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O Reino de Deus como uma realidade imediata

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3.3 O CONTEÚDO DA PREGAÇÃO DE JESUS

3.3.2 O Anúncio do Reino de Deus

3.3.2.1 O Reino de Deus como uma realidade imediata

Por causa da visão numinosa que tinham de Deus, os profetas pregaram sob a convicção de que “algo de novo” e surpreendente estava por acontecer (Is 28,21; 42,9; 43,19; 48,3.6-8) (BRIGHT, 1978, p. 482). Como esclarece Weber (1967, p. 325), a expectativa profética da desgraça ou da salvação “é apenas raramente colocada no futuro distante. Geralmente isso pode acontecer a qualquer momento”. A pregação profética anunciava: “está próximo o dia do Senhor” (Ez 7,7; Jl 1,15; Sf

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Um panorama das várias interpretações do Reino de Deus na pregação de Jesus pode ser encontrado em Theissen e Merz (2004, p. 265-269). Um exame crítico de cada uma delas encontra- se em Stegemann (2012, p. 379-452).

1,14 etc.). Eles creram e anunciaram a “irrupção iminente de uma realidade divina não percebida por seus contemporâneos” (EICHRODT, 2004, p. 306). Estes homens e mulheres compreendiam que Deus e sua soberania irresistível estavam para invadir a história humana e nada ou ninguém poderia impedi-los ou controlá-los (p. 308,309). Pelo contrário, mesmo o agir humano na tentativa de impedir a manifestação da soberania real de Deus, acabava por contribuir para que, no final das contas, ela fosse implantada. Para os profetas, Deus realizaria em breve uma nova e surpreendente ação histórica. Esta ação tornaria “caducos todos os antigos acontecimentos da história da salvação” (VON RAD, 1974, p. 115). A urgência com a qual encaravam o conteúdo de sua pregação residia no fato de que a vida e a morte para Israel dependiam inteiramente desta nova ação histórica que o Senhor empreenderia. Porém, em sua vinda, Yahweh realizaria um acerto de contas com o seu povo. Israel teria um encontro no qual seria confrontado pelo Deus pessoal e responderia por sua postura frente à vontade deste mesmo Deus. Mas, diante da situação em que Israel estava, este encontro significaria juízo e desgraça, pois não estava preparado para “encontrar-se com o seu Deus” (Am 4,12).

Quanto a este tema, a pregação de Jesus acerca do Reinado de Yahweh localiza-se no âmbito da tradição profética. Em geral, o judaísmo contemporâneo a Jesus encarava o governo de Deus como uma realidade a ser manifestada apenas escatologicamente (BOCK, 2006, p. 547). Eles esperavam o irrompimento do Reino de Deus na história como um evento cataclísmico, trazendo juízo para os ímpios e libertação para o povo de Yahweh (GOPPELT, 2002, p. 85). Tais expectativas eram marcadas por uma ênfase fortemente político-nacionalista (BORNKAMM, 2005, p. 115).

Sem dúvida, uma das características centrais da pregação de Jesus nos Evangelhos foi o anúncio da proximidade do Reino de Deus (Mt 4,23; Mc 1,14-15; cf. Lc 4,21) (REIMER e RICHTER REIMER, 1999, p. 113). Flusser (2010, p. 84) declara que Jesus “é o único judeu conhecido da antiguidade que pregou não só que as pessoas se encontravam no limiar do fim dos tempos, mas que uma nova era de salvação já começara”. Jesus anunciou a chegada do Reino como uma realidade urgente e iminente (BARBAGLIO, 2011, p. 276-277). Como declara Klappert (2000, p. 1522), “no centro das palavras de Jesus há a proclamação da proximidade urgente de Deus e o anúncio da inauguração do domínio mundial de Deus […].” O Nazareno viu seu próprio ministério como a concretização do domínio de Yahweh

dentro da história humana (Mt 11,11-13; 21,31; Lc 4,21; cf. Is 61,1.2; Mt 11,2-6; cf. Is 35,5.6; Lc 9,27; 10,23.24; 16,16). Um dos textos evangélicos mais reveladores acerca da expectativa do Nazareno a respeito da irrupção imediata do Reino de Deus é Mc 9,1 (RICHTER REIMER, 2012a, p. 151-152). Nesta passagem ele afirma que alguns de seus discípulos não experimentariam a morte “antes de verem o Reino de Deus vindo com poder.”104

Suas palavras, registradas na fonte Q (Mt 12,27s e Lc 11,20), acerca das implicações de estar expulsando demônios “pelo Espírito de Deus” demonstram que compreendia que o governo de Deus já estava presentemente operante.105 Através de sua ação, Deus já começara a invadir o reino de Satanás e a destruir o poder do mal (PAGOLA, 2013, p. 125). A urgência e iminência da irrupção do Reino pode também ser notada no apelo que o Nazareno fez àqueles que queriam segui-lo (Mt 8,22; Mc 1,17; Lc 9,60s). Não há tempo para voltar e pedir autorização da família ou cumprir obrigações sociais. Além disso, ao enviar seus discípulos, Jesus também salientou a urgência com a qual deveriam pregar a mensagem do Reino (Mt 10,4.7.23; Lc 10,9.11). Seu próprio ministério de ensino e cura foi caracterizado por este senso de urgência (Lc 4,43).106 Várias parábolas proferidas por ele enfatizam o elemento presente e imediato do Reino de Deus (Mt 13; Lc 14,15-24). Algumas delas mencionam a vinda repentina e inesperada do fim e admoestam à vigilância. A antecipação presente dos dons salvíficos relacionados à irrupção do governo de Deus pode ser vista nas várias curas, ressurreições e exorcismos que realizou durante seu ministério terreno (Mc 5,23.34; 10,52; Lc 8,36; Mt 11,4.5; cf. Is 29,18ss; 35,5ss; Lc 11,20).107 Além disso, o próprio dom do perdão oferecido por Jesus traz para o presente uma das mais esperadas bênçãos do novo eon (Mc 2,5; Lc 7,36-50; 19,10; cf. Jr 31,31-33) (BOCK, 2006, p. 546). Deste modo, na pregação do Nazareno, o Reino de Deus não é somente um acontecimento a se concretizar num futuro escatológico, mas,

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Bock (2006, p. 544) interpreta a manifestação antecipada da glória do Reino, anunciada neste versículo, como sendo o evento da transfiguração.

105 A forma aorista do verbo phthanœ reforça a ideia de que um exercício real de poder divino se fazia

visivelmente presente através do ato de expulsar demônios (BOCK, 2006, p. 548; THEISSEN e MERZ, 2004, p. 282).

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Além dos textos que enfatizam que todo o tempo de Jesus foi consumido na realização de seu ministério de pregação e cura.

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Que a cura física era apenas o aspecto externo da salvação trazida pelo Reino, fica claro na cura dos dez leprosos (Lc 17,12-19) (LADD, 1993, p. 72,73; BOCK, 2006, p. 548; e GOPPELT, 2002, p. 95,96).

sobretudo, é um dom a ser recebido já nesta era (Mt 6,33; Mc 10,15; Lc 12,32; 17,20.21) (REIMER e RICHTER REIMER, 2008, p. 857).

A forma imediata e presente como Jesus anunciou o Reino de Deus constituiu um dos principais obstáculos para que muitos de seus contemporâneos aceitassem sua pregação. O Reino anunciado pelo Nazareno não viria do modo como era aguardado pelas principais correntes do judaísmo. Não haveria uma manifestação de poder apocalíptico irresistível associado à implantação do Reino. Pelo contrário, ele estava entrando na história de modo humilde e imperceptível. Este modo antecipado e oculto como o governo de Deus estava se manifestando na práxis de Jesus representou um “mistério” para os seus contemporâneos incrédulos (RICHTER REIMER, 2012a, p. 102). Eles não puderam perceber os sinais indicativos da chegada do Reino (Mt 16,1-3; Lc 12,54-56; cf. Lc 17,20.21). Este “mistério” é ilustrado nas parábolas do Reino, de Marcos 4 e Mateus 13 (LADD, 1993, p. 90-98).

Para Weber (1967, p. 326), foi esta expectativa da iminência do fim, comum tanto nos profetas quanto em Jesus, que os levou a relativa indiferença em relação aos bens deste mundo, sendo que todas as “questões do presente, depois de tudo, são completamente irrelevantes, porque o fim está imediatamente às portas”. Este mesmo ponto de vista também marcou as primeiras comunidades cristãs, inclusive o ensino do próprio apóstolo Paulo.

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