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O sistema jurídico- penal português na doutrina e na jurisprudência quanto às finalidades das reações criminais são, essencialmente, orientadas para as doutrinas preventivas, gerais e especiais, não apenas nas afirmações de princípio mas, sobretudo, no processo de determinação da medida concreta da pena, o qual hoje se carateriza, maioritariamente, pela aplicação da chamada «teoria da moldura da prevenção» (Cf. Figueiredo Dias, 2005: 227- 231).

O ordenamento jurídico-criminal português continua empenhado, ao menos na letra da lei e na construção formal dos institutos jurídicos, na defesa da ressocialização do condenado não somente, como um dos desideratos da intervenção punitiva do Estado, mas também ao nível da execução da pena privativa de liberdade. O legislador nacional aditou a prevenção especial positiva como um dos fundamentos da intervenção da intervenção criminal, comportando forçosamente a inegáveis e profundas consequências na ordenação posterior. Acresce que o artigo 42.º do Código Penal prevê expressamente que, o sentido da execução da pena privativa de liberdade, de novo realçando a «reintegração social do recluso» com uma perspetiva, diríamos minimalista, qual seja, a de criar as condições necessárias para

Da Pena de Prisão

evitar a reincidência e não, como já referido, com o objetivo de modificar internamente qualquer estrutura de personalidade.

Os fins da pena, no nosso país, têm sido equacionados a partir de um objetivo essencial: a redução ou prevenção da criminalidade. Na concretização deste objetivo identificamos a prevenção geral e a prevenção especial. Neste sentido, toda a pena serve finalidades de prevenção geral e especial, tendo em conta que “Umas e outras devem coexistir e combinar-se da melhor forma e até ao limite possíveis, porque umas e outras se encontram no propósito comum de prevenir a prática de crimes futuros.” (Figueiredo Dias, 2001: 88). Assim, e tal como prescreve, o artigo 40.º do Código Penal Português, sob a epígrafe “Finalidades das penas e das medidas de segurança”, no seu n.º 1 que “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Pretende-se cumprir a finalidade de prevenção geral positiva ou integradora, nomeadamente, através da salvaguarda das expectativas dos cidadãos que só se efetiva pela confiança da sociedade na validade dos normativos jurídico-penais e pelo restabelecimento da paz social destruída de uma forma atroz aquando da prática do crime. Dir-se-á, então que o objetivo da prevenção geral positiva será o de preservar a sociedade, por um lado, evita-se a vingança privada e, por outro, e em nome da paz social, protege-se a vítima e a sociedade. Seria erróneo não afirmar que a pena criminal não tivesse na sua natureza um sentido de repressão ou retribuição pelo mal cometido mas, não significa, no entanto, que o direito penal vise a repressão em si, no sentido de aplicar uma pena de acordo com o desvalor ético do crime, mas sim, a necessidade de assegurar e preservar os interesses da sociedade manifestando, desta forma, a sua função utilitária. Por sua vez, a reintegração do agente na sociedade enquanto finalidade da punição consubstancia o que, vulgarmente, se designa de prevenção especial ou de socialização. Citando o Professor Doutor Figueiredo Dias (2001: 88ss), “ (…) as doutrinas da prevenção especial ou individual têm por denominador comum a ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do delinquente, com o fim de evitar que, no futuro, ele cometa novos crimes.”. Pelo exposto, podemos decerto afirmar que a finalidade de prevenção especial compreende e consiste quer na prevenção da reincidência, quer na reintegração e ressocialização do agente do crime. No entanto, a ressocialização do delinquente vai para além da prevenção da reincidência, tal como esta tem sido entendida. O que se pretende é que o delinquente não reincida, não por recear sofrer numa reação

Ressocialização no Meio Prisional: A Divergência entre o Discurso Politico e a Prática Institucional

uma vida ética e socialmente não reprovável, sendo que é, desta forma, que emerge o conceito de reinserção social.

A tendência que prevalece hoje na doutrina penalista portuguesa aponta no sentido da rejeição da teoria da retribuição. Porém, o princípio da culpa a que ele está ligado, mantém-se como um dado adquirido do património jurídico-cultural. A culpa é um pressuposto da pena e limite da medida da pena. Não há pena sem culpa e a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa (ver artigo 40º, nº 2, do Código Penal). O princípio da culpa é uma necessária decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana em que assente a República Portuguesa, como solenemente proclama o artigo 1º da Constituição.

Porém, atualmente assiste-se a uma outra tendência que tem vindo a influenciar o Direito Penal e a execução das reações criminais e, que em tudo divergem com a proposição político criminal que se traduz em apontar à intervenção punitiva a finalidade de socialização, que é: a crescente importância do pragmatismo, do «atuarialismo» e do «managerialismo» (Barbara,2008: 157-164). Sucintamente, qualquer um dos três eixos propende para uma administração da justiça penal mais empenhada na redução de custos, na maior racionalidade económica na abordagem do fenómeno criminal, do que, na otimização dos resultados preventivos gerais e especiais. Num sistema teleologicamente orientado, mais do que a otimização de resultados através da pena é, a redução de custos e a eficiente gestão dos recursos em matéria de política criminal.

Em matéria de política criminal, à emergência do «managerialismo», isto é, a visão do Direito Penal como um mecanismo de gestão eficiente de determinados problemas, sem conexão com os valores que estiveram na base do Direito Penal clássico (verdade, justiça), que passam a ser vistos muito mais como obstáculos, como problemas em si mesmos, que se opõem a uma gestão eficiente das questões de segurança. Ao managerialismo penal corresponde o novo discurso criminológico, chamado “atuarial”. «atuarialismo» e «managerialismo», embora não signifiquem exatamente o mesmo, respondem a uma mesma lógica tecnocrática, e foram assimilados como manifestações de uma mesma racionalidade que impregna as técnicas de controlo do delito na atualidade. A criminologia atuarial propõe uma mudança de paradigma, com o abandono do discurso correcional, característico do welfare state, e do debate a respeito das causas do delito. No modelo atuarial, já não se pretende um projeto disciplinar, entendido no sentido foucaultiano como

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modalidade de poder que garante a docilidade e utilidade dos indivíduos. A aceitação da inevitabilidade da sociedade do risco, dominada pela racionalidade econômica, implica em combater a criminalidade com técnicas de gestão atuarial. No âmbito criminológico, abandona-se a ideia de que a delinquência existe como consequência de determinadas privações ou problemas sociais. No âmbito da política-criminal, o atuarialismo considera que os conceitos econômicos básicos, como racionalidade, maximização, custos e benefícios, etc., são fundamentais para entender, explicar e combater de maneira efetiva a atividade criminal.

Ressocialização no Meio Prisional: A Divergência entre o Discurso Politico e a Prática Institucional

4. O PENSAMENTO PENOLÓGICO EUROPEU e os DIREITOS

HUMANOS

O primado dos Direitos Humanos exerceu uma grande influência no pensamento penológico europeu, tendo implicações simultaneamente na teoria e prática da aplicação de penas, bem como na justificação de punições específicas, na avaliação da justiça das penas, e na melhoria das condições das instituições penitenciárias. Os instrumentos de direitos humanos assumem-se como um mecanismo-chave para alcançar a justa punição, sendo os direitos eles próprios um elemento importante em muitas das teorias de penas, (Por exemplo, os direitos naturais são uma dimensão importante da teoria retributivista, que reconhece o direito de o infrator ser tratado com respeito, e como um ser humano autónomo). Os Direitos humanos tornaram-se numa forma de criticar os sistemas penais e penitenciários na europa em geral, moldando o seu pensamento penológico, bem como o corpo de leis penais e políticas criminais que foram fortemente influenciados pelos princípios fundamentais dos Direitos Humanos.

As violações em massa dos Direitos Humanos ocorridas durante a Segunda Guerra Mundial foram determinantes para que no seu rescaldo fossem canalizados todos os esforços necessários para que os Direitos Humanos fossem envolvidos na nova ordem mundial emergente. A afirmação dos princípios dos Direitos Humanos tiveram implicações em todas as fases e procedimentos do sistema de justiça criminal, desde os interrogatórios, detenção de suspeitos antes do julgamento, o tratamento da prisão preventiva e a concessão de fiança, o direito do arguido a um julgamento justo, o direito de ser presumido inocente, o tratamento de testemunhas, a prisão preventiva, o direito para ser liberto quando a própria sentença estiver cumprida, e o direito de não ser sujeito a um tratamento injusto e discriminatório. O crescente reconhecimento dos Direitos Humanos aplicado aos reclusos na europa, incluindo o princípio da aplicação da pena de prisão como medida de último recurso, pode também ser atribuído à crescente sensibilização e perceção das características deletérias das prisões enquanto instituição e das consequências prejudiciais da privação da liberdade.

O Pensamento Penológico Europeu e os Direitos Humanos