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A paternidade socioafetiva relaciona-se ao parentesco resultante de outra origem, conforme estabelecido no art. 1.593 do Código Civil brasileiro36. Quando se menciona origem, a referida diz respeito ao afeto, a convivência social firmada entre pai, neste caso, não necessariamente biológico, e seu filho. Em razão das mais diversas transformações no conceito de família, sobretudo nos dias atuais, falar neste formato de vínculo, ou seja, o vínculo socioafetivo, não deveria ser nenhuma novidade a todos, no entanto, a falta de uma legislação mais ampla, dificulta ainda a compreensão e a relevância do tema.

Na concepção de Nunes (2009, p. 232), o conceito de paternidade socioafetiva “revela dimensão cultural da paternidade, e deste modo, reclama não a identidade biológica entre pai e filho, contudo, uma correspondência entre este firmada na afetividade e no convívio social.” Ao encontro destes dizeres, acompanha Portanova (2016, p. 19), que define a paternidade socioafetiva como “a relação paterno-filial que se forma a partir do afeto, do cuidado, do carinho, da atenção e do amor que, ao longo dos anos, se constitui em convivência familiar, em assistência moral e compromisso patrimonial”.

O afeto passou a ser reconhecido e ganhar notoriedade com o advento da CF/88, com a ampliação dos direitos fundamentais e maior proteção à família, e desde então, as demandas

35Súmula 301 – Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz

presunção juris tantum de paternidade (Súmula 301, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 18/10/2004, DJ 22/11/2004, p. 425).

nos tribunais para a declaração que reconheça esta filiação não sanguínea tem aumentado significativamente, assim como, o número de estudos científicos que se atentem ao assunto.

3.2.1 Posse do estado de filho

Apesar de não haver de forma expressa a posse do estado de filho como prova de filiação em nosso sistema jurídico, a mesma, ainda é tida como indispensável quando analisada sob a ótica da filiação socioafetiva, segundo entendimento de Dias (2017, p. 428) “A filiação socioafetiva assenta-se no reconhecimento da posse de estado de filho: a crença na condição de filho fundada em laços de afeto. A posse de estado é a expressão mais exuberante do parentesco psicológico, da filiação afetiva”.

Acerca da importância da posse do estado de filho, destaca Carvalho (2012, p. 131), no sentido de que a mesma:

[...] propicia a proteção da pessoa, seja a criança, o adolescente, o jovem, ou mesmo o adulto, já que se está considerando a realidade vivida por eles e de uma realidade que manifesta uma paternidade ou maternidade querida, afetiva, proporcionando seu bem-estar físico-psíquico e material.

Há de se referir ainda que o art. 1.605, inc. II do Código Civil brasileiro37, há disposição genérica acerca da presunção de paternidade.

Cumpre-se ressaltar que para configuração da mesma, no entender da doutrina majoritária, sobretudo Dias (2017, p. 428), devem estar presentes ao menos três requisitos: o primeiro, denominado tractatus, relaciona-se a necessidade do filho ser criado, educado, e apresentado pelos pais às demais pessoas, como sendo filho destes; o segundo, conhecido por

nominativo, pelo qual o filho precisa usar o nome da família e fazer uso do mesmo ao se

identificar; por ultimo, mas não menos importante, é requisito, o chamado reputatio, ou seja, o reconhecimento pela opinião pública como se aquele filho realmente pertencesse à família que o alega pertencer. Entretanto, sabe-se que nada é mais importante para estar presente na

37Art. 1.605. Na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo

admissível em direito:

relação familiar do que a existência da afetividade entre pai e seu filho (a), além do companheirismo, da lealdade, e, sobretudo, do respeito mútuo.

3.2.2 Adoção à brasileira

A adoção à brasileira se constitui em dispositivo não regulado pelo direito brasileiro, ligado diretamente à filiação socioafetiva, e que pode ser muito bem conceituado nas palavras de Madaleno (2015, p. 893), como aquele “decorrente da paternidade ou maternidade socioafetiva, criada pelas pessoas que se declaram perante o Cartório de Registro das Pessoas Naturais como genitor ou genitora de filho biológico de outrem”. Há de se referir quanto a este dispositivo que, embora se constitua crime contra o estado de filiação, previsto pelo art. 242 do Código Penal38 o entendimento doutrinário e jurisprudencial parte no sentido que se deve retirar a ilicitude pela prática deste ato, ou seja, haver o perdão judicial. Isso ocorre, pelo fato de que, quando uma pessoa de forma voluntária, de modo espontâneo, registra filho de outrem como se o filho fosse seu, está evidenciado um vínculo socioafetivo entre ambos, de modo que fortalece, portanto, o instituto da família e acompanha consequentemente, os novos preceitos deste.

Contudo, no momento do rompimento do vínculo afetivo havido entre o casal, sendo interesse de um destes em desconstituir o ora mencionado registro, como comumente ocorre em casos onde há obrigatoriedade em arcar com a prestação de alimentos, é igualmente entendimento da doutrina a impossibilidade de se haver a mera anulação do mesmo, sob o fundamento preconizado pelo art. 1.604 do Código Civil39, além da expressa disposição trazida no art. 39, §1° do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/9040, ainda que haja o argumento no sentido do erro ou da falsidade.

38Art. 242. Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou

substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil.

39

Art. 1.604. Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando- se erro ou falsidade do registro.

40Art. 39. A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta Lei.

Parágrafo único. É vedada a adoção por procuração.

§1º - A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei.

O raciocínio de Dias (2017, p. 525), vai ao seu encontro, quando refere que:

[...] registrar filho alheio como próprio, sabendo não ser verdadeira filiação, impede posterior pedido de anulação. O registro não revela nada mais do que aquilo que foi declarado – por conseguinte, corresponde à realidade do fato jurídico. Descabido falar em falsidade (grifo do autor).

Ao filho adotado, se houver interesse em buscar conhecer acerca de sua paternidade, salienta-se que não há o mesmo impedimento do que existente em relação ao seu pai, na forma da determinação prevista pelo art. 48, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente41, independentemente da existência de filiação socioafetiva com aquele que consta registrado como pai.

Ainda, é de suma relevância o estudo acerca dos principais objetivos e conteúdos de projetos que tramitam no Senado Federal e que diretamente ligam-se ao direito de família, inclusive, dispondo sobre os vínculos da relação paterno-filial, constituindo-se estes, o Estatuto da Família e o Estatuto das Famílias.