• Nenhum resultado encontrado

PREVENÇÃO ESPECIAL POSITIVA

10. ESTUDO DE CASO: Estabelecimento Prisional da Carregueira O Estabelecimento Prisional da Carregueira foi criado pelo Decreto-Lei n.º 273/97 de 8 de

10.4. A Visão do Técnico Superior de Reeducação

Ressocialização no Meio Prisional: A divergência entre o discurso político e a prática institucional

Decreto-Lei n.º 346/91, de 18 de Setembro, o conteúdo funcional de TSR engloba: o desenvolvimento de atividades necessárias ao acolhimento dos reclusos em colaboração com o IRS e com os restantes serviços do estabelecimento prisional; a concepção, adoção e/ou aplicação de métodos e processos técnico/científicos considerados mais adequados ao acompanhamento dos reclusos durante a execução da pena privativa de liberdade, nomeadamente no que respeita à elaboração e atualização do PIR e à emissão de pareceres legalmente exigidos ou superiormente solicitados; a prestação de assessoria técnica à direção dos EP´s, à execução do plano individual de tratamento de detidos, nomeadamente no que concerne à colaboração laboral, à frequência de cursos escolares, formação profissional, à aplicação de sanções disciplinares e à alteração do regime de cumprimento da pena; o apoio aos tribunais de execução de penas através da elaboração de relatórios, emitindo pareceres sobre a evolução da personalidade dos reclusos durante a execução da pena de modo a habilitar os juízes a avaliar a persistência ou não de perigosidade e a viabilidade da sua reinserção social; a elaboração de programas e a execução de estudos psicossociais de acompanhamento individual dos delinquentes; a concepção e desenvolvimento de projetos de atuação a nível de grupos específicos em risco psicoafectivo, designadamente toxicodependentes, portadores de doenças transmissíveis, jovens adultos e doentes mentais; a concepção de programas de prevenção primária e secundária, nomeadamente de consultas, tratamento e apoio permanente a reclusos em risco e/ou consumidores de drogas; a organização e dinamização e atividades culturais, recreativas, formativas e de educação física e à promoção da vertente psicossocial dos mesmos; a organização do contacto dos reclusos com o meio exterior, incentivando a troca de correspondência e o convívio periódico com familiares e amigos; organização de cursos escolares de diferentes graus de ensino, estimulando os reclusos à sua frequência e estabelecendo os contactos necessários com o Ministério da Educação; o fomento do acesso a reclusos aos meios de comunicação social por forma a mantê-los informados dos acontecimentos relevantes da vida social; o estímulo à participação de grupos de voluntários da comunidade na vida prisional em ordem de viabilizar a ressocialização futura dos reclusos; e a organização de estudos estatísticos e a elaboração de planos e relatórios de atividades.

Contudo, a experiência vivida no dia-a-dia destes profissionais demonstram que, perante tal diversidade de tarefas normativas, muitas delas acabam por ser negligenciadas. A escassez de recursos humanos, nomeadamente de TSR´s, o elevado número de reclusos

Estudo de Caso: Estabelecimento Prisional da Carregueira

atribuídos a cada técnico, a grande carga de volume de tarefas burocráticas é apontada como os principais obstáculos à concretização de determinadas tarefas fundamentais no acompanhamento de reclusos. A técnica “SC” referia que: “(…)atendendo ao numero de reclusos atribuídos a cada técnico superior de reeducação, afigura-se difícil individualizar o acompanhamento dos reclusos atendendo às suas características e necessidades especificas, que consideramos fundamental para o desenvolvimento e concretização de uma intervenção verdadeiramente eficaz.”. Em resposta ao questionário a técnica “EC” acrescentava que: “ (…) o número elevado de reclusos e o excesso de trabalho de secretária impossibilitam o necessário acompanhamento individualizado dos reclusos…”

TSR EC.

Em conversa com a TSR “SC”, ela revelava que o tempo despendido a elaborar relatórios para o Tribunal de Execução de Penas; relatórios de liberdade condicional; de antecipação da liberdade condicional; de Regime Aberto no Interior; pareceres quanto a licenças de saída jurisdicionais; a preparação dos conselhos técnicos internos e externos; dar resposta aos pedidos de visitas e às informações sobre as demais áreas, fazia com que das quarenta horas de serviço semanais apenas consegue despender, com dificuldade, de dez horas para o atendimento de reclusos, e muitas vezes chegou a ter de levar serviço para casa.

A verdade é que, perante o volume de trabalho os técnicos não conseguem dar resposta ao elevado número de pedidos de atendimento por parte dos reclusos, originando a insatisfação por parte da generalidade dos reclusos.

“ já fiz mais de 14 pedidos e nunca fui chamado, onde está a reinserção social aqui?”107 “ … uma pessoa mete pedidos urgentes para resolvermos os nossos problemas e ninguém diz nada, nem nos respondem (…) se for preciso só me veem umas seis vezes em dez anos…” Recluso J.

“… este é o EP onde os serviços de educação funcionam pior, não atendem os reclusos e se nos pedidos de atendimento tivermos o azar de colocar o assunto a tratar, então aí é que nunca mais nos chamam, eu limito-me a colocar “com a máxima urgência”, mesmo que não seja…” Rec. C.

Ressocialização no Meio Prisional: A divergência entre o discurso político e a prática institucional

“(…) acompanhamento aqui não há, não sei qual foi a última vez que a minha educadora me chamou. Aqui não há perspetivas de futuro, não há ressocialização na prisão, somos fechados aqui dentro e é só esperar pelo dia de sairmos, mais nada.”Rec. MV

A TSR “H” referia que, perante o elevado numero de reclusos atribuídos a cada técnico e o pouco tempo disponível para os atendimentos, o que acontece é que a natureza dos atendimentos nada têm a ver com acompanhamento educativo, sendo sobretudo para resolver problemas pessoais, relacionados com pedidos de visitas, saídas jurisdicionais, visitas intimas, pedidos de ingresso em atividades, entre outras que nada têm a ver com o processo educativo, a mesma fonte alertava para a existência de reclusos que, pela sua descrição, e nunca solicitarem atendimento, que os seus técnicos nem os conhecem.

Uma dificuldade acrescida ao trabalho de acompanhamento dos reclusos são os objetivos estabelecidos pela administração prisional (a DGRSP). Os objetivos assumem um carater quantitativo, como se pode verificar no relatório anual de 2010108, “ aumentar em 100% as avaliações dos reclusos nos 60 dias após a data de entrada no EP”, “ aumentar em 10% os números de PIR´s aprovados até 31.12.2010 face aos à % de PIR´s aprovados até 31.12.2009”, aprovar as avaliações dos reclusos preventivos em Conselho Técnico Interno”. Destes objetivos dependem as notas de avaliação dos TSR´s, cuja persecução retira o pouco tempo disponível para o devido acompanhamento individual dos reclusos. Sobre esta matéria o adjunto MJR pronuncia-se da seguinte forma:

“Há realmente uma exigência, por questões estatísticas, de quantificação do trabalho efetuado por parte da DGRSP. Esta exigência impede muitas vezes o sucesso das medidas propostas. Os números sobrepõem-se à eficácia das intervenções. É mais importante o número de reclusos que frequentam a escola do que aqueles que têm sucesso escolar. É mais importante o número de reclusos que frequentam as bibliotecas do que o tipo de livros que os mesmos requisitam para ler. É mais importante o número de ações realizadas de programas de treino de competências do que a verificação da eficácia dos mesmos. É mais importante saber quantos cursos de formação profissional tem o EP a decorrer do que saber se os cursos existentes são os adequados às necessidades da população reclusa e da sociedade onde se vão integrar. É mais importante saber o número de reclusos que estão ocupados do que saber o tipo de ocupação que lhes é dada. Funciona fundamentalmente a parte quantitativa (…) porque os números permitem discursos de fácil publicidade na comunicação social. Tudo isto contraria o espirito das leis que enquadram o tratamento penitenciário”109

A mesma fonte acrescenta:

108 Ver: http://www.dgsp.mj.pt/backoffice/Documentos/DocumentosSite/Rel_Actividades/Rel_Act_Vol-

1_2010.pdf

Estudo de Caso: Estabelecimento Prisional da Carregueira

“ Há objetivos emanados dos Serviços Centrais da DGRSP mas são objetivos quantitativos

(quantos PIRs, quantas saídas ao exterior, etc.). Os objetivos determinados pela tutela central, na maioria dos casos, são quase impeditivos do funcionamento normal dos EP’s. Muitos dirigentes da DGRSP não sabem ou desconhecem o que é, e como funciona um espaço prisional. Fazem visitas esporádicas e apenas lhes é mostrada a parte “bonita” do sistema. O desconhecimento da realidade prisional leva a que emanem diretivas teóricas ineficazes na sua aplicação. Os procedimentos a nível nacional já estão uniformizados, já há um regulamento geral dos EPs, já há um conjunto de programas para serem aplicados aos reclusos…mas há um desajustamento entre o dia-a-dia prisional e as normas/diretivas ditadas pelos serviços centrais. Quando nos serviços prisionais houver um conjunto de profissionais que tenham passado/trabalhado, um tempo significativo nos EPs, talvez possam produzir “documentos “ teóricos que consigam ser complementados pela sua aplicação pratica…”

Um outro problema apontado está associado à falta formação e aos critérios de recrutamento dos TSR´s da DGRSP. Os critérios de recrutamento para a carreira de técnico superior de reeducação tem como requisitos fundamentais, para além dos requisitos gerais de ingresso na função pública, a licenciatura em ciências sociais e humanas ou em direito, o que, atendendo ao conteúdo funcional do técnico superior de reeducação e às características particulares da população a quem se destina a sua intervenção revela-se insuficiente para uma intervenção satisfatória no âmbito da reeducação e reinserção através do tratamento penitenciário.

“ (…) Não existem princípios orientadores mais específicos que estruturem a intervenção dos Técnicos de Reeducação no âmbito do tratamento prisional, nem qualquer formação.”

TSR H.

“A instituição apresenta propostas de acompanhamento que visam a reeducação/reinserção mas cuja prática transforma os técnicos em “burocratas” ao serviço dos reclusos. (…) Por outro lado os Serviços Prisionais têm “falhado” nos atos de seleção dos candidatos a esta carreira específica da Administração Publica por terem apenas tido apenas em conta o facto de os candidatos terem uma licenciatura ou outra habilitação académica superior, descurando a procura de candidatos com “características pessoais” para o exercício da função de técnico de educação. As exigências podiam passar por verificar se os candidatos têm capacidade de escuta, empatia, oralidade adequada ao momento interativo (com o recluso), elaboração de estratégias que tenham em conta a singularidade da personalidade de cada recluso, etc.” Adjunto MJR

Considerando as características particulares e exigências da natureza do serviço dos técnicos, seria importante que, independentemente da formação base de cada um, existisse

Ressocialização no Meio Prisional: A divergência entre o discurso político e a prática institucional

acontece. Perante a inevitável necessidade das tarefas administrativas e processuais relacionadas com os reclusos, exercidas pelos técnicos, suscitáveis de serem avaliadas e quantificadas pelas demais entidades, seja a tutela, entidades governativas ou instituições internacionais, as tarefas que acabam por ser negligenciadas são as relacionadas com o acompanhamento individual e observação do recluso, preceito fundamental para que se possa, de forma fundamentada conhecer, analisar e delinear uma estratégia de intervenção penitenciaria que contribuía para as necessidades educativas/reeducativas, ou outras necessidades que sejam, que possam efetivamente contribuir para uma reinserção na sociedade do individuo. Tal como refere a TSR H: “Quando é possível individualizar o tratamento prisional, tendo em conta as características dos reclusos, aumenta a probabilidade de sucesso da nossa intervenção. Contudo, na maior parte das situações não se trabalha uma verdadeira mudança no recluso, apenas se fazendo a gestão do seu quotidiano.”

As atuais restrições orçamentais condicionam a adoção de reformas que permitam colmatar algumas das debilidades com que se deparam hoje os serviços prisionais em termos de tratamento e acompanhamento penitenciário, nomeadamente no que toca a admitir mais técnicos. Porém, e como se constatou, o problema vai além da quantidade de técnicos a operarem no meio prisional, sendo necessário uma alteração no atual modelo de abordagem ao tratamento penitenciário e elaboração de estratégias que, em termos qualitativos, procurem, dentro do possível, ir de encontro ao espirito social e integrador que carateriza a nossa lei.