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A pé

No documento CIDADES INTELIGENTES: (páginas 98-108)

2  CAPÍTULO – CIDADE INTELIGENTE: UMA ORIENTAÇÃO À

2.3  CARACTERÍSTICAS, SERVIÇOS E ALTERNATIVAS

2.3.1  MODOS NÃO MOTORIZADOS

2.3.1.1  A pé

Gráfico 2: Distribuição dos deslocamentos por modo de transporte.  Fonte: ANTP, 2017. Org: SILVA, 2021.  Em contrapartida, a circulação das pessoas pelos modos não motorizados  é ignorada como importante elemento dos sistemas de transporte. Incluir estes  deslocamentos no planejamento e na gestão das cidades, respeitando as suas  características  e  necessidades,  significa  considerar  a  expressiva  parcela  das  viagens urbanas e contribuir para o processo de inclusão social dessa população  e consequentemente para o desenvolvimento da cidade inteligente.  

2.3.1.1  A pé 

Trata­se  dos  deslocamentos  realizados  pelas  pessoas  por  diversas  maneiras, seja a pé, por meio da cadeira de rodas ou com o auxílio de muletas.  Enfim,  são  todos  os  deslocamentos  realizados  de  forma  autônoma  pelas  pessoas, ainda que necessitem de ajudas técnicas. 

No  geral,  não  só  no  Brasil,  predominam  deslocamentos  a  pé  sobre  os  demais modos de transporte (HALLAT et al., 2012). Mas essa proporção é muito  mais  significativa  nos  países  europeus  (Dinamarca,  Alemanha,  Espanha,  Lituânia  e  Holanda),  chegando  a  47%,  enquanto  nos  EUA  a  proporção  atinge  aproximadamente 10%.   Quando se diz que todos nós somos pedestres não é demagogia, porque  de alguma forma e em qualquer momento do dia a dia, nos deslocamos através  do nosso próprio esforço pelos passeios, calçadas, calçadões, passarelas, etc.  A pé 40% Bicicleta 3% Moto 4% Automóvel 25% Ônibus 24% Trilho 4% Transporte Coletivo 28%

Mesmo assim, este tipo de deslocamento muitas vezes é negado como um modo  de transporte.  

Cabe,  neste  momento,  ressalvar  o  entendimento  de  alguns  conceitos  definidos no Código de Trânsito Brasileiro (CTB): 

 

Quadro 3: Conceitos definidos pelo Código de Trânsito Brasileiro.  Fonte: CTB, 1997. Org.: SILVA, 2021. 

O  artigo  68  do  CTB  (1997)  representa  um  avanço  nessa  área,  ao  assegurar o direito das pessoas na utilização dos passeios e responsabilizar os  municípios  pela  construção  de  calçadas  e  passeios  públicos,  que  deve  ser  compartilhada  com  os  proprietários  dos  imóveis.  Ressalva­se  que  a  utilização  deste espaço para outros fins pode ser autorizada pela autoridade competente,  desde que não haja prejuízo ao fluxo de deslocamento das pessoas. Na prática,  qualquer um de nós já passamos por uma situação em que precisamos desviar  da  calçada  para  a  rua  devido  aos  objetos  que  ali  foram  instalados  pelos  comerciantes locais.  

Abordados  os  conceitos,  consequentemente  é  necessário  projetar,  planejar  e  manter  os  locais  destinados  ao  tráfego  das  pessoas,  sejam  elas  pedestres,  cadeirantes,  idosos,  gestantes,  pessoas  com  deficiência,  etc.:  o  passeio  público,  as  faixas  de  travessia,  calçadões,  passarelas,  rampas  de  acesso e outros elementos construídos para o seu deslocamento, maximizando  suas  condições  de  segurança  e  conforto.  A  qualidade  deste  modo  de  deslocamento inclui a continuidade dos trajetos, a atratividade dos percursos e 

Via

•Superfície por onde transitam veículos, pessoas e animais, compreendendo a pista, a calçada, o acostamento, ilha e o canteiro central. Logradouro Público •Espaço livre destinado pela municipalidade à circulação, parada ou estacionamento de veículos, ou à circulação de pessoas, tais como: calçadas, parqueas, áreas de lazer, calçadões. Calçada •Parte do sistema viário, normalmente segregada e em nível, não destinada à circulação de veículos e reservada exclusivamente ao trânsito de pedestres e, quando possível, à implantação de mobiliário urbano, sinalização, vegetação e outros fins. Passeio •Parte da calçada destinada à circulação exclusiva das pessoas. Se esta área for na pista de rolamento, obrigatoriamente deverá estar separada por pintura ou elemento físico separador, livre de interferências. Pedestre

•Quem anda ou está a pé.

percorrida, a inclinação da via, as condições das calçadas, a retidão da rota e  qualquer outro fator que facilite a caminhada (FRUIN, 1971). 

Neste sentido, a Política Nacional de Mobilidade Urbana, é um marco na  gestão e no planejamento da mobilidade urbana, pois tem por objetivo garantir a  prioridade  do  transporte  não  motorizado  sobre  o  transporte  individual  motorizado, independentemente do tamanho das cidades. Tal obrigatoriedade,  para  estar  adequada  à  lei  federal,  deve  ser  materializada  nos  planos  de  mobilidade urbana. 

Assim  como  no  Brasil,  na  Europa  a  regulação  da  implantação  e  manutenção da rede de calçadas na legislação urbana na maioria das cidades  segue  a  prática  do  modelo  de  parceria  público­privada:  o  proprietário  do  lote  responde  pela  implantação  e  manutenção,  e  a  prefeitura  pela  definição  dos  padrões construtivos e fiscalização. Na prática, o proprietário do lote se apossa  da calçada em frente à sua propriedade e nela faz o que quer; aquelas com piso  derrapante e rampas de acesso à garagem são os exemplos mais comuns. E o  poder público não fiscaliza, tornando assim difícil – se não impossível – caminhar  em calçadas assim.  

Segundo  a  Associação  Brasileira  de  Cimento  Portland  (FCTH  e  ABPC,  2013), a calçada ideal considera: a acessibilidade (deve assegurar a completa  mobilidade  dos  usuários);  a  largura  adequada  (deve  atender  as  dimensões  mínimas  na  faixa  livre);  a  fluidez  (os  pedestres  conseguem  andar  em  uma  velocidade  constante);  a  continuidade  (piso  liso  e  antiderrapante,  com  escoamento de águas pluviais e sem obstáculos dentro do espaço destinado aos  pedestres); a segurança (não oferece aos pedestres nenhum perigo de queda  ou tropeço); o espaço de socialização e interação das pessoas; e o desenho da  paisagem (arquitetura e climas agradáveis que contribuam para o conforto).  

A  segurança  também  é  um  grande  problema  para  os  pedestres.  Atualmente o Brasil ocupa o 5º lugar no ranking dos países com maiores índices  de morte no trânsito, de acordo com a OMS, atrás apenas de Índia, China, EUA  e Rússia.  

Segundo os dados de 2018 da OMS, cerca de 1,25 milhão de pessoas  morrem por ano em acidentes de trânsito, o que significa que, aproximadamente,  morre  uma  pessoa  a  cada  24  segundos.  Em  média,  metade  das  vítimas  são  pedestres, ciclistas e motociclistas.  

No  Brasil,  infelizmente  as  calçadas  são  historicamente  negligenciadas,  independentemente da organização política que esteja à frente do governo local.  Podemos verificar isso através das Figuras 12, 13 e 14:     Figura 12: Calçada da Avenida Marechal Rondon, Rio de Janeiro/RJ.  Fonte: AUGUSTO, 2020.    Figura 13: Calçada da Av. Solidariedade, Uberlândia/MG.  Fonte: SILVA, 2021. 

  Figura 14: Calçada ocupada por poste e com desnível localizada na Rua João Lisboa, 

Imperatriz/MA.  Fonte: ARAÚJO, 2019. 

Nota­se  que  é  necessário  melhorar  a  infraestrutura  urbana,  com  construção,  pavimentação  e  conservação  das  calçadas  e  das  rotas  para  pedestres e a redução dos conflitos com os vários tipos de veículos, incluindo  bicicletas.  É  importante  a  condição  do  piso,  de  onde  devem  ser  eliminadas  quaisquer barreiras, buracos ou desníveis, evitando também o uso de materiais  inadequados e escorregadios. A melhoria na iluminação pública é outro fator que  contribui para a segurança. 

O  poder  público  também  pode  contribuir  através  da  legislação,  regulamentando as dimensões mínimas para o passeio, a declividade máxima,  a  localização  dos  equipamentos  urbanos,  as  especificações  para  casos  de  degraus, parâmetros para rebaixamento, sinalização do solo, tipo de pavimento,  entre outros, conforme sugere a Figura 15: 

 

Figura 15: Modelo de Calçada.  Fonte: ABCP, 2005. 

Além dessas atribuições, a circulação geral da cidade precisa contemplar  a prioridade aos pedestres, principalmente nas situações em que há confronto  direto  com  os  veículos  motorizados.  A  adoção  de  uma  política  de  mobilidade  para  a  construção  de  uma  cidade  inteligente  começa  no  processo  de  planejamento e de construção da infraestrutura viária, utilizando recursos como  separação  física  da  circulação  de  veículos  e  pessoas,  implantação  de  áreas  restritas  aos  pedestres  (Figura  16)  e  construção  de  passarelas  e  passagens  subterrâneas (Figura 17).  

  Figura 16: Calçadão de Araxá/MG. 

  Figura 17: Passagem subterrânea localizada na Galeria Júlio Moreira, Curitiba/PR.  Fonte: Gazeta do Povo, 2013.  Há também as medidas chamadas de  traffic calming, expressão que se  traduz em “tranquilização do tráfego”. São intervenções pontuais para diminuir o  impacto dos acidentes, ou seja, medidas que não pretendem proibir a circulação  do  veículo,  mas  induzir  os  motoristas  a  um  comportamento  mais  prudente,  principalmente pela redução da velocidade.  

 Entre  as  técnicas  que  já  estão  espalhadas  pelo  mundo,  citamos  a  implementação  de  lombadas  para  redução  de  velocidade,  o  estreitamento  da  pista, o aumento da largura das calçadas, a construção de ruas sem saída e de  bolsões residenciais, a implantação de faixas de pedestres elevadas  à mesma  altura  das  calçadas,  sinalização  no  solo,  entre  outras  técnicas  que  fazem  o  motorista  perceber  que  determinada  área  é  prioridade  do  pedestre  e  não  dos  veículos. Também na operação a prioridade do pedestre pode estar presente na  programação  semafórica,  com  tempos  específicos  para  as  travessias  ou  por  botoeira,  na  fiscalização  do  estacionamento  irregular  sobre  as  calçadas,  e  na  adoção de equipamentos eletrônicos de controle de velocidade e obediência aos  semáforos.  

  Figura 18: Parklet localizado na Rua José de Santana, Patos de Minas/MG.  Fonte: AMÂNCIO, 2016.    Figura 19: Faixa de pedestre em 3D localizada em Pequim, China.  Fonte: LUNELLI, 2017.    Figura 20: Faixa de pedestre com pontas de cigarro recolhidas no chão, localizada em  Melbourne, Austrália. 

  Figura 21: Faixa de pedestre em Vancouver, Canadá.  Fonte: LGBTQ Nation, 2018.    Figura 22: Faixa de pedestre em Zurique, Suíça.  Fonte: LAN, 2010.   

  Figura 23: Calçadas na área central de Santana/SP.  Fonte: SILVA, 2016.    Figura 24: Travessia por botoeira, localizada em Campo Grande/MT.  Fonte: SILVA, 2015.  Esses deslocamentos efetuados a pé revelam características próprias por  possuírem  motivos  e  comportamentos  distintos  daqueles  observados  nas  viagens  motorizadas.  Logo,  a  incorporação  do  pedestre  ao  planejamento  e  à  gestão  da  mobilidade  urbana  tende  a  exigir  estudos  e  pesquisas  adicionais  e  específicas em qualquer modelo convencional.  

O adequado tratamento do pedestre pode se tornar um forte elemento de  estímulo para a mudança em relação à cultura do automóvel particular no Brasil,  sobretudo  se  for  acompanhado  de  campanhas  esclarecendo  os  prejuízos 

maiores  possibilidades  para  um  reordenamento  do  espaço  urbano,  principalmente  nas  cidades  médias  e  pequenas  que  ainda  não  têm  grandes  problemas de imobilidade.  

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