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A Perspectiva das Primeiras Comunidades Acerca de Jesus

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2.3 A PERSPECTIVA DOS OUTROS ACERCA DE JESUS COMO

2.3.3 A Perspectiva das Primeiras Comunidades Acerca de Jesus

Em sua sociologia religiosa, Weber (1982, p. 376-377) sustenta que, ao redor do profeta, formam-se grupos de discípulos, seguidores e apoiadores, sendo que, com o tempo, a profecia cria “uma nova comunidade social, particularmente, quando ela se torna uma religião soteriológica de congregações”. Quando isso ocorre, estas comunidades precisam olhar para traz em busca de legitimidade na pessoa e na atividade do profeta ou salvador. Assim, elas recorrem a determinadas imagens do líder ou salvador que mais se adeque às expectativas e necessidades contemporâneas.

O título de profeta não foi comumente aplicado a Jesus após a sua ressurreição e glorificação. Isto se deu pelo fato óbvio de que, para as primeiras comunidades cristãs, o título descrevia, e apenas parcialmente, sua atividade terrena. Porém, ainda encontramos, por parte dos primeiros cristãos, a consciência de que Jesus havia sido um profeta (COMBLIN, 1987, p. 43,45). Uma evidência do

reconhecimento do caráter profético da práxis de Jesus pode ser encontrada no fato dele ser colocado lado a lado com os profetas veterotestamentários que sofreram como enviados de Yahweh. Por exemplo, de acordo com a descrição lucana em Atos, em sua defesa diante dos líderes judaicos, Estevão demonstra que os destinatários da palavra de Deus sempre têm resistido à Sua vontade (At 7,52; cf. 1Ts 2,15). A rejeição de Jesus e de sua mensagem não foi um evento isolado, mas manifesta apenas uma predisposição rebelde da nação em resistir à Palavra profética.

Outra evidência da perspectiva profética que a igreja das origens teve de Jesus pode ser percebida pela atribuição do papel de „ebed Yahweh que se lhe faz. A mais clara destas ocorrências encontra-se no relato da conversão do eunuco etíope (At 8,26s). Neste relato, o diácono Filipe identifica Jesus com o „ebed Yahweh de Isaías 53 (At 8,35). Isto demonstra que, nesta época, a atribuição desta passagem ao ministério do Nazareno já se havia estabelecido como tradição na igreja. Weber (1967, p. 5) acredita que foi a aplicação do conceito de „ebed Yahweh a Jesus que livrou o Cristianismo de se tornar uma seita de mistério gnóstica.

No livro de Atos (3,13; cf. Is 52,13; 3,26; 4,27.30), também se atribui a Jesus um dos títulos tipicamente aplicados aos profetas veterotestamentários: “Servo de Deus” (pais tou theou). Deve ser observado que esta expressão grega é empregada pela Septuaginta para traduzir o termo hebraico „ebed Yahweh (CULLMANN, 2001, p. 102). Isto indica que a expressão já se havia tornado um termo técnico descritivo do papel sofredor e substitutivo do profeta escatológico.56 Conforme esclarecido por Goppelt (2002, p. 274), o título “Servo de Deus”, aplicado a Jesus pela igreja, remonta ao cristianismo palestinense e tem basicamente dois significados: primeiramente, que através de Jesus, Deus media curas e os demais dons de sua graça (cf. At 3,13; 4,30; Mt 2,15-21; Did 9,2s; 10,2s; 1Clem 59,2s); segundo, enfatiza que, como servo de Deus, Jesus foi rejeitado pelos poderosos, mas, através da ressurreição, foi exaltado à destra de Deus (cf. At 3,13; cf. 3,26; 4,26s).

Além disso, há evidências indicativas de que os apóstolos e as comunidades cristãs viram Jesus como o esperado profeta escatológico semelhante a Moisés (At 3,22-23; 7,37; Jo 6,14; 7,40). A expectativa da vinda de um profeta escatológico tem sua origem no judaísmo pós-exílico. Scardelai (1998, p. 91) afirma que esta

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Kümmel (2003, p. 144) discorda desta posição, afirmando que o título “Servo de Deus” designa simplesmente “o envio da pessoa terrena de Jesus como o servo obediente de Deus”.

“expectativa do surgimento de uma figura profética que precederia o fim dos tempos” estava arraigada na mente das populações palestinenses do I século. Esta crença se desenvolveu, em parte, pela consciência da cessação da voz profética no período posterior a Malaquias (ENSLIN, 1961, p. 62-65). Uma vez que o antigo dom profético se havia extinguido, a profecia foi sendo esperada como um fenômeno escatológico que se manifestaria novamente no final dos tempos (CULLMANN, 2001, p. 33). Este profeta escatológico seria o cumprimento de toda a profecia anterior, a encarnação definitiva da verdadeira profecia, pondo fim a toda falsa profecia (p. 34,42). Nele se combinava a figura do profeta e do messias libertador do povo de Israel (SCARDELAI, 1998, p. 97). Cullmann (2001, p. 59) acredita que a expressão ho erchomenos – o que havia de vir – na pergunta de João Batista em Mt 11,3, constituía-se num termo técnico. A expressão seria designativa da expectativa do surgimento deste profeta por ocasião da consumação de todas as coisas. Isto demonstra que tal expectativa deveria ser bem comum e bastante difundida na época de Jesus (SCARDELAI, 1998, p. 97,306). Deste modo, é que as primeiras comunidades cristãs viram em Jesus o cumprimento desta expectativa judaica. Assim, At 3,22 e 7,37 – respectivamente, um discurso apostólico e outro certamente de origem apostólica – atribuem a Jesus o cumprimento da promessa do grande profeta anunciado por Moisés em Dt 18,15.

Portanto, embora escassos, podemos encontrar as principais designações proféticas atribuídas a Jesus pela igreja das origens. Estas ocorrências se encontram principalmente nos discursos, nos credos e nas designações litúrgicas. Estas expressões modelares da igreja refletem tradições bem mais antigas que identificaram Jesus, primeiramente como profeta. Deste modo, o Nazareno surge no primeiro século como continuador da tradição dos antigos profetas israelitas. Seu ministério foi encarado, tanto pelo povo quanto por seus próprios discípulos, nos moldes do ministério dos antigos profetas veterotestamentários. Mesmo a atribuição de profeta escatológico que lhe foi dada pelas primeiras comunidades cristãs, aponta nesta direção. Assim, foi como profeta que Jesus foi reconhecido inicialmente por seus discípulos, pelo povo; e, por tal reivindicação, foi condenado e executado pelas autoridades.

2.4 A ATUAÇÃO PROFÉTICA DE JESUS NOS EVANGELHOS SINÓTICOS

Verificou-se até aqui que, de acordo com a apresentação Sinótica, tanto Jesus quanto os seus contemporâneos interpretaram sua práxis como sendo de um profeta. É necessário que se investigue agora a sua atuação e se verifique qual a tipologia que melhor serve para defini-la. O objetivo aqui é verificar se e até que ponto a tipologia profética dá conta de explicar a atuação de Jesus conforme narrada nos Evangelhos Sinóticos. Neste sentido, pretende-se comparar as principais características da atuação do Nazareno com a atuação dos antigos profetas israelitas presentes nos textos da Bíblia Hebraica. Os paralelos apontados aqui são, quanto ao seu chamado, à independência de sua atuação, à prática do discipulado, à perspectiva que tinha da realidade ao seu redor, às capacidades especiais que demonstrou possuir, à sua atuação na realização de milagres e na intercessão em prol dos seus e, principalmente, quanto ao ministério de libertação que realizou.

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