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III. CAPÍTULO UMA NOVA PRÁTICA COMUNICACIONAL NA IGREJA

3.2 A pós-modernidade e as implicações para a evangelização

As transformações ocorridas na sociedade, tanto em âmbito mundial como continental, desafiam fortemente as Igrejas e os cristãos, em especial em relação às formulações teóricas e às práticas inovadoras que se destacaram nas últimas décadas. A teologia e a pastoral latino- americana não ficaram isentas dos impactos. Por outro lado, o mundo da comunicação social tornou-se também um desafio para a ação da Igreja. Sua influência decisiva sobre os modos de pensar e de atuar das pessoas e dos grupos sociais definem e consolidam em grande parte a chamada “cultura pós-moderna. ”437 O homem que vive nesse ambiente tem suas 432 Ibidem. 433 Cf. Ibidem. 484 – 490. 434 Cf. Ibidem. 174-210. 435 Cf. Ibidem. 4. 436 Ibidem. 502.

437 O documento de Puebla define a palavra cultura “como uma maneira particular como determinado povo

cultivam os homens sua relação com a natureza, suas relações entre si próprios e com Deus (GS 53b), de modo que possam chegar a um nível verdadeiro e plenamente humano (GS 53a). É o estilo de vida comum (GS 53c) que caracteriza os diversos povos; por isso é que se fala de pluralidade de culturas (GS 53c).” In: DP. 386.

características próprias. Mesmo herdeiro de uma cultura onde a palavra (lógos) é predominante, ele é seduzido pela imagem e a representação. São homens e mulheres pós- modernos mais icônicos do que lógicos, mais sensitivos que racionais, mais intuitivos que discursivos, mais instantâneos que processuais, mais informatizados que comunicólogos.438 Enfim, essas mudanças culturais interferem nos costumes e no modo das pessoas viverem e se relacionarem, e a comunicação se apresenta sempre como elemento articulador da sociedade. Hoje, o ser humano vive sobre o tripé do mercado globalizado, do indivíduo fragmentado e da razão técnico-científica. O moderno individualismo foi aos poucos se “libertando” das disciplinas das grandes tradições – da fé e da razão. Nesse contexto de avanço do individualismo, do neoliberalismo e das tecnologias, bem como da inteligência artificial, já não se duvida da gestação, neste milênio, do ser “pós-humano”. Esse ser pós-humano é atualmente identificado com o cybernetic organism (ou cyborg), isto é, o homem-máquina ou homem-robô. 439

Antes, porém, de pontualizar ou traçar alguns elementos importantes de diálogo com esse homem acerca da evangelização, cabe considerar breves noções acerca do fenômeno pós-

438 CALVANI, Antonio e ROTTA, Mario. Comunicazione e apprendimento in Internet: didattica

costruttivistica in rete. Trento: Centro Studi Erickson, 1999, p. 11.

439 Segundo Jair Ferreira dos Santos, entrevistado na Revista Caros Amigos, “de acordo com vários teóricos, a

revolução natural do homem acabou. O que vivemos agora é a revolução artificial do homem, que deriva do impacto das tecnologias de informação sobre a natureza humana. Se observarmos, qualquer criança de 5 anos entende isso hoje, a interação maior do homem não é com a natureza ou o social, mas com as máquinas inteligentes, dotadas de princípios como a racionalidade. Essa interação homem-máquina tornou-se possível porque tanto o homem quanto a máquina têm um denominador comum que é a informação. A concepção geral do que seja o homem é a de que ele é um animal informacional”. Em linha contrária a essa tendência, o entrevistado fala da “reanimalização” do homem, sem a qual não haveria alternativa ao caminho rumo ao pós- humano. Também sustenta, ao responder que um cérebro artificial não teria inconsciente, que “o pós-humano é uma coisa de país capitalista rico, e não uma coisa de Terceiro Mundo. A esse país interessa que o fluxo informacional do homem para a máquina e da máquina para o homem não sofra nenhuma opacidade. Não tenha história, não tenha política. Tudo isso bloqueia o fluxo de circulação de mensagem. O capital hoje é essencialmente mensagem. Quanto mais rápido e quanto menos travado melhor. E o inconsciente é uma opacidade”. Por fim, afirma que “o mundo hoje está numa complexidade muito grande. Essa sensação de incerteza, de imprevisibilidade, se dá porque temos muitos atores, é muita gente atuando em cima da realidade. Uma das linhas que se exploram no pós-humano é a da complexidade, do caos e da emergência. O mundo é cada vez mais imprevisível porque a resposta que esse grande número de atores dá em qualquer campo é imprevisível. O pós-humano é uma expressão-tampão para a falta de léxico para descrevermos a própria experiência. Não conseguimos mais dizer para onde estamos indo e o que somos. Trata-se de uma ficção de transcendência”. Cf. SANTOS, Jair Ferreira dos. Não sabemos mais para onde vamos: o pós-humano é apenas um nome para nossa ignorância. Entrevista a ARCOVERDE, Léo. Caros Amigos, Pós-humano: o desconcertante mundo novo, São Paulo, Casa Amarela, n. 39, nov. 2007, pp. 19-20.

moderno,440 a fim de caracterizar a sua ambiguidade ou exacerbação presente nos tempos

modernos441. Sabe-se que a pós-modernidade442 emerge da modernidade e segundo Lyotard, a

palavra pós-moderno “designa o estado da cultura após as transformações que afetaram as regras

dos jogos da ciência, da literatura e das artes a partir do final do século XIX.”443 Victor Codina

apresenta a pós-modernidade como “nascida das entranhas mesmas da modernidade”, sendo uma

440 Zygmunt Bauman, busca explicar a compreensão que ele tem de “pós-moderno, „pós‟ não no sentido

„cronológico‟ (não no sentido de deslocar e substituir a modernidade, de nascer só no momento em que a modernidade termina e desaparece, de tornar a visão moderna impossível uma vez chegada ao que lhe é próprio), mas no sentido de implicar (na forma de conclusão, ou de mera premonição) que os longos e sérios esforços da modernidade foram enganosos, foram empreendidos sob falsas pretensões, e são destinados a terminar – mais cedo ou mais tarde – o seu curso; que em outras palavras, é a própria modernidade que vai demonstrar (se é que ainda não demonstrou), e demonstrar além de qualquer dúvida, sua impossibilidade, a vaidade de suas esperanças e o desperdício de seus trabalhos.” In: BAUMAN, Zigmunt. Ética pós-moderna. São Paulo: Paulus, 1997, p.15.

441 Cf. CASTIÑEIRA, Ángel. A experiência de Deus na pós-modernidade. Petrópolis: Vozes, 1997, pp.119-

144. As figuras-chave do pós-modernismo são especialmente Gilles Lipovetsky, Jean-François Lyotard, Gianni Vattimo e Jean Baudrillard. No entanto, como é típico do pós-moderno, essa posição não é unânime – muito pelo contrário –, até porque muitos são os pensadores deste período. Alguns têm a mesma compreensão, outros nem tanto, e outros ainda a criticam. Eis alguns nomes desse grande mosaico, além dos citados: Jacques Lacan, Emmanuel Levinas, Gilles Deleuze, Félix Guattari, Jacques Derrida, Michel Foucault, Zigmunt Bauman, Alain Touraine, Jürgen Habermas, Alvin Toffler, Richard Rorty, Fredric Jameson, David Harvey, Anthony Giddens, Manuel Castells, Ulrich Beck, Michel Maffesoli, Alexander Callinicos, Fracis Fukuyama, entre vários outros, em distintas áreas do conhecimento - filosofia, antropologia, sociologia, psicanálise etc.

442 Para alguns autores, por ser a pós-modernidade complexa, não há uma determinação, uma fronteira teórica

clara que delimita a ruptura ou a continuidade com a modernidade. Na verdade, os conceitos pós-modernos são, antes, parte da modernidade, e não existe uma ruptura, mas sim uma transformação sistêmica. Lipovetsky irá afirmar que “no momento em que triunfam a tecnologia genética, a globalização liberal e os direitos humanos, o rótulo pós-moderno já ganhou rugas, tendo esgotado sua capacidade de exprimir o mundo que se anuncia”. In: LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Barcarolla, 2004, p. 52. Gilles Lipovetsky, nascido em 24 de setembro de 1944, em Millau, na França, é filósofo e professor de filosofia na universidade francesa de Grenoble. Lipovetsky desde a década de 80, na esteira de outros filósofos, principalmente franceses, analisa questões referentes à pós-modernidade e, mais recentemente, à hipermodernidade, como ele mesmo chama o período atual. É autor de várias publicações, entre as quais ora se destacam os seus livros próprios, conforme os títulos originais e em ordem cronológica: L'Ère du vide: Essais sur l'individualisme contemporain (1983), L'Empire de l'éphémère: la mode et son destin dans les sociétés modernes (1987), Le Crépuscule du

devoir (1992), La Troisième femme (1997), Métamorphoses de la culture libérale – Éthique, médias, enterprise

(2002), Le luxe eternel (2003), Les temps hypermodernes (2004), Le bonheur paradoxal. Essai sur la société

d'hyperconsommation (2006), e La société de déception (2006).

443 LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002, p. xv. O

apresentador dessa obra citada de Lyotard diz que o início dos tempos pós-modernos (ou da chamada “era pós- industrial”) se dá por volta dos anos 50, referindo-se ao final do século XIX como o início da crise da ciência e da verdade, o que coincide em parte com a virada hermenêutica na filosofia, estendida à exegese bíblica e à teologia. Outros põem o marco da consciência da crise da modernidade no ano de 1968, o qual é como que uma data alegórica, em que se deram alguns fatos históricos relevantes (as manifestações em torno da “Guerra Fria” e contra a Guerra do Vietnã, movimentos culturais – como o hippie ou da contracultura, a reação estudantil à ditadura militar no Brasil e o posterior AI-5, a Revolução de Maio na França, o renascimento do sindicalismo de conflito, entre outros) que condicionaram o clima de uma efervescência germinal das transformações que se sucederam; nesse sentido. Cf. FIORI, José Luís. Sobre a “crise contemporânea”: uma nota perplexa. Revista

“resistência radical ao projeto da modernidade baseado no desenvolvimento, na razão e na

liberdade”444, com características445 próprias, tais como:

 o reforço do individualismo e sua fragmentação. O indivíduo obedece “às lógicas

múltiplas e contraditórias; cada um compõe à la carte os elementos de sua existência;

renuncia a compromissos profundos e estáveis nas relações interpessoais”;446

 o modo de viver e de pensar desencantado diante da razão, com um vazio ontológico. O

homo sapiens é desbancado pelo homo sentimentalis: „Sinto, logo existo‟ é uma verdade que possui uma validade muito mais universal do que „Penso, logo existo‟;

 a crise da história, se os modernos sacrificam o presente ao futuro, os pós-modernos

sacrificam o futuro ao presente; o gozo do instante presente - “carpe diem”.447 Não existe

uma história unificada, produto da visão cristã que impregnou o Ocidente e lhe deu direção. Existem acontecimentos isolados, histórias de pessoas que se cruzam entre si, sem nexo, sem ligação. Uma visão global da vida não existe. Existe uma visão fragmentária. Pensa-se no hoje, no fato de agora, perdeu-se a visão de um passado, um presente e um futuro integrados. O pós-moderno opta pelo efêmero, pelo modismo, pelo fragmentário, pelo descontínuo; com isso, a vida não tem sentido histórico, nem dimensão linear. Ela é para ser vivida agora, numa dimensão pontelinear;

 a vida sem utopias e sem imperativo categórico, que repercute numa ética sempre provisória e numa moral imediatista. O homem pós-moderno entende por moral a idéia de que „é preciso ser feliz e que não está dito como, então, viva feliz, como único imperativo categórico‟;

444 CODINA, Victor. Reflexão sobre a pós-modernidade. Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, v. 35, 2003,

pp. 379-380.

445 Cf. ALMEIDA, Antonio José. Paróquia, Comunidades e Pastoral Urbana. São Paulo: Paulinas, 2009, pp.

113-112.

446 Ibidem. p. 113.

447 HORÁCIO FLACO, Quinto. Obras de Horácio, príncipe dos poetas. Lisboa: na officina de Ioam da Costa.

Odes, Livro I,11,8. Ano MDCLXVIII (1668). O verso todo, dirigido a uma moça, é “Carpem diem nec

 uma ética relativista e descompromissada, ou substituída pela estética. Os pós-modernos não gastam suas energias na transformação do mundo, mas, esquecendo a sociedade, concentram suas energias na realização pessoal, tornam-se novos Narcisos, mergulhados

num intimismo individualista. Com a necessidade de viver o belo – uma nova estética –

enamorados de si, tornam-se cultores do corpo, e a „corpolatria‟ ganha espaço e tem seu

templo nas academias espalhadas em grandes e pequenas cidades;

 a “incredulidade em relação aos metarrelatos”448, ou “grandes narrativas”, sejam os da

Cristandade, sejas os do Iluminismo (primeira ilustração), ou os do Idealismo e do Marxismo (segunda ilustração). As grandes sínteses de pensamento, as teorias e doutrinas complexas, as perspectivas totalizantes, completas e fechadas são substituídas por pequenas narrativas, ou seja, „eu, aqui e agora, digo isto; amanhã, posso dizer exatamente o contrário‟;

 uma acentuada submissão aos ditames da publicidade e emergência da cultura de massas,

que impõe uma homogeneidade ou „pasteurização‟ da cultura como mero entretenimento.

Há uma dissolução do sentido da história, que se reflete numa visível „desmemorialização”, principalmente pelas gerações mais jovens. Antes o sujeito se sentia o senhor de tudo, de suas ações, de mudanças significativas, criador de situações novas, com uma forte atuação revolucionária; hoje, fechado nos cubículos de seu individualismo, com um excessivo sentimento de abandono, necessita absorver uma literatura de autoajuda, para conseguir conviver com seus próprios limites e sua própria

impotência. Assim, a pós-modernidade é expressão de um „certo cansaço‟ da modernidade

e de todo o seu racionalismo, de sua forma de organização e das regras de suas instituições;449

448 LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Op. cit. p. xvi.

449 Cf. PEREIRA, Otaviano. Modernidade, pós-modernidade: afinal, onde estamos? Disponível em:

 a implosão dos conceitos básicos da modernidade: Estado, classe social, trabalho, masculinidade e sexualidade, gerando crise das instituições: crise moral, na família, nos „valores eternos‟ da civilização em declínio;

o retorno de uma religiosidade na forma de um deus light, de preferência servido num

coquetel religioso, preparado ao gosto de cada indivíduo, à la carte, à margem das instituições tradicionais. Ocorre a volta ao orientalismo, esoterismo, quiromancia, tarô, a sacralização de realidades cotidianas, entre tantas outras práticas. Para se escolher a

“Deus” não se renuncia nem a tudo nem a nada450. Logo, não há nada mais pós-moderno

do que a própria noção que o termo traz em si: imprecisão, falta de referências exatas,

fragmentação, debilidade do pensamento. “Tudo o que é sólido se desmancha no ar”451,

eis o “lema” da pós-modernidade.

3.3 O diálogo da Igreja com as novas tecnologias e a vida eclesial a partir da