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A perspectiva funcional da jurisdição como conceito e suas consequências

2.4 O PODER DE IMPOR O DIREITO, A JURISDIÇÃO

2.4.1 A perspectiva funcional da jurisdição como conceito e suas consequências

A jurisdição conceitualmente pode ser compreendida como uma função estatal delegada a órgão estatal pertencente a estrutura do Poder Judiciário, mantido equidistante das partes interessadas, capaz de realizar o Direito de modo imperativo, reconstrutivo, reconhecendo, efetivando e protegendo situações jurídica concretamente deduzidas em decisão fundamentada, insuscetível de controle externo, com aptidão para tornar-se indiscutível (DIDIER JR., 2016, p. 155).

Por ser função, isto é, atividade em nome e no interesse de terceiro (MARINELA, 2013, p. 15), no caso do povo, relaciona-se com a estrutura estatal, a qual, imanente, é representada por um dispositivo de três peças, a cada qual é destinada uma função precípua e indelegável (MEIRELLES, 2008, p. 61), cabendo a estrutura judicial responder pela função jurisdicional, onde todos os seus órgão estarão investidos de tal capacidade, isto é, aplicação coativa da norma aos interessados (GONÇALVES, 2009, p. 47), conduzindo estes para a ordem jurídica justa.

64 Sob este enfoque, vale registrar a contribuição de Dinamarco (2013, p. 132-136):

O poder é uma inerência deste [Estado] e chega-se a afirmar, até, que “o Estado é poder”. Se poder é a capacidade de impor as próprias decisões, nem logicamente se pode conceber a convergência de uma suposta pluralidade de poderes sobre uma só entidade: dispondo ela de poder, ou seja, dessa capacidade, exercê-lo-á em variadas direções, conforme os objetivos específicos e, portanto, as funções assumidas. Por isso é que, em vez de definir-se como um poder do Estado, a jurisdição deve ser vista como uma das expressões do poder estatal, que é uno. [...] A diferença está, verdadeiramente, nas variadas funções que o Estado tem por suas e que projetam reflexos de suas próprias peculiaridades na forma, características e disciplina positiva do exercício do poder enquanto voltado a cada uma delas. Função é, em última análise, serviço (do latim: fungor, –eris, functus sum, fungi = cumprir, exercer) e cada uma das funções do Estado é um conjunto de serviços a serem prestados mediante atividades preordenadas a certos objetivos e que costumam ser agrupadas e distinguir-se das demais precisamente em razão dos objetivos perseguidos.

Como bem se faz notar, tal preocupação reside e, portanto, proposta de arranjo existe, dada as devidas atualizações da referência a seguir, a jurisdição está à disposição do processo, porquanto este seja o único veículo para o seu acesso (SOARES, 2000, p. 46), fazendo com que entrem em juízo, aqueles que não tem juízo. Visto que este é próprio do homem, o processo serve para substituir o juízo de um pelo juízo de outro ou outros, de modo que o juízo de um se torne regra de conduta de outro (CARNELUTTI, 2015, p. 66).

Ademais, importante lembrar a lição de Aristóteles (2009, p. 114), reforçando a necessidade da estrutural jurisdicional para as finalidades sociais:

Aliás, crendo-se que a lei não possa tudo especificar, poderá um homem fazê-lo com precisão? Quando a lei tem assentado com zelo as regras gerais, ela abandona os detalhes à inteligência e a apreciação mais justa dos magistrados, para que julguem e decidam. Autorizados mesmo a corrigir e retificar, caso a experiência lhes prove ser possível fazer melhor que as disposições escritas.

A partir do conceito, verifica-se as notas características da capacidade jurisdicional que melhor fazem-na ser compreendida, sua natureza substitutiva é de longe elemento fragrante, onde o Estado-julgador intervêm em uma relação jurídica conflituosa para, substituindo as partes interessadas, indiquem o caminho da vigente ordem jurídica justa, o que por sua vez, traz a reboque, outra elementar configuração, a equidistância das partes.

Para que possa o Estado-julgador substituir-se a vontade das partes, sobretudo para assegurar o valor ético do processo, afastando qualquer desconfiança das partes em conflito, em atenção aos direitos fundamentais, deve o órgão jurisdicional estar equidistante do interesse das partes, o que conduz a noção de desinteresse, não de imparcialidade, tampouco da mitológica e impossível neutralidade.

65 Em consequência da equidistância, a atividade desempenhada pelos órgãos jurisdicionais deve ser provocada, partindo da concepção constitucional de civilidade participativa, o texto constitucional pressupõe que todo aquele que se sentir ameaçado ou sofrer lesão a direito que seja titular, será dissuadido, pela estrutura estatal a buscar por meio do órgão jurisdicional o caminho para a ordem jurídica justa.

Por ser capacidade estatal em função do poder popular, a jurisdição tem atuação imperativa, dotada de poder suficiente e meios bastantes para persuadir e sujeitar os indivíduos às determinações exaradas conforme a ordem jurídica justa, o que, por sua vez, conduz a um aparente problema, o fato da ordem jurídica justa não está integra, quando os textos jurídicos existentes, se aplicados de maneira dedutiva, não apresentam uma solução suficientemente clara.

Uma vez que o texto constitucional imputou ao Estado- julgador a apreciação de lesão ou ameaça de direito, implicitamente também vedou que o Estado-julgador furte-se de satisfazer o indicado direito fundamental sob a alegação de falta de norma ou obscuridade que lhe pudesse impedir de cumprir seu mister, logo, ao órgão jurisdicional lhe resta uma atividade jurídico-intelectual de criação de uma norma individualizada de aplicação concreta, em conformidade com as demais disposições normativas, gerais e abstratas, no sentido de permitir a recepção daquela na ordem jurídica.

A par disto, revela-se outra característica que deve a jurisdição prestar, a capacidade desta norma originada da cognição jurisdicional, tornar-se norma jurídica, integrando o ordenamento jurídico e por isto, restando como decisão insuscetível de discussão, pois produto final do processo jurisdicional, onde se observou as garantias fundamentais expressas constitucionalmente.

Ou seja, jurisdição é a capacidade de apreciação por parte dos órgãos estatais do Poder Judiciário investidos de tal poder, tendo a disposição os meios legais de prestar medidas de prevenção, repressão e restauração, para quem, delas necessitem e desse modo, promovam o acesso à ordem jurídica justa (MITIDIERO, 2005, p. 46), o que harmoniza, no processo civil, a ideia de poder, que está ao centro da visão moderna do direito processual, constituindo assim fator de aproximação do processo à política, entendida esta como o processo de escolhas axiológicas e fixação dos destinos do Estado (DINAMARCO, 2013, p. 98).

66 Inicia-se, portanto, o processo jurisdicional civil com o exercício do direito de petição específico, denominado “ação” processual, apresentando-se ao Poder Judiciário dada a situação jurídica para que esse a resolva, fazendo justiça. O direito ao processo, pois, concretiza-se, sob o ponto de vista do demandante, outorgando-se ao mesmo o direito e a pretensão à tutela jurisdicional, franqueando-se a esse a “ação” processual como um veículo eficaz de acesso ao processo. Do ponto de vista do Estado, garante-se o direito de processo mediante a inafastabilidade da jurisdição, devendo o órgão jurisdicional prestar tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva a quantos (MITIDIERO, 2005, p. 45).