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A reprodução da desigualdade na Amazônia Legal brasileira

Esquema 11- Minimização lógica

5.4 A desigualdade regional no Brasil

5.4.1 A reprodução da desigualdade na Amazônia Legal brasileira

No caso específico da Amazônia Legal a análise dos distintos papéis atribuídos à região acerca do significado da entrada do capital e os impactos gerados por ele vem sendo sistematicamente analisado pelos cientistas da região, com destaque para os trabalhos dos pesquisadores do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (COSTA, 2000; 1993; 2005; CASTRO, 2009; HURTIENNE, 2001), os quais tem sido de grande rigidez teórica para o entendimento destas questões.

Nesse contexto, Costa (2000) em sua obra intitulada “A formação agropecuária na Amazônia”, demonstrou que nos discursos políticos do governo federal, a economia tradicional da região, de base agrária-exportadora passou a ser vista como um obstáculo a ser vencido, para assim, inserir a região nas ondas modernizantes do capital internacional.

A partir de interpretações como essas, a região experimentou profundas alterações no seu cenário econômico, social e ambiental. Sendo oportuno retomar que para o contexto atual de intervenção do Estado, este trabalho tem como objetivo principal, analisar os arranjos institucionais existentes entre duas políticas públicas nacionais, agrícola e de proteção e defesa civil, implementadas pelo Estado no interior da Amazônia Legal.

Para atender tal objetivo de maneira crítica este subitem foi idealizado na perspectiva de contribuir com o entendimento dos caminhos trilhados pelos distintos governos brasileiros de forma a fortalecer o processo de desigualdade regional,

historicamente, estabelecido no país, dado o contexto em que as políticas atuais continuam sendo planejadas para a região.

Nesse contexto, Bacelar chama atenção para a forma de como o Estado brasileiro contribuiu para o fortalecimento das desigualdades regionais. Nas palavras da autora:

Na verdade, ele foi o grande agente promotor do desenvolvimento econômico, com concentração social e regional de renda, no Brasil do século XX. Quem patrocinou a oligopolização da base produtiva do país foi o Estado. Quem estimulou a orientação da oferta de bens para o exterior e para a demanda das classes de renda alta e média foi o Estado (BACELAR, 2007, p. 2).

Dessa maneira, se conclui que o Estado brasileiro, pela passagem do Brasil agrário-exportador para um Brasil urbano-industrial, agiu como grande condutor das forças produtivas em detrimento a presença de um Estado promotor de bem-estar na vida social do país. Como consequência se teve um Estado “ausente” no campo social, o que resultou no fortalecimento das desigualdades regionais observadas até hoje.

Segundo Montenegro et al. (2012), a emergência da questão regional se apresentou, nos anos 1950, com força diante dos processos de concentração e aprofundamento das desigualdades regionais vividos no país. Ao analisar a trajetória histórica da Amazônia, enquanto fornecedora de terra e matéria-prima, no contexto do crescimento nacional brasileiro vivido a partir deste período, que se reproduziu durante toda a ditadura militar e os primeiros dez anos após sua extinção, uma questão aparece de forma latente: Como poderia esta região frear ou pelo menos diminuir o nível de desigualdade quando comparada com as demais regiões do país, se o papel atribuído a ela foi tão somente de fornecedora de matéria-prima?

Para responder a essa questão é preciso retomar dois fatores: o primeiro, a forte característica industrial criada nas regiões Sul e Sudeste do país, desde o início do processo de industrialização nacional brasileiro, e, por último, ao fato de a Amazônia ter sido a última região a ser incorporada ao processo geral de expansão capitalista no país.

Essa incorporação do governo federal se deu por meio de uma onda de intervenções que se materializaram em várias ações que tinham como pressuposto, pelo menos em tese, a promoção do desenvolvimento dessa região. Para o contexto da pesquisa duas ações foram consideradas relevantes pela autora do trabalho, por

se constituírem os pilares fundamentais que moldaram a presença do governo federal na região durante o século XIX.

A primeira se materializou com a criação, em 1952, da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) que tinha por objetivo, incorporar uma concepção de planejamento e desenvolvimento, que permitisse integrar a região à estrutura produtiva, que já estava sendo desenvolvida em outras partes do país. Porém, após dez anos, este aparato governamental foi extinto, em meio, a fortes críticas, dado ao alcance bastante reduzido de seus objetivos12.

A segunda, como consequência da primeira, foi a criação, no início da década de 1960, da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), substituta da SPVEA, seguida também, pela criação do Banco da Amazônia S.A. (BASA) que sucedeu o Banco de Crédito da Amazônia (BRITO, 1998). Uma das estratégias adotadas pela SUDAM para alcançar o desenvolvimento seria a adoção de mecanismos de incentivo e atração para empresas externas se instalarem na região.

A partir disso, estava criado o ambiente institucional propício para se alcançar o “desenvolvimento” econômico da Amazônia Legal aos moldes do que preconizava o capitalismo internacional. Nessa perspectiva, contrariando as expectativas da população local, a SUDAM concentrou grande parte dos financiamentos aprovados, por meio dos incentivos fiscais, às grandes empresas capitalistas detentoras em capital, em detrimento das classes menos abastardas da população residente na Amazônia (COSTA, 2000).

Assim, decorridos quase sessenta anos da criação dessa superintendência, foi possível constatar o fracasso desse órgão, enquanto promotor do desenvolvimento na região. Este fracasso pode ser mais bem explicado a partir de pelo menos duas constatações: a primeira, a criação da SUDAM significou a materialização da visão da Amazônia como uma região capaz de abastecer os mercados internacionais com matéria-prima de base primária (minério, exploração de madeira, criação de gado, entre outros), para a produção de manufaturas, o que confirma a manutenção do papel desta região como celeiro de matéria-prima para as demais regiões do país e do mundo.

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Para maiores detalhes sobre a trajetória das políticas de desenvolvimento implementadas pelo governo federal na Amazônia Legal, consultar Brito (1998) e Costa (2000).

A segunda, o projeto idealizado pela ditadura para a Amazônia não atribuía ao campesinato regional qualquer papel estratégico (COSTA, 2000). Tal projeto segundo Loureiro e Pinto (2005), baseava-se em oferecer inúmeras vantagens fiscais a grandes empresários e grupos econômicos nacionais e internacionais que quisessem investir novos capitais nos empreendimentos que viessem a se instalar na Amazônia.

Assim, ficou evidenciada a preferência pelo grande capital em detrimento das estruturas camponesas que viviam na Amazônia. Como resultado, essas facilidades legais concebidas para atrair estes agentes externos estimularam o acesso a grandes extensões de terra e à natureza de forma geral (LOUREIRO; PINTO, 2005). Logo, a mudança dessas paisagens foi acelerada por ocasião do modelo de desenvolvimento implementado pelo Estado ditatorial na região.

O resultado de todo esse esforço do Governo Federal deixou como herança para a região, grandes extensões de terra desmatadas para exploração de atividades agrícolas e agropecuárias; com destaque para a pecuária (HURTIENNE, 2001; COSTA, 2000). Esta atividade, por conta do manejo inadequado dado ao rebanho, se apresentou como um dos principais sinais de insustentabilidade nos estados da Amazônia Legal.

Com relação à agricultura, a leitura em Balbino et al. (2011) permite concluir que o Estado, por meio de seus pacotes tecnológicos estimulou a implantação de extensas áreas de monocultivo com lavouras plantadas, o que induziu o cenário de degradação dos solos observado em vários estados da região estudada.

Para um contexto atual, é possível concluir que o Estado brasileiro parece reproduzir com muita comodidade os mesmos princípios de insustentabilidade ambiental e social do período pretérito. A afirmação anterior encontra suas bases na forma como os grandes empreendimentos agroexportadores continuam apropriando- se dos recursos naturais da região.

Como consequência disso, tem-se observado nos últimos tempos, que a exemplo do período anterior, extensas áreas de florestas continuam sendo alteradas na Amazônia. Porém, o que muda nesse cenário de apropriação de recursos é que além da implantação de extensas áreas de pecuária, as mudanças na dinâmica de uso do solo têm sido acompanhadas, sobretudo, pela apropriação dos recursos hídricos para geração de energia e implantação de grandes áreas com lavouras.

O uso dos recursos hídricos tem se dado por meio da implantação de usinas hidrelétricas, maioria prevista de instalação nos estados do Pará e Manaus, conforme anunciado no plano decenal de energia, enquanto que o uso do solo tem se dado para a implantação de grandes áreas com lavouras como a soja e o dendê no estado do Pará.

Sobre essa tendência da modificação do uso do solo, Castro (2009) enfatiza que embora muitos fatores contribuam para o desmatamento, a pecuária é a atividade responsável, por excelência, pela maior parte do desflorestamento, em função das crescentes extensões de terra por ela ocupadas, da padronização do uso do solo e da decorrente concentração fundiária.

Nesse contexto, se ressalta que diversos estudos numéricos com Modelos de Circulação Geral (MCG) foram feitos para avaliar o impacto climático global e regional da substituição total da floresta amazônica por pastagem (COHEN et al., 2007). Os resultados apontaram que a substituição da floresta por pastagem ocasionou redução de chuva em determinadas regiões e aumento em outras, tanto no período chuvoso, como no período menos chuvoso.

No estado do Pará, por exemplo, foi observado redução da chuva de até 25% no período chuvoso, tendo diminuído para até 15% no período menos chuvoso (COHEN et al., 2007). A partir disto se afirma junto com Nobre, Sampaio e Salazar (2007) que as influências do homem, no equilíbrio natural do planeta, atingiram magnitude sem precedentes.

Sendo essa uma questão que foi reafirmada no último relatório do IPCC (2014) no qual os cientistas são enfáticos em afirmar que a mudança climática está ocorrendo e que ela é resultado das ações d espécie humana. Como resultado disto, as consequências destas mudanças já podem ser percebidas em todos os continentes e no oceano, com destaque para os aumentos na frequência e na intensidade de alguns tipos de eventos meteorológicos extremos que têm sido detectados atualmente (IPCC, 2014).

Em suma, a mudança climática, antes entendida como um processo natural, hoje passa a ser discutida no âmbito dos conflitos gerados principalmente pelo modelo de apropriação dos recursos naturais imposto pelos países desenvolvidos e pelos países industrializados. Neste contexto, se vê a necessidade de rever a lógica de apropriação destes recursos, haja vista que a proteção ambiental da Amazônia

Legal é inúmeras vezes maior do que o ganho econômico das atividades degradadoras.

Em relação à expansão da lavoura de soja, Domingues e Berman (2012) advertem que esta cultura tem gerado impactos socioambientais que envolvem desde queimadas nas áreas da floresta amazônica, para expansão da área plantada (que respondem a grandes percentuais de gases de efeito estufa emitidos na atmosfera), a mudanças no uso da terra e concentração latifundiária, entre outros.

Já a cultura do dendê na Amazônia Legal, mas especificamente no Estado do Pará, não têm apresentado resultados muito diferentes dos observados na soja, já que segundo Nahum e Malcher (2013) o plantio de extensas áreas de dendê, sob a lógica do monocultivo, tem sido responsável pela transformação da paisagem rural dos municípios, localizados na região do Nordeste Paraense.

Ao relacionar a fragmentação da floresta amazônica com essas mudanças de uso do solo, Cohen et al. (2007) apontaram para o aumento da susceptibilidade a incêndios na região. “É também cada vez mais evidente que a fragmentação da floresta, devido a mudanças do uso de solo, está fazendo a floresta ficar mais suscetível a incêndios, aumentando a inflamabilidade e a taxa de queimadas” (COHEN et al., 2007, p.36).

Uma situação que também precisa ser considerada nessa fragmentação das florestas é a relação existente com a produção fotossintética desses ecossistemas alterados, isso porque a retirada da floresta impacta diretamente nas taxas de fotossíntese produzidas pelas plantas. No que se refere a essa questão é pertinente considerar que o processo de captura de CO2 pelas plantas através da fotossíntese

e a transformação do CO2 em biomassa tem um papel importante na mitigação dos

impactos causados pelas concentrações crescentes de CO2 na atmosfera (NOBRE,

2012).

Os estudos sobre modelagem climática apontam a Amazônia como região estratégica por desempenhar um papel importante no ciclo de carbono planetário, podendo ser considerada uma área de grande risco do ponto de vista das influências das mudanças climáticas (NOBRE, 2012; NOBRE; SAMPAIO; SALAZAR, 2007).

Ainda, sobre essa conversão de áreas florestadas para exploração agrícola e agropecuária é pertinente destacar que o plano nacional brasileiro sobre mudança do clima informa que estas se constituem as atividades com maior emissão total dos principais gases (CO2, CO e NO), responsáveis pelo efeito estufa (BRASIL, 2008).

Com base em questões como as apontadas, de forma prévia, a interpretação que se tem sobre a possibilidade de diminuir as desigualdades regionais é que para o contexto atual de “transformações” observadas na economia brasileira, a partir da Constituição de 1988, a Amazônia está longe de não ser vista como opção para a expansão da fronteira agrícola.

Nessa expansão, ao que parece, prevaleceu o mesmo papel de fornecedora de terras e matéria-prima para suprir a necessidade de outras regiões do país e por consequência do capital internacional. Logo, a exemplo de anos passados, as forças sociais, personificadas pelo capital internacional, continuam atuando em direção a espaços até então considerados periféricos e marginalizados.

Apesar do discurso do governo brasileiro, hoje em dia, apontar para a diminuição das desigualdades, o que se observa na Amazônia Legal é uma intervenção estatal assentada sobre novas posições e visões, mas que reproduz as velhas regras.

Assim, se retoma duas situações fundamentais para entender a complexidade das questões aqui levantadas: primeiro, o fato do papel desigual atribuído às diferentes regiões brasileiras no modelo de desenvolvimento adotado pelo país desde a década de 1950, e segundo o sistema político - federalismo – implementado no Brasil a partir da última constituinte.

Em síntese, o que se tem exigido do Estado brasileiro nos dias atuais é uma atuação pautada a partir de uma nova abordagem de intervenção que seja capaz de reconhecer a complexidade de se formular e implementar políticas públicas em um país de grandes extensões territoriais como o Brasil, principalmente nas regiões Norte e Nordeste.

Nessa perspectiva, uma abordagem, baseada nos princípios da intersetorialidade parece se constituir uma alternativa de mudanças a ser considerada, no sentido de garantir um canal de comunicação fluido e eficiente entre as organizações em prol dos grupos sociais, historicamente, excluídos dos benefícios do governo, o que confirma a necessidade de estudos como este ora desenvolvido.

Nessa perspectiva, as próximas cinco seções irão tratar das ferramentas de análise escolhidas no decurso do desenvolvimento deste trabalho. Tais ferramentas permitiram interpretar os resultados encontrados e assim melhor compreender os

avanços e limitações de se pensar uma prática intersetorial entre as políticas agrícolas e de PNPDEC no interior da Amazônia Legal.