• Nenhum resultado encontrado

A penalidade de inabilitação para o exercício de função pública

5. Discussões relevantes sobre a inelegibilidade

5.4 A inelegibilidade e as demais situações de não elegibilidade

5.4.2 A penalidade de inabilitação para o exercício de função pública

A inabilitação para o exercício de função pública constitui uma “sanção de natureza político-administrativa cuja consequência é o impedimento de o sujeito exercer qualquer função pública”448. Tal cominação é aplicada em razão da prática de crime de responsabilidade pelo agente público e impede, também, o exercício ou a assunção de cargos eletivos.

No ordenamento jurídico brasileiro, há três diplomas normativos que tratam da matéria: (i) a CF/88, no art. 52, define o Senado Federal como órgão julgador em face de determinadas autoridades, tais como o Presidente e o Vice-Presidente da República, os Ministros do STF, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União; e, no art. 85, estabelece os bens jurídicos tutelados para identificação dos crimes de reponsabilidade do Presidente da República; (ii) a Lei n.º 1.079/1950 regulamenta a norma constitucional e tipifica os crimes de responsabilidade, inclusive os atribuídos aos Governadores e Secretários dos Estados, regulando o processo de julgamento; e (iii) o Decreto-Lei n.º 201/1967 define os crimes de responsabilidade dos Prefeitos e sua sujeição ao julgamento pelo Poder Judiciário.

447 É o que afirmou o TSE, no REspe n.º 101-96, j. 14/2/2017, DJe de 6/3/2017, referente ao art. 45, § 1º, LE. 448 CONEGLIAN, Olivar Augusto Roberti, Inelegibilidade ..., cit., p. 80.

157

No âmbito federal, o julgamento do crime de responsabilidade efetuado pelo Senado é de natureza nitidamente política e a condenação ocorre se forem obtidos dois terços dos votos dos Senadores449. A penalidade será de “perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis” (art. 52, parágrafo único, CF/88), ou seja, além de o condenado ser privado do cargo que exerce, ficará automaticamente impedido de exercer qualquer função pública pelo prazo de 8 (oito) anos

Nesse sentido, a doutrina brasileira sempre foi pacífica quanto à vinculação lógica e imediata entre a perda do cargo e a inabilitação, considerando o teor da descrição típica do dispositivo constitucional e a própria finalidade que se busca na apenação pela prática de crime de responsabilidade, que é a de impedir que, durante certo período, o condenado venha novamente a exercer uma função pública no Estado450.

Exatamente com base nesse entendimento, o Senado Federal, através da Resolução n.º 101/1992, ao julgar procedente a representação por crimes de responsabilidade imputados ao ex-Presidente da República Fernando Collor de Mello, e a despeito da renúncia por este apresentada ao Congresso Nacional, aplicou-lhe a “sanção de inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”, decisão que fora reconhecida como válida e constitucional pelo STF451.

Todavia, no processo de impeachment da ex-Presidente da República Dilma Roussef, o Senado resolveu votar, distintamente, a aplicação das penalidades de perda do cargo e de inabilitação. Como resultado, conforme Resolução do Senado n.º 35/2016, aprovou-se apenas a perda do cargo de Presidente da República, sendo rejeitada a inabilitação para o exercício de outra função pública, o que permitiu à condenada, inclusive, disputar as eleições de 2018 para o cargo de Senadora pelo Estado de Minas Gerais, não logrando êxito no certame452.

449 No caso de condenação dos crimes de responsabilidade praticados por Prefeitos, a inabilitação é aplicada diretamente pelo Poder Judiciário, consoante regramento contido no Decreto-Lei n.º 201/1967.

450 Cfr. SAMPAIO, José Adércio Leite, A Constituição reinventada ..., cit., p. 537.

451 Sobre a atuação do STF neste impeachment, cfr. TEIXEIRA, José Elaeres Marques, A doutrina das questões

políticas no Supremo Tribunal Federal, dissertação de Mestrado em Direito, sob a orientação do Professor Doutor

SILVIO DOBROWOLSKI, apresentada à Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004. Disponível em <http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/87028>, acesso em 19/4/2020.

452 Houve, a propósito, ações de impugnação ao registro de candidatura de Dilma Roussef, sob a alegação, entre outras, de que, a despeito da cisão de julgamento feito pelo Senado Federal no procedimento de impeachment, a candidata estaria inabilitada para o exercício de função pública por 8 (oito) anos. O TSE, ao apreciar o RO n.º 0602388-25, pss. 4/10/2018, manteve a decisão proferida pelo TRE de Minas Gerais que julgou improcedente as impugnações e deferiu o registro de candidatura, justificando, essencialmente, que não caberia à Justiça Eleitoral rever a decisão do Senado Federal, que não aplicou a penalidade de inabilitação à candidata.

158

Conceituado o instituto e apresentado, resumidamente, o contexto de sua aplicação na história política brasileira, a questão que urge saber é em qual categoria jurídica a pena de inabilitação pode ser enquadrada entre as restrições ao exercício da elegibilidade.

Em precedente antigo, no REspe n.º 16.684, pss. de 26/9/2000, o TSE apontou que a inabilitação seria uma condição de elegibilidade por implicar em restrição ao exercício dos direitos políticos453. Em verdade, porém, a inabilitação não acarreta a suspensão ou perda desses direitos, eis que inexiste essa hipótese no rol do art. 15 da CF/88, além de não atingir, nem indiretamente, os direitos de votar, de propor projeto de iniciativa popular ou de praticar as demais prerrogativas da cidadania. De outro vértice, a se admitir como correto o julgado do TSE, e considerando que todas as restrições à elegibilidade impedem o exercício de parcela dos direitos políticos, se teria que concluir que todas elas ostentam a natureza jurídica de condição de elegibilidade, o que, francamente, não tem sustentação teórica admissível.

A inabilitação, como dito, significa numa penalidade que veda a assunção de função pública por um determinado período, acarretando uma repercussão negativa na elegibilidade do cidadão, que se vê impedido temporiamente de disputar eleições. Por essa razão, PEDRO ROBERTO DECOMAIN, aludindo aos condenados na pena de inabilitação de exercício de função pública, anota que, “como a eleição é o caminho para o exercício do mandato eletivo – espécie de função pública – e como tal exercício lhes é vedado, tem-se que em verdade permanecem inelegíveis, para qualquer cargo, durante esses oito anos”454. E, com base nessa compreensão, o autor assevera a inconstitucionalidade da sanção de inabilitação contra os Prefeitos Municipais estabelecida no Decreto-Lei n.º 201/1967, que é lei ordinária, já que toda a inelegibilidade deve ser estabelecida por lei complementar455.

Em que pese a inabilitação impeça o exercício da função pública que se busca alcançar através da eleição, não se pode dizer que esta cominação, de per si, signifique uma hipótese de inelegibilidade, uma vez que, levando em conta o princípio da tipicidade estrita, percebe-se que a CF/88 ou a LC n.º 64/1990 não estabelecem que referida pena implique a inelegibilidade da

453 Constou na ementa do julgado: “1. Uma das conseqüências da inabilitação é que se impõe a restrição ao pleno exercício dos direitos políticos. 2. Entre os requisitos necessários à elegibilidade, encontra-se o pleno exercício dos direitos políticos; assim, estringidos estes, não há como se dar guarida a pedido de registro.”.

454 Elegibilidade ..., cit., pp. 67-68. ADRIANO SOARES DA COSTA aduz também que “a inabilitação, em conseguinte, em relação à sua repercussão na esfera eleitoral, é uma espécie de inelegibilidade cominada potenciada, funcionando como obstáculo-sanção à obtenção do registro de candidatura.” (Instituições de Direito Eleitoral ..., cit., p. 244), sendo acompanhado por NIESS, Pedro Henrique Távora, Direitos Políticos ..., cit., p. 115; e AGRA, Walber de Moura; VELLOSO, Carlos Mário da Silva, Elementos de Direito Eleitoral ..., cit., pp. 67-68.

159

pessoa condenada, não podendo o intérprete ampliar o rol de inelegibilidades para além das causas expressamente assim reconhecidas por ato normativo formal456.

Inabilitação e inelegibilidade são institutos jurídicos distintos. O foco da sanção de inabilitação é impedir que a pessoa condenada exerça qualquer espécie de função pública, eletiva ou não. Já a inelegibilidade tem por escopo vedar a participação do inelegível na eleição, para garantir a legitimidade do pleito eleitoral em prol de certos valores constitucionais.

A situação jurídica da inabilitação, no tocante a sua repercussão ao direito à elegibilidade, deve ser incluída na categoria da não elegibilidade, conforme se explicou anteriormente457. Ou seja, no rigor da técnica jurídico-eleitoral, o cidadão que foi apenado com a inabilitação deve ser considerado um não elegível, eis que embora não incida em causa de inelegibilidade, não pode exercer a função pública que almeja através da eleição458.

Não se pode, por fim, aceitar o argumento de que, não sendo causa de inelegibilidade, é permitido ao inabilitado concorrer nas eleições, ainda que não possa assumir o cargo eletivo. Ora, mesmo não ensejando inelegibilidade, a incidência da inabilitação é suficiente para impedir o registro de candidatura pelo simples motivo de a eleição não constituir um fim em si mesmo, mas apenas o instrumento para que o candidato conquiste o cargo eletivo (função pública) em disputa. Se o cidadão já está impossibilitado de assumir qualquer cargo público

456 Cfr. CASTRO, Edson de Resende, Curso de Direito Eleitoral ..., cit., p. 182. Anote-se que, com relação à inelegibilidade da alínea “c” do art. 1º, I, da LC n.º 64/1990, que estabelece serem inelegíveis “o Governador e o Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal e o Prefeito e o Vice-Prefeito que perderem seus cargos eletivos por infringência a dispositivo da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município”, é a decretação da perda do cargo – e não a aplicação eventual da inabilitação – que ensejará, reflexamente, a causa de inelegibilidade.

457 PETER PANUTTO se aproxima dessa concepção ao afirmar que “a inabilitação, apesar de não ser hipótese constitucional ou infraconstitucional de inelegibilidade, gera reflexos na elegibilidade do cidadão, induzindo sua inelegibilidade, pois, uma vez inabilitado, não poderá exercer mandato eletivo, não tendo condições, portanto, de ter o deferimento do registro de sua candidatura, pelo prazo da inabilitação” (Inelegibilidades ..., cit., p. 77). De modo semelhante, afirma RODRIGO LÓPEZ ZILIO que, “embora não se confunda com inelegibilidade, a inabilitação é uma forma de restrição ao exercício – também – do mandato eletivo, o que importa em impedimento à capacidade eleitoral passiva” (Direito Eleitoral ..., cit., p. 327).

458 Nessa linha de raciocínio, o art. 2º, § 6º, da Lei n.º 12.850/2013, que define os crimes praticados por organização criminosa, pelo qual se estabelece que a condenação com trânsito em julgado acarreta ao funcionário público “a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes ao cumprimento da pena”, pode, em tese, encerrar uma situação de “não elegibilidade”. Contudo, note-se que o período dessa interdição já está abrangido pelo prazo de incidência da inelegibilidade da alínea “e” do art. 1º, I, da LC n.º 64/1990, de modo que referida previsão não tem aplicação concreta autônoma para restringir a elegibilidade. De outro lado, com relação à penalidade de incompatibilização com o serviço público federal prevista no art. 137 da Lei n.º 8.112/1990 (“A demissão ou a destituição de cargo em comissão, por infringência do art. 117, IX e XI, incompatibiliza o ex-servidor para nova investidura em cargo público federal, pelo prazo de 5 (cinco) anos”), não se pode considerá-la uma situação de não elegibilidade, porque a penalidade se direciona apenas à ocupação de cargo público efetivo e não àquele que é objeto de disputa em eleições.

160

eletivo, exige-se de imediato sua exclusão da eleição, independentemente do motivo da restrição, considerando que jamais alcançará o escopo final pretendido.

5.5 Apreciação pela Justiça Eleitoral dos atos que ensejam o descumprimento das