se ressalta que humanidade desde sua origem vem enfrentando perigos dos mais diversos, desde riscos decorrentes de catástrofes naturais até aqueles associados a guerras.

Logo, o surgimento da humanidade é um evento tão antigo quanto a origem dos riscos. Esses eventos, entretanto, não eram denominados de riscos, sendo denominados perigos, fatalidades, hazards ou dificuldades, mesmo porque a palavra risco não estava disponível nos léxicos das línguas indo-europeias (SPINK, 2001).

Neste sentido, o conceito de risco, bem como a consciência deste, não se constitui invenções exclusivas da atualidade (BECK, 2010). A diferença no seu contexto atual, segundo Beck (2010), é que antes do processo de revolução industrial os riscos não tinham para humanidade a dimensão de ameaça global ora observada, ou seja, eles sobrepujam as fronteiras nacionais, configurando-se como riscos globais.

A essa capacidade de romper fronteiras, isto é, de não se deixar limitar espacial, temporal ou socialmente, Beck denominou de “momento cosmopolita”. Assim, apesar de a industrialização do mundo o ter colocado em uma nova condição, é possível afirmar junto com Castro, Peixoto e Pires do Rio (2005) que a gênese dos riscos, assim como o aumento da capacidade de gerar danos e de sua escala de abrangência, acompanha a história da sociedade. Para Silva Junior. (2010), o termo dano faz alusão à intensidade das perdas humanas, materiais ou ambientais ocorridas a pessoas, comunidades, instituições, instalações e a ecossistemas como consequência de um desastre ou acidente.

Nesta perspectiva, a análise sobre risco se constitui fruto da demanda de uma sociedade que perdeu a confiança, ou fé, no progresso e na sua evolução necessária (COUTINHO, 2000). Baseado nisto, o tema risco passou a ocupar lugar de destaque durante o século XX, sendo que os primeiros estudos de forma sistematizada remontam à década de 1920, nos Estados Unidos, se constituindo uma tradição entre os geógrafos.

Os estudos nessa área do conhecimento surgiram, portanto, muito antes dos apelos mundiais acerca da degradação ambiental planetária ou mesmo antes dos apelos mais recentes ao resgate da qualidade de vida urbana (MANDAROLA JUNIOR; HOGAN, 2004). Porém, não se pode negar que a preocupação ambiental com as consequências do modelo de desenvolvimento adotado pelo capitalismo global, acabou servindo de indicador da necessidade de se acelerar, reanimar, ou criar, mecanismos de interpretação da realidade atual, pois ainda é obscuro o futuro da sociedade nos moldes em que ela vem sendo traçada.

As críticas a esse modelo de desenvolvimento nas duas últimas décadas do século XX tiveram vários desmembramentos. Um deles foi a criação no nível internacional do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, em 1988, o qual vem fortalecendo e contribuindo com as questões que tratam sobre a temática de risco.

Desde então, esse painel tem sido responsável pelo levantamento de informações sobre a ocorrência de fenômenos ligados a mudanças climáticas e pela elaboração de um conjunto de relatórios que tiveram influência na adoção da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas e do Protocolo de Quioto (COELHO et al., 2004).

Este trabalho, a exemplo de Fussel (2007), partirá da premissa que essas mudanças climáticas também são influenciadas pela ação humana e estão associadas com substanciais riscos para sociedade e natureza. Tais mudanças vêm se manifestando de diversas formas, destacando-se o aquecimento global e a maior frequência e intensidade de fenômenos climáticos extremos (SANTOS, 2008).

Será considerado evento extremo a ocorrência de um valor de tempo ou clima acima (ou abaixo) do valor limiar superior (ou inferior) em relação às faixas de valores observados. Dito de outra forma, todos os fenômenos que rompem um ciclo ou um ritmo de ocorrência dos fenômenos naturais, seja este geológico, atmosférico ou na interface destes são considerados eventos extremos (MANDAROLA JUNIOR; HOGAN, 2004).

Já as mudanças climáticas9se constituem uma alteração no estado do clima que possa ser identificada por mudanças na média e/ou na variabilidade das suas propriedades e que persiste por um período prolongado, tipicamente décadas ou

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A definição destas categorias vai ao encontro do sumário para formuladores de política, disponível no IPCC (2012).

mais. Dessa forma, se considera que as questões referentes a estas mudanças estão diretamente ligadas as alterações observadas no sistema climático mundial, as quais têm influenciado, entre outras questões, no aumento da emissão de gases de efeito estufa para a atmosfera.

A partir disso, a discussão sobre sociedade de risco se constitui uma área do conhecimento que está em plena expansão e que tem por objetivo discutir de forma crítica o conhecimento acerca dos fenômenos relacionados às mudanças climáticas ocorridas nos últimos anos no mundo e suas consequências para a sociedade.

Ao considerar os eminentes riscos produzidos por uma sociedade cada vez mais diversa e desigual é pertinente citar Mandarola Junior e Hogan (2004) por chamarem atenção para a polissemia no uso do termo risco, o qual segundo os autores pode ser entendido de diversas maneiras.

Como consequência, o estudo deste termo acaba sendo realizado a partir de distintos pressupostos ontológicos, o que permite a adoção de diferentes posturas metodológicas e aplicações (MANDAROLA JUNIOR; HOGAN, 2004). Aqui o termo risco será empregado como uma medida da probabilidade e severidade de um efeito adverso para a saúde, a propriedade ou o ambiente (CASTRO; PEIXOTO; PIRES DO RIO, 2005).

Conforme sua origem, os riscos, de forma geral, são classificados em três categorias, que podem ou não estar inter-relacionadas (CASTRO; PEIXOTO; PIRES DO RIO, 2005): 1a) o risco tecnológico relaciona-se aos processos produtivos e da atividade agrícola, científica e industrial; 2a) o risco natural é ligado aos processos e eventos de origem natural ou induzido por atividades humanas (conotação ambiental ou socioambiental); e 3a) o risco social é fruto das atividades humanas, incluídos aí os econômicos, militares e os relacionados à saúde.

A noção de risco, enquanto categoria de análise, neste trabalho está relacionada às ideias de vulnerabilidade, incerteza, ameaça, exposição ao perigo, desastre e consequentemente a possíveis perdas e à capacidade de adaptação da população atingida por eventos extremos.

Nesse contexto, o termo vulnerabilidade deve ser entendido de acordo com Cutter (1996) como uma categoria de análise amplamente definida por seu potencial de perdas, sendo complementado por IPCC (2012) que advoga que a vulnerabilidade consiste na propensão ou na predisposição a ser adversamente afetado.

A complementação do IPCC (2012) se justifica na perspectiva de evitar avaliações que considerem as dimensões biofísicas e sociais de vulnerabilidade independentes, como fez Cutter (1996), já que existem inter-relações complexas estabelecidas entre as ações antrópicas e o meio. A partir disto, Fussel (2007) afirma que um passo inicial a ser dado para uma descrição clara da situação de vulnerabilidade é evitar mal-entendidos em torno do termo vulnerabilidade.

Para iluminar a questão, este trabalho optou por considerar o termo como chave para o alcance de uma análise integrada e contextualizada dos riscos, pois, segundo Porto (2012), ao adotar esta forma de tratamento o termo ajudará a desvelar a dimensão social na análise e o enfrentamento dos riscos ambientais e ocupacionais em países de economia tardia como o Brasil.

Logo, esse termo, enquanto conceito integrador, deve ser capaz de contribuir no entendimento das complexidades de cada sistema analisado e nas distintas abordagens de diversas ciências. Também deve ser capaz de facilitar o processo de comunicação. Nas palavras de Porto (2012):

No caso da vulnerabilidade, isso significa discutir as qualidades básicas que estabeleçam relações de semelhanças entre as distintas abordagens desenvolvidas pelas ciências fisicalistas, biológicas, sociais e humanas, e o senso comum advindo das vivências, culturas e conhecimentos locais (PORTO, 2012, p.162).

Em síntese, ao seguir essa linha de reflexão é importante considerar ao estudar os processos de vulnerabilização oriundos de eventos extremos a trajetória histórica e as relações de poder estabelecidas nos locais onde tais estudos estão sendo desenvolvidos. Para que tais considerações fossem entendidas à luz de uma teoria sólida que desse conta de iluminar tais questões, optou-se pela adoção da abordagem neoinstitucionalista para complementar a teoria de sociedade de risco ora utilizada.

O entendimento da trajetória histórica e das relações de poder estabelecidas em certos espaços acabam dando visibilidade a fatores antes não percebidos ou escamoteados pelos detentores de poder e pela mídia hegemônica no que se refere à implementação de uma governança de risco condizente com a realidade das regiões.

Com base nesse debate, o termo governança de risco deve ser entendido como um conjunto de elementos, medidas e ferramentas dirigidas a intervir nas

condições de vulnerabilidade, ou atuar sobre ameaças (onde seja possível) ou em ambas, para diminuir ou mitigar os riscos existentes (SARMIENTO, 2008).

A importância de se trabalhar o conceito de vulnerabilidade é ratificada em Porto (2012) ao destacar que uma das vantagens do uso deste conceito seria a possibilidade de se desenvolver abordagens integradas dentro de uma perspectiva transdisciplinar, aprofundando o diálogo entre especialistas de distintos campos de conhecimento e os paradigmas que atuam na compreensão dos problemas ambientais, particularmente, aqueles de natureza mais complexa.

Sendo esse um conceito que funcionaria como um elo entre as dinâmicas globais da sociedade e os espaços mais localizados em que os riscos se realizam ao atingirem territórios e populações particulares (PORTO, 2012). Todavia, é necessário retomar Silva Junior (2010), quando adverte sobre o caráter complexo que este conceito possui, dado os diferentes fatores que ele congrega, tais como os fatores sociais, físicos, econômicos, educacionais, ideológicos, culturais e políticos.

A leitura em Ford, Ford e Paterson (2011) aponta para uma limitada compreensão dos cenários de vulnerabilidades existentes, o que tem impedido o desenvolvimento de intervenções de caráter adaptativo que deem conta dos distintos cenários socioeconômicos e climáticos existentes, pois os grupos sociais possuem níveis distintos de vulnerabilidade.

Esses diferentes graus de vulnerabilidade são influenciados pelo contexto em que cada situação é analisada. Desta maneira, as consequências advindas da ocorrência de desastres, em maior ou menor grau de intensidade, correspondem ao grau de vulnerabilidade que o local apresenta (ARAÚJO, 2013).

Para Brasil (2012), desastre seria o resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pela intervenção humana, sobre um cenário vulnerável, causando grave perturbação ao funcionamento de uma comunidade ou sociedade, resultando em extensivas perdas e danos humanos, materiais, econômicos ou ambientais, que excede a sua capacidade de lidar com o problema usando meios próprios.

Em suma, a categoria desastre, segundo Neri e Aldunce (2008), pode ser entendida como uma espécie de materialização do risco enquanto ameaça seria a probabilidade de um evento se apresentar com certa intensidade em um lugar específico e dentro de um período definido (CARDONA, 2001).

Em relação à localização dos riscos, destaca-se Esteves (2011) ao enfatizar a necessidade de estudos para as áreas urbanas, devido ali possuir maior densidade

populacional do que nas rurais. O fato é que se deve ter cuidado para que esta visão não seja tratada de forma generalizada, pois se assim for as ocupações rurais localizadas no entorno ou no interior de florestas continuarão relegadas a segundo plano para estudos na área de governança de risco.

Logo, a crítica que se faz a Esteves (2011) é a tendência que o autor tem em generalizar a importância de uma governança de riscos para as áreas urbanas, pois apesar de algumas regiões brasileiras, tradicionalmente rurais, estarem atravessando uma alta migraçao no sentido campo-cidade e que algumas delas estão passando por um processo rápido de urbanização, resultado da necessidade de expansão do capitalismo no mundo.

Nestes espaços, ainda, residem um contigente populacional que carece de uma intervenção estatal capaz de propor ações no sentido de diminuir o ambiente de incertezas gerado pelo aumento da frequência e da intensidade de eventos extremos.

Sobre isso, Fussel (2007) afirma que mitigação e a adaptação se constituem as duas principais opções para redução dos riscos oriundos das mudanças climáticas. A definição de adaptação utilizada refere-se às mudanças em processos, práticas, e estruturas para moderar potenciais danos ou oportunidades de benefícios associados às mudanças climáticas (SMIT; PILIFOSOVA, 2003).

Enquanto, a mitigação, para Fussel (2007), seria uma forma de intervenção humana, que é vista como benefício certo por diminuir as raízes dos problemas que causam a mudança climática, na qual a escala de efeitos é global, por serem efetivamente certos os seus resultados. A diferença entre essas duas categorias consiste no fato de que a adaptação seria um processo de ajustes do clima atual ou esperado dos sistemas humanos, isto é, por meio de intervenções humanas, se poderiam facilitar ajustes para o clima esperado (IPCC, 2012).

No que se refere a essas respostas sociais Fussel afirma que a mitigação tem recebido mais atenção pela comunidade de mudanças climáticas do que a adaptação. A razão para isto, segundo o autor, é que a mitigação tem capacidade para reduzir impactos em todos os sistemas climáticos sensíveis, enquanto que o potencial de adaptação está limitado por muitos sistemas. Porém, Smit e Pilifosova (2003) afirmam que as previsões ou estimativas de prováveis adaptações se constituem elemento essencial para a avaliação das vulnerabilidades de determinadas regiões a esses eventos.

Nesta perspectiva, é pertinente enfatizar que a abordagem de adaptação aqui adotada consiste naquela, conscientemente, empreendida pela sociedade humana. Oportunamente, se destaca que de acordo com as pesquisas realizadas por Nobre (2010) e Santos (2008), a busca por respostas e mecanismos de adaptação frente às mudanças climáticas deverá ser um dos maiores desafios que a humanidade irá enfrentar nos próximos anos.

Em suma, a compreensão de toda a “cadeia” de risco gerado pelos processos de exploração advindos da industrialização brasileira e a relação disso com a alteração da dinâmica de vida da sociedade e dos ecossistemas naturais no país deve se constituir exercício de primeira necessidade, dada a velocidade com que estas situações vêm ocorrendo na atualidade.