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A Crítica à Religião Instituída

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3.3 O CONTEÚDO DA PREGAÇÃO DE JESUS

3.3.6 A Crítica à Religião Instituída

Ao analisar a relação dos profetas israelitas com a monarquia, Weber (1967, p. 275-276, 279-280) nota que, influenciada pelas religiões estrangeiras, a monarquia havia introduzido inovações no culto, que os profetas viam como perniciosas e incompatíveis com a religião hebraica. Entre estas inovações, figuram principalmente os cultos orgiásticos de fertilidade (p. 187-193). Weber (1967, p. 194-205) demonstra que os profetas, como autênticos defensores do yahwismo, combateram toda forma de influência estrangeira no culto ao Senhor. Neste sentido, um dos elementos mais fundamentais da pregação profética é o que Füglister (2004a, p. 186) denomina atitude profética de protesto. O profetismo hebreu surgiu exatamente a partir do momento em que a liderança carismática cedeu lugar a organizações hierárquicas no contexto da monarquia (VAUX, 2003, p. 120). Neste contexto, a classe religiosa

como um todo se empenhava no sentido de garantir “a proteção incondicional de Yahweh a favor da nação durante todos os anos futuros, enquanto que as obrigações impostas pelo favor de Yahweh e pelas estipulações da aliança tinham sido totalmente esquecidas” (BRIGHT, 1978, p. 349). Assim, o poder e a soberania do Deus da aliança foram colocados a serviço dos interesses da elite político- religiosa da nação.

Da perspectiva de Weber (2000, p. 161), o carisma profético é avesso e se opõe a todo tipo de rotinização. Por isso, ele combate todas as práticas tradicionais e burocráticas, quer no nível social, religioso ou político. Neste sentido, Weber (1967, p. 219-225) postula que os profetas priorizaram e defenderam uma religião pautada no comportamento ético em detrimento de uma baseada meramente em observâncias cultuais e ritualísticas.117 Eles priorizam “a obediência aos debarim e a torah e não ao sacrifício ou às prescrições ritualísticas” (p. 284). É nesta situação que surgem homens e mulheres combatendo e criticando o que entendiam ser a institucionalização118 da religião israelita. Alguns profetas dirigem críticas tão duras contra o abuso do sistema cultual israelita que vários estudiosos chegam a pensar que o viam como contrário à verdadeira vontade de Deus.119 Como porta-vozes do Senhor denunciam praticamente todas as diversas formas de atividades cúlticas – festas, peregrinações, oferendas, sacrifícios, orações etc. (SICRE, 1996, p. 381). Os profetas Jeremias (7,21-23), Oséias (6,6) e Miquéias (6,6-8) criticam o sistema sacrificial israelita. Jeremias (7; 26) ataca a falsa confiança de que o templo garantia automaticamente a presença de Yahweh, tornando impossível seu juízo sobre Jerusalém. Os profetas Isaías (1,1-17; 43,22-24) e Amós (5,21-25) lançam acirradas críticas ao sistema cultual israelita como um todo. Porém, o que estes profetas estão combatendo não é o culto em si, mas o abuso dele (GUNNEWEG, 2005, p. 262- 263). Eles rejeitam radicalmente que o culto seja encarado em um sentido mágico

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Peter Berger (1985) critica este ponto de vista weberiano, argumentando que os profetas israelitas também estiveram ativamente envolvidos no culto oficial.

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O termo institucionalização está sendo empregado aqui, no sentido weberiano, como se referindo ao “processo de rotinização, e assim, de tradicionalização” do carisma (WEBER, 1982, p. 341); ou seja, “quando a organização da autoridade se torna permanente, o quadro que apoia o governante carismático se torna rotinizado” (p. 342), ocorrendo, então, a racionalização e/ou tradicionalização na administração dos bens sagrados.

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Os principais representantes deste ponto de vista são Oesterley e Robinson (FREEMAN, 1979, p. 41-46). Gunneweg (2005, p. 262-263) apresenta várias razões pelas quais as palavras dos profetas não podem estar condenando o culto em si, mas devem ser compreendidas noutro sentido. Sicre (1996, p. 404-406) também demonstra a importância que o culto desempenha na pregação de alguns dos profetas. Para Weber (1967, p. 283), os profetas não combatem o templo ou o culto em si, mas pregam contra as impurezas presentes neles.

(ROSSI, 2012, p. 104). O que está por trás da polêmica profética a respeito do sistema cultual é a tentativa de empregá-lo para apropriar-se, de modo mágico, dos benefícios da divindade. Max Weber (1967, p. 219-225) advoga que, iniciando provavelmente com Elias, os profetas empreenderam uma luta implacável contra a religiosidade mágica e a defesa de uma relação com Deus pautada no comportamento ético. O acesso a Deus não pode se dar por meio de ações meramente litúrgicas, mas como uma comunicação de caráter pessoal do adorador em relação ao Senhor. O culto, a despeito de toda sua pompa e suntuosidade, não poderia jamais substituir o leal compromisso com Yahweh (Is 1,11-17; Jr 5,30.31; 7,4; Os 10,1; Am 4,4.5; Mq 6,6ss.). Pelo contrário, ele deveria ser acompanhado por uma piedade pessoal interior, sem a qual o culto não teria qualquer valor (ROSSI, 2012, p. 99-100).

Semelhantemente aos profetas, de acordo com os Sinóticos, Jesus foi crítico em relação às instituições religiosas de sua época. Ele entendia que estas instituições estavam mais comprometidas com sua própria cosmovisão e interesses do que com as autênticas tradições veterotestamentárias. Como profeta, ele criticou a religião instituída por causa da mudança operada em seu pensamento e prática. A diferença entre o Nazareno e os profetas veterotestamentários reside apenas na definição do que consiste esta mudança e quais as suas razões. No caso dos profetas, a mudança fora causada por uma espécie de secularização da vida nacional, ocasionada principalmente pela estatização da religião. O principal resultado disso era uma mistura com as tradições religiosas cananeias. No caso de Jesus, a mudança havia ocorrido em função de uma ênfase legalista às tradições culturais. De acordo com Bornkamm (2005, p. 71), a religião do antigo Israel “passou por um considerável estreitamento e endurecimento no judaísmo pós-exílico”, portanto, na época de Jesus. O resultado foi um apego meticuloso e legalista às leis cerimoniais e litúrgicas e um distanciamento do verdadeiro propósito dos mandamentos divinos (p. 176-178). Weber (1967, p. 406) declara que, ao adotarem as regras de pureza levítica, “os fariseus tornaram-se progressivamente exclusivistas e sistematicamente ritualistas”. Especialmente os setores mais radicais do farisaísmo, “pretendiam obrigar todo o povo a cumprir regras de pureza que só obrigavam os sacerdotes no exercício de sua tarefa cultural no templo” (PAGOLA, 2013, p. 401). Em ambos os casos, o resultado final era o mesmo: o apego a uma religiosidade meramente externa e o afastamento da vontade de Yahweh. Como

explicado por Eichrodt (2004, p. 335), as pessoas haviam aprendido o modo de fazer sua própria vontade, “mediante um hábil manejo da lei.” A religião não mais era um meio de manifestar o amor e a obediência do adorador a Deus, mas tornara-se numa maneira de exaltação do próprio indivíduo (Mt 6,2.5.16; 23,5-7; Lc 16,15).

Weber (1967, p. 315, 318) postula que, acima da qualificação pessoal do indivíduo, os profetas israelitas enfatizaram a necessidade de humildade e fé. Para eles, fé se define como “a incondicional confiança na onipotência de Yahweh, na veracidade de suas palavras e na convicção de seu cumprimento a despeito de toda probabilidade externa ao contrário”. Deste modo, os profetas se opuseram a “toda confiança na própria habilidade e a todo interesse com a própria reputação” (p. 318). Neste sentido, Jesus também se opôs aos principais elementos nos quais as pessoas depositavam confiança para sua própria segurança. Em primeiro lugar, paralelamente às palavras de Jeremias (7,1-15), Jesus anuncia o fim do templo como sistema político-religioso (Mc 13,1-2 e paral.). Conforme afirma Pagola (2013, p. 408), sua própria atuação “é um desafio ao templo como fonte exclusiva de salvação para o povo”. Em segundo lugar, o sistema cultual, visto pela liderança israelitas como meio automático de bênção e salvação, é denunciado pelo profeta galileu. Neste sentido, seu gesto no pátio do templo (Mc 11,15-19 e paral.) deve ser entendido como um ato profético simbólico que anuncia o juízo de Deus “contra um sistema econômico, político e religioso que não pode agradar a Deus” (PAGOLA, 2013, p. 432).120 Conforme revela Horsley (2010, p. 261), este “foi um ato simbólico que simbolizou (sic) a destruição julgadora iminente por Deus, não simplesmente do edifício, mas do sistema do templo”. Também, há várias evidências nos Evangelhos de que Jesus criticou abertamente o templo, enquanto “base de todo o sistema político-econômico-religioso, encabeçado pela aristocracia sacerdotal” (HORSLEY, 2010, p. 250). Estas informações apontam para o fato de que ele profetizou o julgamento de Deus contra o templo, inclusive a sua destruição iminente (Mc 13,2; 14,58; 15,29-30; At 6,13-14). Além disso, ao ser confrontado com o imposto do meio

120 Pagola (2013, p. 428-433) entende o ato de Jesus ao purificar o templo como “um gesto simbólico”

que aponta, não para uma reforma do sistema cultual judaico, “mas para o desaparecimento da própria instituição”. Assim também pensa Horsley (2010, p. 258-261). Por outro lado, Collins (2006, p. 301-322) defende que a ação de Jesus é uma crítica reformista, visando adequar o funcionamento do templo de sua época ao Templo ideal proposto pelo profeta Ezequiel (40-43), no sentido de que “o pátio externo deveria ser um espaço sagrado devotado à oração e ao ensinamento, e não um espaço cívico aberto ao público em geral e utilizado para atividades profanas” (p. 319). A mesma autora apresenta um resumo das várias interpretações defendidas pelos pesquisadores acerca da purificação do templo (p. 301-312).

shekel121, a ser pago para a manutenção do culto no templo (Mt 17,24-27)122, Jesus retrucou que, como súditos do Reino de Deus, presente historicamente através de seu ministério, seus discípulos123 e ele estavam isentos de tal taxa e, portanto, livres das prescrições da religião instituída (HORSLEY, 2010, p. 244-248). Para o profeta galileu, o que agrada a Deus não é a cega sujeição ao sistema cultual, mas a prática consciente da Sua vontade (Mt 9,13; 12,7; cf. Os 6,6). Deste modo, as práticas religiosas, mesmo as tidas como mais piedosas não têm valor em si mesmas destituídas de sua verdadeira finalidade (Mt 6,1-18).

Com respeito à Lei, tanto Jesus (Mt 15,3-9) quanto Jeremias (Jr 8,8.9; 18,18) perceberam que os “peritos” a haviam deturpado, sujeitando-a ao serviço de seus próprios interesses. Eles apegavam-se, de modo meticuloso, a mandamentos específicos, mas desprezavam a Palavra de Deus e o conhecimento pessoal do Senhor (Mt 23,23-24.27-28; Lc 11,42; cf. Jr 2,8; 8,23.24). De acordo com Bornkamm (2005, p. 76), a pregação de Jesus contrastava especialmente com o ensino de um grupo de escribas fariseus, o qual havia desenvolvido “um aspecto jurídico e formalista da lei e uma técnica correspondente que atomizava a piedade”. Assim, o profeta de Nazaré priorizou a submissão consciente à vontade de Yahweh e o relacionamento pessoal com Ele sobre a mera prática litúrgica ou subserviência às ordenanças legais (Mt 5,21-48; cf. Lc 18,9-14).

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