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O processo de industrialização e a sociedade de risco

Esquema 11- Minimização lógica

5.1.2 O processo de industrialização e a sociedade de risco

Em linhas gerais, afirma-se que a expansão do processo de industrialização observado no mundo moderno, em prol das necessidades ditadas pela lógica do capitalismo global, possibilitou que as ciências e as tecnologias produzidas acabassem por desencadear nos últimos cem anos uma verdadeira revolução na exploração dos recursos naturais, o que acelerou e universalizou o consumismo mundial e por consequência os riscos dele derivado.

Para uma interpretação mais crítica da engrenagem dos modos de vida trazidos pela modernidade, este trabalho irá adotar Touraine (1994) ao definir modernidade como um projeto de esforço global, uma luta comum contra os valores e o modo de vida tradicional, ou seja, seria a busca de melhores condições de produção e organização social para garantir a expansão do capitalismo no mundo.

Para tanto, diferentes áreas do globo foram postas em interconexão, ondas de transformação social penetraram virtualmente toda a superfície da Terra. Todavia, não por acaso, essas transformações acabaram sendo acompanhadas por uma gama de problemas e conflitos de interesse público (desigualdade social, fragilidade econômica, desequilíbrios ambientais etc.), os quais tomaram tamanha dimensão que desafiam qualquer planejamento de intervenção estatal.

Com o objetivo de melhor compreender estes efeitos nocivos observados na modernidade é interessante retomar o trabalho de Beck (2010), denominado “Sociedade do risco, rumo a uma outra modernidade”. Nesta obra o autor propôs

uma distinção entre uma primeira modernidade (caracterizada pela industrialização, sociedade estatal e nacional, pleno emprego etc.); e uma segunda modernidade ou “modernidade reflexiva”, em que as insuficiências e as antinomias da primeira modernidade tornam-se objeto de reflexão.

Assim, na primeira modernidade o consumismo, enquanto hábito e ideologia de uma sociedade “desenvolvida” impulsionou as indústrias em busca de matérias- primas que pudessem responder em tempo ao modismo ditado pelo mercado e apresentado pela mídia como “iguaria” de grande requinte.

Sobre esse consumismo, a análise de Touraine (1994) esclarece que a sociedade moderna, ao se organizar em favor do consumo, passou a sofrer com a insegurança, que vem sendo sentida em diferentes perspectivas. Como ilustração desta insegurança se destaca a preocupação de tal segmento em relação a maior pressão que passou a ser exercida sobre os recursos naturais.

Essa pressão acabou por não considerar a capacidade de suporte de muitos ecossistemas terrestres e aquáticos, o que, muitas vezes, tem ocasionado resultados irremediáveis, tais como a degradação dos solos, a extinção de espécies animais e vegetais, as contaminações por elementos radioativos, entre outros. Sobre essas questões o autor afirma que:

O processo de desmatamento e uso dos demais recursos naturais pelo homem acontece há muitos séculos. Todavia, nos últimos cem anos essa exploração vem se dando de forma mais acelerada, sendo o desmatamento contemporâneo uma consequência implícita da industrialização (BECK, 2010, p. 26).

E é justamente esse cenário contemporâneo que acabou por fortalecer um ambiente de incertezas que tem colocado em evidência uma crise sem precedentes para a produção social de riscos. Isso porque a lógica do padrão de distribuição foi mudada: o que está em jogo já não é mais a distribuição de riqueza, mas sim a distribuição dos danos causados pelos riscos. Daí se afirmar junto com Mandarola Junior e Hogan (2004) que a incerteza, a insegurança e o medo parecem ter invadido a vida da sociedade.

Com base nessas evidências Beck (2010) desenvolveu sua teoria, tendo como um de seus fundamentos o fato de a sociedade de classe ter sido substituída pela sociedade de risco. Sobre esta substituição o autor destaca que uma das características explosivas do risco é o que ele denominou de efeito boomerang, que

faz ruir o conceito de classe típico e introduz alterações na hierarquia social, no que toca à distribuição dos danos provocados pelos riscos.

Nesse sentido, foi possível concluir que a produção social da riqueza tem sido acompanhada sistematicamente pela produção social de riscos, transformando as ameaças civilizacionais à natureza em ameaças sociais, políticas e econômicas que representa o real desafio do presente e do futuro, o que justifica o conceito de sociedade de risco.

Como resultado: aos problemas e os conflitos distributivos da sociedade da escassez sobrepõem-se os problemas e conflitos surgidos a partir da produção, definição e distribuição de riscos científico-tecnologicamente produzidos (BECK, 2010).

Logo a produção de riscos no período pretérito acabou sendo sombreada pelas “certezas” advindas do positivismo, passando desta maneira a falsa impressão de nestas certezas estarem contidas verdades absolutas. De acordo com Beck (2010), na perspectiva de desconstruir tal impressão, é necessário entender o processo de modernização de forma “reflexiva” convertendo-se a si mesmo em tema e problema.

Para isso a noção de risco precisa estar bem difundida e entendida pela sociedade, pois o ambiente de incertezas e ameaças ora vivenciados precisa ser desvelado e apresentado à sociedade em todas as suas consequências, sejam elas positivas e/ou negativas.

Nessa linha de raciocínio, Esteves (2011) e Castro, Peixoto e Pires do Rio (2005) afirmam que estudos sobre riscos ambientais vêm sendo desenvolvidos, em vários setores, estando a noção de risco, consideravelmente, difundida na sociedade; figurando em debates, avaliações e estudos no meio acadêmico.

Entretanto, essas análises sobre a sociedade de risco ainda têm muito a fazer no campo empírico, pois se há uma riqueza de debates sobre as macroestruturas sociais, há pouquíssimos estudos desta natureza que mostram a sociedade de risco “ao rés do chão” (MANDAROLA JUNIOR; HOGAN, 2004). Em suma, além de ocupar um lugar privilegiado na academia, a discussão sobre os riscos e as ameaças geradas pela modernidade precisam ser organizadas politicamente.

Para o caso específico do Brasil, Porto (2012) afirmou que, para se mudar os rumos do modelo de desenvolvimento brasileiro, se deve assumir a indissociabilidade entre desenvolvimento humano, meio ambiente e justiça. Nesta

linha de raciocínio, se advoga que estudos sobre os eventos extremos, ligados às mudanças no clima, se apresentam como um fator chave, pois estes poderiam subsidiar possíveis intervenções dos governos nos ramos da agricultura, da manutenção da composição florestal, do transporte e de outras obras ligadas a infraestruturas, assim como no entendimento do comportamento dos ciclos hidrológicos, da geração de energia, do turismo e do lazer, entre outros.

Sobre as respostas antropogênicas frente a situações de risco, Coelho et al. (2004) afirmam que as sociedades têm reações e comportamentos próprios, que dependem das suas características socioeconômicas, históricas e políticas, como da própria natureza dos problemas que originam as situações de risco. Logo, a discussão sobre risco precisa, também, considerar a trajetória de estratégias exitosas e não exitosas desenvolvidas por sociedades anteriores e atuais na perspectiva de desenhar com certeza os riscos enfrentados na atualidade.

O passo inicial a ser dado nesse sentido é garantir espaços nas agendas governamentais e nas arenas decisórias para discussões sobre a temática, assim como a proposição de estudos técnicos, com base interdisciplinar, a partir de uma abordagem holística, que possam melhor aferir as consequências reais de uma sociedade que cada vez mais tem lançado mão da exploração dos recursos naturais de forma desordenada.

Nessa linha de raciocínio, se aponta para a capacidade da espécie humana poder desenvolver habilidades e “gerar” ciência no curto espaço de tempo e de acordo com as demandas apresentadas pelo mercado. A afirmação anterior é feita com base na necessidade de se ter a ciência a serviço da consolidação de um conhecimento que seja capaz de responder às necessidades atuais de uma sociedade que produz, convive e transfere riscos.