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As prisões diferem de quaisquer outras instituições sociais, sendo descritas por diversos cientistas sociais, como Irving Goffman (1961: 15-64), o exemplo mais proeminente de uma “instituição total”. As instituições totais caracterizam-se pelo facto de, ao contrário do que acontece no normal dia-a-dia, os reclusos regem a conduta de diversos aspetos da sua vida, tal como, comer, dormir, trabalhar ou laser, no mesmo local e sob a mesma autoridade, na imposição da companhia de diversas pessoas (sejam ou não do seu agrado), e seguindo um esquema estruturado de atividades imposto pela autoridade legitimada através de regras formais. Tais regras são executadas por funcionários, que visam cumprir os objetivos oficiais impostos pela instituição. Esta definição aplica-se à descrição de um EP onde, regra geral, os reclusos coabitam dentro da instituição tendo pouco contacto com o mundo exterior, enquanto, os funcionários estão devidamente integrados com o mundo exterior.

As prisões diferem das demais instituições totais, sobretudo devido ao seu principal objetivo não ser o de garantir bem-estar, como o que acontece com os lares de idosos ou sanatórios, mas sim, proteger a sociedade. Independentemente de qualquer outro objetivo, tal como a reforma, a reintegração, ou a normalização, as prisões são primordialmente locais de custódia e punição. As prisões são descritas como fortalezas sociais, arquitetadas e simbologicamente concedidas para manter os criminosos fechados durante o período de tempo que o sistema de justiça penal achasse necessário.39 Os requisitos de segurança daí resultantes moldam fundamentalmente o dia-a-dia nas prisões. Todos os aspetos da vida dos reclusos são afetados pelo regime prisional, sendo este caracterizado pelo seu sistema hierárquico, pela rotina, degradação, categorização burocrática, segregação através de processos que envolvem a perda do seu (o recluso) papel desempenhado no “mundo exterior”, sendo este substituído pelo papel de ´criminoso` e ´recluso` e, também pela perda de autonomia, privacidade e de controlo do destino da sua vida. Sykes (2006: 164- 172), salienta a dupla perda de liberdade inerente ao regime prisional, onde o recluso primeiramente é confinado à instituição (privação ao mundo exterior), posteriormente é confinado dentro da instituição (privação imposta pelo regime prisional). Esta dupla

Ressocialização no Meio Prisional: A divergência entre o discurso político e a prática institucional

privação de liberdade requere uma exigente e permanente necessidade de adaptação do individuo ao novo meio, tornando assim questionável, a viabilidade de tal sistema preparar as pessoas para a vida em meio livre.

Todos estes processos começam com os procedimentos de admissão do infrator no meio prisional (fotografias; impressões digitais, banho, pesagem, revista por desnudamento, revista aos pertences pessoais, substituição de roupa pessoal por um uniforme, entre outros). Uma vez dada entrada na prisão, certos procedimentos fazem parte da rotina diária, tais como: as buscas às celas, bem como aos seus pertences e correspondência; as revistas por desnudamento. Portanto, a autoridade institucional afirma-se assim controlando as vidas dos reclusos de forma detalhada incomum em qualquer outro contexto. As cadeias também diferem também de outras instituições totais, na medida do desequilíbrio de poder entre os reclusos e os funcionários prisionais. Os reclusos estão sujeitos a uma autoridade que muitas das vezes não são por eles reconhecidas como legitima, no entanto os responsáveis pelos serviços prisionais, podem usar a coerção (em caso de necessidade) contra eles de forma a afirmar a autoridade (R. Sparks, 1996: 39). Estas fundamentais características da prisão, não deverá nos levar a encobrir as complexidades da vida na prisão e das importantes variações nas organizações socias nas diferentes prisões. O aparente monopólio do poder nas mãos da instituição prisional é diminuído pelo rácio existente entre guardas e presos, onde os primeiros estão expressamente em desvantagem numérica, e pela necessária confiança depositada pelos funcionários prisionais na cooperação com os reclusos no desempenho das rotineiras tarefas diárias (G. Sykes, 1958: 74ss). De forma a obter esta necessária cooperação entre funcionários e reclusos muito evoluiu ao longo da história, passando de regime autoritários e totalitários onde os reclusos eram forçados a obedecer através do recurso à violência, até ao pós- autoritarismo que, muitos autores defendem, caraterizar as prisões de hoje, onde os guardas estão sujeitos a uma diversidade de pressões para alcançar um tolerável modus vivendi com os reclusos através da acomodação e compromisso. Nas mais recentes literaturas penológicas, os autores diferem na sua análise quanto à persistência dos aspetos totalitários persistirem nas modernas prisões europeias. Alguns dão enfase à diminuição do totalitarismo através do crescente reconhecimento dos direitos dos reclusos e na introdução de serviços exteriores. Outros afirmam que a essência da prisão enquanto instituição total permanece inalterada, afirmando que o propósito da prisão continua a ser a de proteger a

Do Sistema Prisional

sociedade dos delinquentes, e não a de promover os seus interesses, permanecendo assim os reclusos completamente dependentes e subordinados à instituição, que assegura o controlo das suas vidas (Chauvenet, 1996: 45-70).

Todos estes elementos deverão ser entendidos no contexto de relativa privação e escassez que carateriza a vida na prisão. As privações com mais importância foram descritas por Gresham Sykes (op. cit: 112) como as “ as cinco dores do aprisionamento”: privação de liberdade; de bens e serviços; de relações heterossexuais; autonomia; e segurança. Estas privações, são responsáveis por muitas das características especiais da comunidade reclusa, uma vez que, muitas das insurgências dos reclusos surgem a partir das suas tentativas de adaptação ou compensação dessas carências.

Estas características incontornáveis das prisões resultam do facto das prisões serem concebidas para garantir a segurança e, a manutenção da ordem e disciplina prisional ao invés de um sistema concebido para reproduzir um ambiente “ressocializador”, dinâmico e positivo que estimule o recluso à aquisição das valências e valores necessários a um regresso ao meio livre, recusando a outrora conduta criminal. Tal como Webster (1997: 117) refere, “ a ordem e segurança não são uma condição natural do meio penitenciário. Desde logo porque não se poder presumir o consenso entre os presos quanto à legitimidade das autoridades. […] os presos à partida não reconhecem a legitimidade do controlo e da vigilância a que são sujeitos. A sua cooperação é tudo menos um axioma. Não há, de facto, qualquer sentido de obrigação ou de dever eu os induza a um assentimento incondicional perante o poder na organização. Pelo contrário, num meio como o prisional tem forçosamente que haver um elemento importante de controlo”. Este imperativo securitário, fundamental, para garantir a segurança, não só dos reclusos como também da sociedade, antagoniza a adoção de um ambiente prisional mais flexível e aberto que satisfaça os necessários requisitos ressocializadores.