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III. CAPÍTULO UMA NOVA PRÁTICA COMUNICACIONAL NA IGREJA

3.3 O diálogo da Igreja com as novas tecnologias e a vida eclesial a partir da comunhão

Ao considerar o quadro evolutivo da trajetória da comunicação nas suas diferentes fases, a comunicação chegou a constituir-se, hoje, um fenômeno que não somente é „usufruído' pelos indivíduos, mas, como já foi dito, estabelece uma cultura, a cultura midiática.452 Há um „ambiente vital, um „estilo de vida‟, um conjunto de valores que realmente constitui o elemento articulador que gera, administra, apóia, impulsiona e sustenta aqueles aspectos mencionados precedentemente. Segundo Puntel, estamos assistindo à

450 ALMEIDA, Antonio José. Paróquia, Comunidades e Pastoral Urbana. Op. cit. p. 113.

451 A sociedade da informação herda o paradigma do universo do mundo moderno, em que, como disse Marx,

tudo o que é sólido se volatiliza. Esse conceito foi aprofundado por Marshall Berman em seu livro "Tudo o que é sólido se desmancha no ar". No livro, Berman nos diz que “ser moderno é encontrarmo-nos em um meio ambiente que nos promete aventura, poder, alegria, crescimento, transformação de nós mesmos e do mundo - e que, ao mesmo tempo, ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que conhecemos, tudo o que somos. Ambientes e experiências modernos atravessam todas as fronteiras de geografia e de etnias, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: neste sentido, pode-se dizer que a modernidade une todo o gênero humano. Mas é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: envolve-nos a todos num redemoinho perpétuo de desintegração e renovação, de luta e contradição, de ambigüidade e angústia”. In: BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido

desmancha no ar - A aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 15.

452 João Paulo II vai afirmar que “não se pode negar que o mundo vive uma nova cultura que, por suas

“aurora de uma nova organização da vida coletiva e pessoal.” 453 Nesse contexto a

comunicação é descrita, hoje, “com uma variedade e diversidade de definições, pois, ao longo do tempo, conquistou novos parâmetros junto à economia, à política, à filosofia e à cultura”,454 e, cada vez mais, abrem-se espaços para a contínua mudança social que brota das

novas tecnologias comunicativas. Na aldeia global, o centro das atenções não é mais o homem, mas a máquina. As transformações mais profundas ocorrem não nas idéias ou no pensamento, mas nas novas tecnologias, especialmente nascidas do cérebro eletrônico. Ser digital ou não ser..., este parece ser o novo modo de entender aquele famoso „Ser ou não ser, eis a questão‟,455 de William Shakespeare. Para Calvani “quem não estiver plugado, de agora

em diante, é destinado a não existir.”456 E, ao mesmo tempo, quem estiver conectado é

destinado a tornar-se imaterial. Calvani entende que quem não está usufruindo das novas tecnologias não é. Quem está conectado não é mais aquilo que era.457 Esse novo paradigma é o pano de fundo para manter o diálogo com as novas tecnologias. Qual a posição da Igreja

diante das novas tecnologias?

Não é exagero afirmar que João Paulo II foi o primeiro papa midiático da história. Ele no dia 22 de dezembro de 2001, usou pela primeira vez a Internet para enviar um documento oficial à Igreja na Oceania, e, nessa ocasião anunciou o tema do 36º Dia Mundial das Comunicações Sociais: “Internet: um novo fórum para a proclamação do Evangelho.” Já o Papa Bento XVI, em 2006, em sua primeira mensagem para o 40º Dia Mundial das Comunicações, escolhe tratar sobre a “Mídia: rede de comunicação, comunhão e cooperação”. Ele reconhece o poder da mídia na influência sobre a sociedade humana e, por isso, lembra

453 PUNTEL, Joana Teresinha. A Igreja e os meios de comunicação na sociedade brasileira a partir do Concílio

Vaticano II. In. LOPES GONÇALVES, Paulo Sérgio; BOMBONATTO, Vera Ivanise. Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. Op. cit. p. 330.

454 Ibidem.

455 SHAKESPEARE, Willian. A tragédia de Hamlet. Disponível em <http://atragediadehamlet.blogspot.com/

2011/03/ato-iii-cena-1.html>. Ato III, Cena I. Acesso em: 16 agosto. 2011. 10:16:46. (no original em inglês: To be or not to be, that's the question).

456 CALVANI, Antonio e ROTTA, Mario. Comunicazione e apprendimento in Internet: didattica

costruttivistica in rete. Op. cit. p. 42.

que é preciso “usufruir do melhor modo possível de tais potencialidades, em benefício da humanidade inteira”.458 O papa lembra, também, que, com a rapidez da comunicação, esta

nem sempre contribui para criar colaboração, comunhão na sociedade. Não se trata de uma visão negativa da Igreja sobre a comunicação, mas de uma análise sobre a cultura midiática, na sociedade de hoje.459 O pontífice recorda que “a comunicação autêntica deve basear-se na coragem e na decisão”.460 Idéias claras, determinação, responsabilidade para “não contentar-

se com verdades parciais” são aspectos essenciais evidenciados na mensagem.461 Em 2009, na

43ª Jornada Mundial das Comunicações Sociais, Bento XVI escolhe como tema “Novas tecnologias, novas relações. Promover uma cultura de respeito, de diálogo, de amizade,” destinada especialmente à “geração digital”, como o pontífice chama as pessoas - sobretudo jovens - que usam essas tecnologias. O papa afirma que as novas tecnologias são um “verdadeiro dom” para a humanidade, reafirmando o pensamento positivo do Magistério sobre a comunicação, semeado ao longo de seus documentos. Ele lembra que as novas tecnologias devem estar a serviço “de todos os seres humanos, especialmente dos mais necessitados e vulneráveis”.462 Acrescenta que da nova cultura da comunicação derivam

muitos benefícios para as famílias, os estudantes, a pesquisa, a ciência, entre outros, e que este desejo de comunicação e amizade tem sua raiz na própria natureza humana. Sobre as relações virtuais e a amizade, Bento XVI afirma que através dela crescemos e nos desenvolvemos como seres humanos e advertiu que não se deve "banalizar" este conceito. O pontífice alerta que seria

458 BENTO XVI. “Novas tecnologias, novas relações. Promover uma cultura de respeito, de diálogo, de

amizade”. 43º Dia Mundial das Comunicações Sociais. [24 de Maio 2009] Disponível em: <http://www. vatican.va/holy_father/ benedict_xvi/messages/communications/documents/hf_ben-xvi_mes_20090124_43rd- world-communications-day_po.html>. Acesso em: 01 de set. 2011. 8:15:46.

459 Cf. Ibidem. 460 Ibidem. 461 Cf. Ibidem. 462 Ibidem.

uma pena que nosso desejo de estabelecer e desenvolver as amizades online acontecesse em detrimento de nossa disponibilidade para a família, os vizinhos e dos que encontramos em nossa vida cotidiana. Quando o desejo de conexão virtual se transforma em obsessão, a conseqüência é que a pessoa se isole, interrompendo sua interação social.463

Em 2010, o tema do 44º Dia Mundial das Comunicações Sociais, “O padre e a pastoral no mundo digital: novos meios de comunicação a serviço da Palavra”464, traz uma temática

atual e desafiadora. Dentro do Ano Sacerdotal, o Papa Bento XVI quer lembrar aos padres a necessidade de inserirem a mensagem do Evangelho no “continente digital”, como ele chama as novas mídias ou Redes Sociais. Nesse “continente digital” há uma nova cultura, mais interativa, que modifica os hábitos das pessoas, também dos fiéis, que abre novas possibilidades ao anúncio do Evangelho. Por isso, é importante abrir-se ao novo, assessorar-se por pessoas que conhecem e entrar sem medo, abrindo um relacionamento mais interativo com os fiéis e a sociedade. Já foi o tempo em que se “condenaram” as novas tecnologias, desde a imprensa, passando pelo cinema. Hoje é preciso marcar presença e educar-nos para conviver com a diversidade, sabendo fazer escolhas. Essa é uma formação que a Igreja precisa dar a si mesma e ao povo.

Em 2011, na 45ª Jornada Mundial das Comunicações Sociais, Bento XVI escolhe como tema “Verdade, anúncio e autenticidade de vida na era digital”, com um forte desejo de refletir sobre a difusão da comunicação através da rede internet. Para o papa

Vai-se tornando cada vez mais comum a convicção de que, tal como a revolução industrial produziu uma mudança profunda na sociedade através das novidades inseridas no ciclo de produção e na vida dos trabalhadores,

463 Ibidem.

464 BENTO XVI. O padre e a pastoral no mundo digital: novos meios de comunicação a serviço da Palavra.

44º dia mundial das comunicações sociais. [16 de Maio 2010] Disponível em: <http://www.vatican.va/holy _father/benedict_xvi/messages/communications/documents/hf_ben-xvi_mes_20100124_44th-world-communica tions-day_po.html >. Acesso em: 01 de set. 2011. 10:15:06.

também hoje a profunda transformação operada no campo das comunicações guia o fluxo de grandes mudanças culturais e sociais.465

No diálogo com as novas tecnologias, Bento XVI estabelece um avanço na compreensão da comunicação como nenhum outro papa. De maneira muito positiva, admite que a difusão das informações e conhecimentos faz “nascer uma nova maneira de aprender e pensar, com oportunidades inéditas de estabelecer relações e de construir comunhão.”466

Totalmente contrário ao Papa Gregório XVI (1831-1846) que condenou os instrumentos de comunicação, ele convida os cristãos a estarem presentes “com criatividade consciente e responsável” na Internet e nas redes sociais, afirmando que estas se tornaram “parte integrante da vida humana” nos nossos dias. Afirma o papa que “a Web está a contribuir para o desenvolvimento de formas novas e mais complexas de consciência intelectual e espiritual, de certeza partilhada”. 467

Admite que as novas tecnologias “permitem que as pessoas se encontrem para além dos confins do espaço e das próprias culturas, inaugurando deste modo todo um novo mundo de potenciais amizades”.468 E defende que a transmissão do Evangelho nesses espaços virtuais

deve ser “encarnada no mundo real e dirigida aos rostos concretos dos irmãos e irmãs com quem partilhamos a vida diária”. Para o papa, é necessário “um estilo cristão de presença também no mundo digital”, que se traduz “numa forma de comunicação honesta e aberta, responsável e respeitadora do outro”. Ele sublinha que

Comunicar o Evangelho através dos novos media significa não só inserir conteúdos declaradamente religiosos nas plataformas dos diversos meios, mas também testemunhar com coerência, no próprio perfil digital e no modo

465 BENTO XVI. Verdade, anúncio e autenticidade de vida, na era digital. Mensagem para o 45º Dia

Mundial das Comunicações Sociais. 05 Junho de 2011. Disponível em: < http://www.vatican.va/ holy _father/ benedict_xvi /messages/communications/documents/hf_ben-xvi_mes_20110124_45th-world-communications- day_po.html>. Acesso em: 03 setembro 2011. 11:16:20.

466 Ibidem. 467 Ibidem. 468 Ibidem.

de comunicar, escolhas, preferências, juízos que sejam profundamente coerentes com o Evangelho, mesmo quando não se fala explicitamente dele.469

O papa considera que as novas tecnologias “estão a mudar não só o modo de comunicar, mas a própria comunicação em si mesma, podendo-se afirmar que estamos perante uma ampla transformação cultural”.470 Para Bento XVI, as novas tecnologias da

comunicação pedem para ser postas ao serviço do bem integral da pessoa e da humanidade inteira. Segundo o papa,

o envolvimento cada vez maior no público areópago digital dos chamados “social network”, leva a estabelecer novas formas de relação interpessoal, influi sobre a percepção de si próprio e por conseguinte, inevitavelmente, coloca a questão não só da justeza do próprio agir, mas também da autenticidade do próprio ser.471

Aos representantes eclesiais, comunicadores e especialistas em comunicação dos cinco continentes, participantes na Assembléia Plenária do Conselho Pontifício para as Comunicações Sociais, que se reuniu no Vaticano, em fevereiro de 2011, Bento XVI deixou claro que a Igreja católica deve aprender e falar a “nova linguagem” dos meios de comunicação e das redes digitais. Para o papa, “não se trata só de expressar a mensagem evangélica na linguagem de hoje, mas de ter o valor de restabelecer de uma maneira mais profunda, como aconteceu em outras épocas, a relação entre a fé, a vida da Igreja e as mudanças que o homem está vivendo”.472

O bispo de Roma alertou os participantes na Assembléia para o “compromisso de ajudar todos que têm responsabilidade na Igreja a ser capazes de entender, interpretar e falar a

469 Ibidem. 470 Ibidem. 471 Ibidem.

472 ZENIT. A Igreja deve falar a nova linguagem da comunicação. Disponível em: <http://www.zenit.org

„nova linguagem‟ da mídia em função pastoral, em diálogo com o mundo contemporâneo”.473

Para isso, é necessário responder a estas perguntas: “Que desafios o chamado pensamento digital lança à fé e à teologia? Que perguntas e requisitos? Na verdade, “a cultura digital lança novos desafios a nossa capacidade de falar e escutar uma linguagem simbólica que fale da transcendência”.474 Bento XVI convida os participantes da Assembléia “a descobrir, também

na cultura digital, símbolos e metáforas significativas para as pessoas, que possam ser de ajuda ao falar do Reino de Deus ao homem contemporâneo”.475 A proposta do papa é

“promover uma comunicação verdadeiramente humana”, que deve analisar o novo fenômeno comunicativo “além de todo entusiasmo ou ceticismo fácil”.476 A contribuição daqueles que

acreditam deve ajudar “o próprio mundo dos meios de comunicação, abrindo horizontes de sentido e de valor que a cultura digital não é capaz por si só de entrever e representar”.477

Essa forma de compreender a comunicação nada mais é do que uma nova abordagem que as intenções conciliares sugerem, ou seja, ver a Igreja em primeiríssimo lugar como um espaço da koinonia, e não como uma instituição ou sociedade perfeita. Essa mudança de paradigma na compreensão da Igreja, comparado a eclesiologia dominante que prevaleceu no século anterior ao Concílio, é conhecida nos dias atuais como eclesiologia de comunhão.478 Esse princípio revela-se como chave para a compreensão da Igreja em relação a Cristo, “mostrando-se, igualmente, como o processo essencial de existência da Igreja e da existência

473 Ibidem. 474 Ibidem. 475 Ibidem. 476 Ibidem. 477 Ibidem.

478 Segundo Doyle, “a eclesiologia de comunhão representa um intento de ultrapassar as compreensões

meramente jurídicas e institucionais, acentuando as dimensões mística, sacramental e histórica da Igreja. Ela dirige enfoque às relações, quer seja entre as pessoas da trindade, entre os seres humanos e Deus, entre os membros da comunhão dos santos, entre os membros de uma paróquia ou entre os bispos dispersos por todo o mundo. Ela enfatiza a interação dinâmica entre a Igreja universal e as Igrejas locais. A eclesiologia da comunhão coloca em relevo o fato de que a Igreja não é simplesmente a receptora da revelação, mas, como corpo místico de Cristo, entrelaça-se com a própria revelação.” In: DOYLE, Dennis. Communion Ecclesiology: Vision and Versions. MaryKnoll, NY: Orbis Books, 2000, p.13 apud FUELLENBACH. John. Igreja: Comunidade para o Reino. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 224.

na Igreja, enquanto sua missão de ser luz e alma do mundo se constitui em um verdadeiro programa permanente para os cristãos”479

O sínodo dos Bispos de 1995 afirma que “a eclesiologia de comunhão é a idéia central e fundamental dos documentos do Concílio”.480 Já bem antes, em 1992, a Congregação para a

Doutrina da Fé observou que

o conceito de comunhão está „no coração da autoconsciência da Igreja‟, enquanto Mistério da união pessoal de cada homem com a Trindade divina e com os outros homens, iniciada na fé, e orientada para a plenitude escatológica na Igreja celeste, embora sendo já desde o início uma realidade na Igreja sobre a terra. Para que o conceito de comunhão, que não é unívoco, possa servir como chave interpretativa da eclesiologia, deve ser entendido no contexto dos ensinamentos bíblicos e da tradição patrística, nos quais a comunhão implica sempre uma dupla dimensão: vertical (comunhão com Deus) e horizontal (comunhão entre os homens). É essencial à visão cristã da comunhão reconhecê-la, antes do mais, como dom de Deus, como fruto da iniciativa divina cumprida no mistério pascal. A nova relação entre o homem e Deus, estabelecida em Cristo e comunicada nos sacramentos, expande-se ainda a uma nova relação dos homens entre si. Conseqüentemente, o conceito de comunhão deve ser também capaz de exprimir a natureza sacramental da Igreja enquanto estamos „longe do Senhor‟, assim como a peculiar unidade que faz dos fiéis os membros de um mesmo Corpo, o Corpo místico de Cristo, uma comunidade organicamente estruturada, um povo congregado na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo e dotado ainda com os meios adequados à união visível e social.481

Na verdade, a eclesiologia de comunhão, sem excluir outras categorias teológicas, tornou-se o ponto de partida para diversos estudos eclesiológicos e distintos projetos pastorais, assim como chegou a ser tema relevante de vários documentos do Magistério da Igreja. Nos documentos conciliares, a comunhão na Igreja se apresenta em duas versões: através do sentido primário, ou seja, a relação íntima que as pessoas tem com o mistério de Deus em sua divindade e que só se realiza por meio de Cristo Jesus, o Verbo encarnado.

479 HACKMANN, Geraldo Luis Borges. A Igreja, Mistério de Comunhão e as Exigências da Evangelização do

Mundo. In: Teocomunicação, Porto Alegre, v. 35, n. 147, [março] 2005, p. 16.

480 ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS - 1985. 2º ed., São Paulo:

Paulinas. 1986. Relatio Finalis, n. 1. p. 43-44.

481 CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre alguns Aspectos

Nesse aspecto, a Igreja é vista como ícone da Trindade, numa dimensão vertical da

koinonia.482 E a segunda versão se apresenta através do sentido secundário de comunhão, que é na sua dimensão horizontal, e se refere à relação entre os sujeitos, baseados na comunhão anterior com Deus.483 Para o Concílio Vaticano II, a forma concreta de comunhão na Igreja se dá em seu ser e agir através da communio fidelium, ou seja, todos os fiéis, como membros do Povo de Deus, participam da vida da Igreja e são responsáveis pela sua vida e missão. Porém, registra-se também no Vaticano II outras dimensões de comunhão, entre elas destaca-se: a

communio ecclesiarum, enquanto a única Igreja vive e se manifesta nas Igrejas particulares; a

communio hierarchica, manifestação da apostolicidade da Igreja; a communio pastorum, que articula o aspecto colegial do governo da Igreja; a communio sanctorum, presente em todas as dimensões de comunhão.484 Segundo Almeida, a Igreja é, em Cristo, sinal e instrumento da comunhão entre Deus e os seres humanos e da comunhão entre si. 485 Há uma dupla posição da Igreja: por um lado, a Igreja não está diante da sociedade, mas na sociedade; por outro, ela é para a sociedade, sinal e instrumento do Reino e de sua vinda.486

A identidade eclesial para a Igreja da América Latina e Caribe só pode ser compreendida a partir da perspectiva da eclesiologia da comunhão. Essa temática torna-se o centro e o eixo fundamental para entender os pronunciamentos das Conferências Gerais do Episcopado Latino Americano e Caribenho. Segundo Wollf, o diálogo e a comunhão são

482 Segundo Elias Wolff, “ou a Igreja é realidade de diálogo e comunhão, no sentido que é o espaço da koinonia

agápica entre o Pai, o Filho e o Espírito que se extravasa e gera a comunidade histórica do povo de Deus que se encaminha para o Reino, ou não é a ekklesía tou Theou. (...) A comunhão é vertical (com Deus) e horizontal (com as pessoas). Acontece no interior da comunidade de fé, e também fora dela. Por isso há que se buscar convergências e consensos teológico-pastorais dentro da Igreja, ao mesmo tempo que urge fortalecer o diálogo

ad extra, superando os conflitos existentes seja na relação entre agentes e instituições eclesiais, seja na relação da Igreja com o mundo, com outras Igrejas e com as religiões. Assim, o modo cristão de viver a comunhão não impede o reconhecimento de outras experiências para se viver a comunhão nas direções da verticalidade e da horizontalidade. In: WOLFF, Elias. O diálogo na Igreja e a Igreja do Diálogo no Documento de Aparecida. Disponível em: <http://www.cnbb.org.br/site/images/arquivos/files_48aea5cbe36db.pdf>. Acesso em: 29 setembro 2011, 21:54:45.

483 Cf. FUELLENBACH. John. Igreja: comunidade para o Reino. Op. cit. p. 226.

484 Cf. PEDROSA, Vicente Maria, et.al. Diccionario de pastoral y evangelización. Op. cit. p. 243.

485 ALMEIDA, Antônio José de. Sois um em Cristo Jesus. São Paulo: Paulinas; Valência, ESP: Siquem, 2004,

p. 90.

paradigmas eclesiológicos. O primeiro teórico, o segundo prático, ambos permitem “penetrar no mistério da Igreja de uma forma ou modo privilegiado para apreender adequadamente o conteúdo teológico da natureza e missão”487 da vida eclesial. Verifica-se atualmente que a

Igreja encara o mundo como lugar da auto-comunicação de Deus, lugar onde Ele se revela e permanece vivo, ao contrário de uma compreensão negativa do mundo, como recinto de impureza e pecado. O mundo é um lugar teológico onde Deus se encontra e habita; lugar onde