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3. Elegibilidade e inelegibilidade

3.1 Conceito e natureza jurídica da elegibilidade

3.2.3 Classificação das espécies de inelegibilidade

Há várias formas e possibilidades de classificar as causas de inelegibilidade, que variam, por exemplo, em razão da natureza do ato normativo que as instituiu, da abrangência do cargo eletivo em disputa, da área territorial alcançada, do momento de sua configuração etc. A maior parte das categorizações tem utilidade apenas para fins didáticos, com vistas a facilitar a compreensão das diferenças entre as inelegibilidades, mas outras são relevantes pela própria distinção de tratamento das situações no ordenamento jurídico, o que torna importante o conhecimento das principais classificações apontadas pela doutrina.

A primeira diferenciação se dá entre as inelegibilidades absolutas e relativas, em virtude da abrangência dos impedimentos. As absolutas obstam o exercício da capacidade eleitoral passiva para todos os cargos eletivos, em quaisquer circunscrições eleitorais, sendo exemplo as contidas no art. 1º, I, da LC n.º 64/1990. As inelegibilidades relativas são aquelas que vedam a elegibilidade para alguns cargos eletivos ou em razão de algumas circunstâncias específicas

proporcionalidade no julgamento de constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, cfr. MELLO, Ruy Nestor Bastos, “O princípio da proporcionalidade ...” ..., cit., pp. 227-236.

178 Excetuam-se, no art. 1º, I, da LC n.º 64/1990, as alíneas “a”, que repete a regra do art. 14, § 4º, CF/88, pela qual são inelegíveis “os inalistáveis e os analfabetos”; e “i”, referente ao exercício de cargo em instituição financeira liquidanda, sendo que estas hipóteses não foram alteradas pela LC n.º 135/2010. Quanto à alínea “i”, considerada constitucional para o TSE (REspe n.º 22.739, pss. de 1º/10/2004), o término da inelegibilidade depende do reconhecimento, pelo órgão competente, da ausência de responsabilidade do diretor, administrador ou representante da entidade que foi objeto de processo de liquidação judicial ou extrajudicial.

179 MELLO, Ruy Nestor Bastos, “O princípio da proporcionalidade ...”, ..., cit., p. 235. No estudo, se concluiu que “a melhor solução para o caso seria o acolhimento da sugestão do Min. Rel. LUIZ FUX de se ‘proceder a uma interpretação conforme a Constituição, para que, tanto na hipótese da alínea ‘e’ como da alínea ‘l’ do art. 1º, I, da Lei Complementar n.º 64/90, seja possível abater, do prazo de inelegibilidade de 8 (oito) anos posterior ao cumprimento da pena, o período de inelegibilidade já decorrido entre a condenação não definitiva e o respectivo trânsito em julgado’” (Ibidem, p. 236). Todavia, o Min. Rel. foi vencido nessa parte, entendendo a maioria dos Ministros do STF pela constitucionalidade do prazo de inelegibilidade fixado nas disposições normativas.

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(art. 1º, II a VII, da LC n.º 64/1990), permitindo-se a candidatura do cidadão a outros cargos ou que se afastem os obstáculos à elegibilidade através da desincompatibilização180.

Com relação a um critério de natureza espacial ou territorial, as causas de inelegibilidade podem ser nacionais (abrangem todo o território brasileiro), estaduais (alcançam os Estados e o Distrito Federal) e municipais (se limitam aos Municípios), a depender da incidência específica das hipóteses do art. 1º, II a VII, da LC n.º 64/1990 aos cargos em disputa.

No tocante ao momento de surgimento, existem as inelegibilidades originárias ou

preexistentes, que são configuradas desde antes ou na época do pedido de registro de candidato

nas eleições; e as inelegibilidades supervenientes, aquelas que incidem depois do registro de candidatura e até a data da eleição, nos termos da Súmula n.º 47 do TSE. Essa classificação traz reflexos quanto às formas e prazos para impugnação à elegibilidade: as primeiras espécies de inelegibilidade devem ser apontadas logo após a habilitação dos candidatos, através do ajuizamento da Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC)181 ou da apresentação da notícia de inelegibilidade182; já as inelegibilidades supervenientes somente poderão ser imputadas no Recurso contra Expedição de Diploma (RCED)183, como regra184.

Embora sem muita repercussão na doutrina, alguns eleitoralistas diferenciam as inelegibilidades em processuais (ou provisórias) e definitivas, considerando o termo inicial de

180 MARCOS RAMAYANA aponta, em específico sobre a desincompatibilização, que “dentro da teorização das inelegibilidades, fala-se ainda em autodesincompatibilização (quando é o próprio titular do mandato que se

afasta temporária ou definitivamente) e heterodesincompatibilização, na hipótese de afastamento do titular do

mandato eletivo para não atingir (contaminar a elegibilidade) de um parente, cônjuge e das pessoas referidas no § 7º do art. 14 da Lei Maior” (Direito Eleitoral ..., cit., p. 351, grifos do autor).

181 A AIRC é a demanda judicial clássica no direito eleitoral que permite a imputação ao candidato de óbice preexistente ao pedido de registro que impeça o exercício da elegibilidade, especialmente o não atendimento a uma condição de elegibilidade ou a presença de inelegibilidade. Referida ação, regulada pelos arts. 2º a 16 da LC n.º 64/1990, deve ser proposta no prazo de 5 (cinco) dias após a publicação do edital com a relação dos nomes dos candidatos que requereram a candidatura (art. 97, CE), o qual é divulgado após o término do prazo final para inscrição, o dia 15 de agosto do ano em que se realizam eleições (art. 11, LE). Ressalte-se que esse marco final do pedido de registro de candidatura foi alterado pela EC n.º 107/2020, especificamente para as eleições de 2020. 182 Consiste na comunicação prestada pelo cidadão à Justiça Eleitoral, durante o processamento do registro de candidatura, de informações e/ou documentos que visem a demonstrar que o candidato tem contra si um obstáculo para a obtenção da candidatura. Tem como fundamentos normativos o art. 97, § 3º, CE, e as Resoluções editadas pelo TSE para regular as eleições, v. g., o art. 44 da Resolução TSE n.º 23.609/2019.

183 Em que pese o nomen juris, o RCED não se trata de um recurso ou meio de impugnação de decisão judicial e, sim, de ação judicial de natureza eleitoral que tem por objeto a desconstituição do diploma outorgado ao eleito. Sua base é o art. 262, CE, alterado pela Lei n.º 13.877/2019, que taxativamente indica o cabimento do RCED aos “casos de inelegibilidade superveniente ou de natureza constitucional e de falta de condição de elegibilidade”, devendo a ação ser ajuizada em 3 (três) dias após a diplomação dos eleitos (art. 262, § 3º, CE), última etapa do processo eleitoral, que ocorre no mês de dezembro do ano da eleição, conforme calendário fixado pelo TSE. 184 O TSE, interpretando o art. 10, § 11, LE, admite também a imputação pelos interessados, no próprio processo de registro de candidatura, de um fato superveniente que afete negativamente a elegibilidade, prescindindo do RCED (cfr. GOMES, José Jairo, Direito Eleitoral ..., cit., pp. 334-335; e, como leading case, o RO n.º 154-29, pss. de 26/8/2014). Ademais, pode o Juiz Eleitoral conhecer de ofício, na fase de registro de candidatura, das causas que impedem a elegibilidade, inclusive as supervenientes, nos termos da Súmula n.º 45 do TSE.

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incidência concreta do impedimento. As primeiras são aquelas contidas na Lei da Ficha Limpa que começam a surtir efeitos a partir da decisão condenatória colegiada judicial; as demais são as que só podem produzir efeitos a partir de uma situação definitiva de condenação185.

Diz-se ainda ser a inelegibilidade direta aquela que “causa o impedimento do próprio envolvido no fato que a desencadeia”186, o que ocorre na maioria das causas de inelegibilidade. Já a inelegibilidade indireta ou reflexa é a que acarreta óbice à elegibilidade de terceiros que não estão vinculados ao fato gerador da hipótese de impedimento, sendo exemplo a situação de parentesco com o Chefe do Poder Executivo, prevista no art. 14, § 7º, CF/88.

Uma outra categorização considera as causas de inelegibilidade em sentido amplo, a envolver o descumprimento das condições de elegibilidade e a ocorrência de qualquer outro obstáculo ao exercício da elegibilidade (v. g., as penas de cassação ou cancelamento do registro de candidatura, diploma ou mandato por atos ilícitos eleitorais e a inabilitação ao exercício de função pública); e as em sentido estrito, que são aquelas hipóteses típicas de inelegibilidade (art. 14, §§ 4º a 8º, da CF/88; e arts. 1º, I a VII, e 22, XIV, da LC n.º 64/1990). Como explicado, essa distinção é juridicamente equivocada, pois apenas podem ser consideradas inelegibilidades as causas expressamente indicadas na CF/88 ou na LC n.º 64/1990.

No que se refere à conformidade do fato gerador da inelegibilidade com o Direito, a doutrina se refere às inelegibilidades inatas, que têm por origem um fato ou situação jurídica regulares (v. g., os analfabetos e os estrangeiros); e as cominadas, aquelas cujo substrato se vincula a uma situação de ilicitude, como algumas das listadas no inciso I do art. 1º, da LC n.º 64/1990. Aponte-se que não se cogita a inclusão do desatendimento às condições de elegibilidade como inelegibilidades inatas, por se tratar, conforme já aduzido, de uma categoria jurídica distinta das causas de inelegibilidade estabelecidas no ordenamento jurídico.

A classificação mais relevante para a teoria da elegibilidade é a que diferencia as inelegibilidades em razão de sua origem normativa, já que o próprio ordenamento jurídico traz consequências diferenciadas para cada uma das situações, visualizando-se as inelegibilidades

constitucionais, fixadas no art. 14, §§ 4º a 8º da CF/88, e as legais, aquelas previstas em lei

complementar, in casu, nos arts. 1º, I a VII, e 22, XIV, da LC n.º 64/1990.

A inelegibilidade de natureza constitucional possui maior densidade normativa, até porque a sua alteração ou exclusão exige a edição de emenda constitucional, cujo processo

185 Cfr. PAZZAGLINI FILHO, Marino, Lei de inelegibilidade comentada ..., cit., p. 5; e COSTA, Adriano Soares da, Instituições de Direito Eleitoral ..., cit., p. 187.

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legislativo é bem mais complexo do que o de alteração das leis complementares. Por essa razão, os impedimentos constitucionais podem ser objeto de arguição na fase do registro de candidatura, através de AIRC, notícia de inelegibilidade ou petição nos autos; e depois da diplomação, mediante o ajuizamento do RCED (art. 262, CE), não se sujeitando, portanto, à preclusão187. Já as inelegibilidades legais possuem regime de tratamento mais rígido: se forem preexistentes, devem ser apontadas logo na época do registro de candidatura; se supervenientes, poderão ser discutidas em momento posterior, especialmente no RCED.