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O Processo de Ressocialização Perante a Segregação Social

PREVENÇÃO ESPECIAL POSITIVA

9.5. O Processo de Ressocialização Perante a Segregação Social

A pena de prisão e a concomitante perda de liberdade resulta, invariavelmente, em perda de acesso à vida fora das paredes da prisão. A entrada na prisão representa também uma rutura com os códigos que regulam a vida em sociedade e a inserção num meio caraterizado por uma subcultura própria, com rígidos códigos de conduta entre reclusos, um meio marcado pela constante tensão originada pelas rotinas e regras institucionais e, pela relação com a restante comunidade reclusa com quem, obrigatoriamente têm de conviver. Tal realidade exige uma constante e permanente necessidade de adaptação ao meio particular que o envolve e a todas as adversidades que o carateriza (escassez de privacidade; escassez de intimidade; escassez de liberdade, de autodeterminação, submetido a regras institucionalmente impostas e ao convívio com pessoas que não

Ressocialização no Meio Prisional: A divergência entre o discurso político e a prática institucional

escolheu). A exigência deste processo acaba por se repercutir no próprio individuo enquanto ser humano e social que é, pautando-se por inúmeras mudanças cognitivas, sociais e económicas). A adaptação ao meio prisional impõe ao individuo a necessidade de reconstrução da sua identidade a fim de assegurar a “sobrevivência” neste novo meio. Esta adaptação (própria da natureza humana) do individuo a um meio confinado atesta, desde logo, à falha do sistema prisional enquanto meio de ressocializar o agente. Sobre esta questão, Tompson (1980: 173) expressa-se da seguinte forma:

“ (…) treinar homens para a vida livre submetendo-os a condições de cativeiro, afigura-se tão absurdo como alguém se preparar para uma corrida, ficando na cama durante semanas (…) a adaptação à prisão implica em desadaptação à vida livre[…]”.

O retirar ao individuo a capacidade de autogestão da sua vida, traduz-se com o tempo numa passividade mórbida, e uma acomodação que implicará uma enorme dificuldade de ressocialização fora da prisão, pois a vida em sociedade e o mercado laboral, exige capacidade de decisão e de sentido de iniciativa que o meio prisional reprime.

Os condicionalismos que caraterizam a prisão, tornam um facto incontroverso a impossibilidade de ressocializar uma pessoa mantendo-a afastada da sociedade, pois, tal tarefa exige experiências práticas não podendo se limitar à teoria. De forma inversa ao pretendido, a prisão afasta o individuo da sociedade, enfraquecendo os seus elos familiares e, desadaptando-o do convívio social à medida que, progressivamente adquire outros hábitos próprios da subcultura prisional. Bittencourt (2011: 378), aponta a perda da convivência social e os seus benefícios associados como um dos fatores mais negativos à ressocialização pela prisão, referindo que a segregação de uma pessoa do seu meio social ocasiona uma desadaptação tão profunda que resulta numa difícil reinserção social do delinquente. O autor acrescenta que os efeitos negativos da reclusão são tão maiores, quanto mais longa for a pena, uma vez que, a sociedade sofre mudanças tão profundas de forma tão rápida, que é impossível ser acompanhado por quem não está inserido nela. Face a esta ultima questão, as instituições prisionais pouco têm conseguido fazer para mitigar os efeitos negativos da segregação social e a consequente desadaptação. As administrações prisionais debatem-se com as dificuldades organizativas, gerindo (de forma mais ou menos satisfatória), com parcos recursos (materiais e humanos) estabelecimentos prisionais sem capacidade para acolher o número de reclusos que albergam e, ainda assim,

Impedimentos e Divergências à Concretização da Prevenção Especial Positiva

conseguir manter a ordem prisional e a segurança de reclusos e funcionários. Perante tal cenário é difícil conjeturar capacidade para que se consiga dotar a prisão enquanto um espaço dinâmico que, durante “ a execução, na medida do possível, evita as consequências nocivas da privação da liberdade e aproximar-se das condições benéficas da vida em comunidade”93.

Uma contradição evidente, está relacionada com o que o sistema penológico94 exige ao recluso para que este tenha uma avaliação positiva no seu percurso prisional. Neste contexto, o recluso exemplar não será o que toma iniciativa, mas o que se conforma e obedece à sua condição de recluso, condição que lhe exige que esqueça toda a tomada de iniciativa com a qual, abruptamente, se deparará no dia da sua libertação. O recluso aprende assim, a viver numa instituição em que poucas decisões deverá tomar e, das poucas decisões que tomará nenhuma dependerá a sua subsistência. Desta forma, o recluso aprenderá a viver de uma forma que o desadaptará a viver no meio livre, ou seja, aprenderá: a viver sem dinheiro, sem pensar como pagará as despesas; a viver sem precisar de fazer compras, preparar comida, tudo é fornecido pela instituição; a obedecer sem questionar muito o porquê, a não tomar iniciativas que “agitem” muito o ambiente prisional – de delinquente passará a bom recluso para que possa alcançar a liberdade mais cedo; a perder a intimidade, a viver num mundo não misto, com poucas (ou nenhumas) relações afetivas; aprende-se a repetir, os horários e as rotinas repetem-se dia após dia. Em entrevista, o recluso “BA”, condenado a 25 anos por homicídio, quando questionado se achava que necessitava de acompanhamento quando saísse em liberdade, respondeu: “Se me perguntasse isso quando vim preso, dizia-lhe que não. Sempre trabalhei, nunca me meti em “brasas”. Mas agora sim, acho que sim! Estou completamente desadaptado à vida lá fora. Eu tenho as ideias muito definidas, ir trabalhar e aproveitar o tempo com a minha família, mas estou muito revoltado e não sei o que vou encontrar lá fora, são muitos anos aqui dentro fechado, sempre com as mesmas rotinas.”

93 Artigo 3.º, n.º5 da Lei n.º 115/2009 de 15 de Outubro

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Ressocialização no Meio Prisional: A divergência entre o discurso político e a prática institucional