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Esquema 11- Minimização lógica

5.1.3 O status do conhecimento sobre riscos

Ao retomar o processo de geração de conhecimento ocorrido durante a revolução industrial, pode-se afirmar que a ciência neste período esteve a serviço das demandas do mercado, possibilitando assim o desenvolvimento e o uso de distintas tecnologias, em um curto espaço de tempo, de maneira a consolidar as bases do capitalismo no mundo (COSTA, 2000).

O impacto dessas tecnologias aplicadas aos meios de produção trouxe transformações radicais para as relações de trabalho, para a economia, a política, a vida cotidiana, a cultura e, para o conjunto da vida social e se expandiu, de maneira desigual e complexa por todo o mundo (RAMOS, 2013). A afirmação não traz novidades, mas é indispensável para se pensar a modernidade.

Nos países de economia tardia como o Brasil a estratégia desenvolvida para isso foi a difusão de tecnologias por meio de pacotes tecnológicos, os quais se constituem prova dada desta capacidade da ciência em produzir conhecimento técnico-científico em tempo para as demandas tidas como prioritárias pelos governos centrais.

Todavia, ao longo desse período essa capacidade da ciência apresentou limitações de muitas ordens. Touraine (1994), em sua obra intitulada “Crítica da modernidade” destacou que uma das fortes contradições da concepção ocidental de modernidade seria a fragilidade de pensar a modernidade apenas como resultado da razão, desconsiderando a subjetividade de todo o conhecimento.

Dessa maneira, a ideologia modernista buscou um mundo contrário ao da religião e do místico (RAMOS, 2013). A ideia de modernidade substituiu Deus no centro da sociedade pela ciência deixando as crenças religiosas para a vida privada (TOURAINE, 1994). A ciência assumiu assim o papel de portadora da verdade, legitimadora de conceitos e detentora de saberes. Entretanto, durante o século XX a ciência e a razão passaram a ser questionados.

Em consequência, vários problemas gerados e escamoteados pela modernidade foram evidenciados. Um destes problemas diz respeito aos riscos e a vulnerabilidades geradas nos distintos ecossistemas explorados em prol da expansão do capitalismo. Estes problemas incluem efeitos diversos e adversos, que colocam em pauta as consequências incertas deixadas no meio ambiente e que atualmente aparecem como verdadeira ameaça à humanidade.

Touraine (1998), em sua obra “Poderemos viver juntos? iguais e diferentes”, afirma que ocorreu uma passagem entre a etapa do crescimento técnico à consciência de um risco mortal induzido pela aceleração do efeito estufa, pela dispersão na atmosfera de uma quantidade sempre maior de CO2, pelo risco de

inundações de vastas regiões costeiras devido ao derretimento das geleiras – mesmo se mais lento do que o previsto -, e, mais genericamente, pelo aumento da temperatura e o deslocamento das zonas climáticas.

Nesse contexto de discussão se chama atenção para contribuição dada por Ulrick Beck ao impetrar esforços de maneira a “quebrar” o monopólio das ciências naturais sobre o tema risco. Desta maneira, Beck (2010) pontuou com certa maestria as limitações da ciência em responder as questões relacionadas ao risco e as incertezas geradas pela ação racional iniciada na sociedade industrial.

Assim, o autor buscou evidenciar os resultados não desejáveis e imprevistos do projeto de modernidade em curso. De forma complementar, se cita Touraine (1998) ao retomar este caráter de conflito criado. Nas palavras do autor:

O tempo de ordem acabou-se; começa o tempo de mudança como categoria central da experiência pessoal e da organização social. Ulrich Beck exprimiu bem esta idéia ao falar duma “sociedade de risco” comandada pela incerteza e sobretudo pelos riscos com fraca probabilidade mas com possíveis efeitos consideráveis, como uma explosão nuclear, a transformação notável das condições atmosféricas ou a difusão de epidemias sem remédio conhecido (TOURAINE, 1998, p. 21).

Em suma, sobre esse caráter de conflito presente na sociedade industrial merece destaque a existência de conflitos que acabaram dominando e submetendo populações locais vulneráveis às demandas do capital internacional.

No Brasil, por exemplo, essa limitação acabou sendo mascarada pelo discurso da necessidade de modernizar estruturas do agrário brasileiro consideradas em situação de atraso. Este discurso acabou desconsiderando os conhecimentos tradicionais dos grupos sociais que habitavam regiões como a Amazônia em prol das certezas oriundas do “avanço” da ciência e da tecnologia.

Isso porque a industrialização brasileira ocorrida no século XX serviu para legitimar o projeto de modernização pensado pela ditadura militar, o qual resultou em um forte desequilíbrio sobre os recursos naturais: aumento das taxas de desmatamento, contaminação de lençóis freáticos, exposição do solo, entre outros.

Baseado em fatores como os anteriormente apontados se pode afirmar junto com Porto (2012) que o Brasil possui uma complexa matriz de riscos tecnológicos novos e antigos, acoplados a um quadro social e institucional desigual e inadequado que agrava qualquer interpretação sobre o cenário de riscos vistos na atualidade.

Somado a isto, está o fato de que no caso brasileiro, os riscos de origem climática vêm sendo estudados com maior ênfase na linha de perigos naturais, os quais estão sobremaneira envolvidos com o fenômeno das cheias, de origem

atmosférica, mas com fortes componentes geomorfológicos e antrópicos (MANDAROLA JUNIOR; HOGAN, 2004).

Isso acaba contribuindo para que a maioria das análises políticas institucionais seja realizada de forma, extremamente, linear e reducionista, isto é, a abordagem que é empregada desconsidera fatores chaves para melhor interpretar o cenário atual de desenvolvimento de cada região brasileira.

Nessa perspectiva, Mandarola Junior e Hogan (2004) afirmam que há um excesso de estudos que tratam sobre a matemática do risco, deixando em segundo plano um estudo mais cuidadoso e aprofundado das razões que movem as atitudes e as condutas humanas. Assim, o reducionismo próprio dessas abordagens tem garantido que alguns riscos sejam vistos como próprios de algumas classes sociais.

Todavia, com a ampliação dos riscos pela modernização, relativizam-se as diferenças e as fronteiras sociais. Nas palavras de Beck:

Nesse sentido, sociedades de risco simplesmente não são sociedades de classes, suas situações de ameaça não podem ser concebidas como situações de classe, da mesma forma como seus conflitos não podem ser concebidos como conflitos de classe. Isto fica ainda mais claro se tivermos em conta o feitio peculiar, o padrão distributivo específico dos riscos da modernização: eles possuem uma tendência iminente a globalização (BECK, 2010, p. 43).

Sobre isso Touraine (1994) afirma que a complexidade de riscos como contrassensos do processo de modernização ocidental coloca o indivíduo contemporâneo cada vez mais distante do modelo industrial baseado em relações de classes entre os atores sociais. De maneira complementar, Giddens (1991) afirma que a intensidade global de certos tipos de risco transcende todos os diferenciais sociais e econômicos. Para o autor, não se deve ignorar o fato de que, em condições de modernidade, muitos riscos são diferentemente distribuídos entre os privilegiados e os despossuídos.

O risco em relação, por exemplo, às mudanças climáticas precisa ser melhor equacionado, principalmente,quando se trata do nível de vulnerabilidade em que estão submetidos os diferentes grupos sociais envolvidos.

Sobre isso, a leitura em Ford, L. B., Ford, J. D. e Paterson (2011) evidenciou que as nações de alta renda são mais propensas a se adaptarem frente à ocorrência de eventos extremos do que as nações de renda média e baixa. Isso porque para estes autores os mais vulneráveis são menos susceptíveis de se adaptar.

Logo, o desafio da atualidade é uma produção de conhecimento orientada por uma abordagem contemporânea que siga por processos virtuosos que não dissociem desenvolvimento humano do econômico. Nesta perspectiva, se destaca que desde a criação do IPCC a discussão sobre riscos passou a ser vista a partir de uma perspectiva mais holística.

Para que se possa continuar a avançar nessa direção se enfatiza o papel da academia na proposição de estudos que deem conta de apontar rumos capazes de entender todo este universo de complexidade que está posto.

Sobre isso, Porto (2012), Beck (2010) e Castro, Peixoto e Pires do Rio (2005) afirmam que a abordagem teórica desenvolvida pelas academias sobre as alterações climáticas tem-se dado na perspectiva de correlacionar de que maneira a manutenção das “ondas” modernizantes em detrimento de outras questões, vivenciadas na atualidade, principalmente nos países em desenvolvimento, pode se constituir um fator de risco para manutenção de várias formas de vida e ecossistemas no planeta.

Assim, para a promoção de um nível diferenciado de desenvolvimento humano, o foco da produção científica também deve considerar as especificidades sociais e culturais da sociedade atingidas por determinada tecnologia gerada nos centros de pesquisas. Para Porto (2012), o papel das populações atingidas enquanto protagonistas na produção de conhecimento e na mobilização coletiva, as coloca como cidadãos portadores de direitos.

Nessa ambiência, a questão imperativa que se coloca é como pensar riscos locais e mecanismos de mitigação e adaptação em uma sociedade cada vez mais global, onde as decisões acabam sendo fortemente influenciadas pelas elites econômicas e políticas que desconhecem a dinâmica do território pela qual decidem e não as consideram na escala de médio e longo prazo.

A afirmação anterior se envolve de maior robustez quando se olha a partir de uma demanda global para os papéis atribuídos a cada região do mundo. Nessa ambiência, seria salutar, por exemplo, entender o peso que os macros empreendimentos exercem na escala regional e/ou local nessa discussão de riscos, dado ás consequências que eles causam nos distintos ecossistemas.